sábado, 13 de março de 2010

ESPECIAL - Há 25 anos: Revista Fatos, um cometa jornalístico

Na Fatos Nº1, há 25 anos, reportagem sobre o escudo espacial americano que, com o fim da Guerra Fria, nunca saiu do papel.
Em 1985, matéria na Fatos N°1 sobre as primeiras ameaças, em larga escala, do crime organizado.

Esta é capa do número 70, a última edição da revista.


Na Fatos Nº1, Adolpho Bloch recebe Tancredo Neves na Casa da Mancnete, em Brasília. Foi uma das últimas fotos de Tancredo antes de se agravar a doença que o levaria à morte.




A instalação da Nova República, que não se revelou tão nova assim.



O Brasil esperava a posse de Tancredo e levou Sarney na Presidência. A Fatos Nº1, com a capa da posse, chegou às bancas no dia 17 de março de 1985.

por José Esmeraldo Gonçalves
Em fins de 1984, estávamos eu, Cony e o Barros (o diretor de arte João Américo Barros) conversando na redação. Comentávamos a precariedade de produção e edição da Fatos&Fotos e não víamos perspectivas para tirar a revista do atoleiro em que se encontrava. Entre uma e outra opinião divergente pelo menos em uma coisa estávamos afinados: não tínhamos mais saco para continuar fazendo a F&F tal como se encontrava. A direção da empresa parecia tão embevecida pela TV Manchete que nem cobrava do Cony e da equipe um desempenho melhor. Daquela conversa surgiu a idéia de se fazer um projeto de uma nova revista. Mudar era melhor do que ficar parado, inerte. O Cony se encarregaria de levar a idéia ao Adolpho Bloch. Na época, Tancredo Neves vencera no colégio eleitoral e virara presidente. Chegaria ao poder com uma penca de concessões aos militares, mas era, apesar da eleição indireta, o primeiro presidente civil. Era dezembro de 1984 e Tancredo tomaria posse em 15 de março de 1985. Adolpho cedeu ao argumento do Cony de que seria a hora própria para se fazer uma revista de informação, mais moderna, no gênero, por exemplo, da italiana Panorama. A ditadura chegava ao fim e com a posse do Tancredo – de quem o Cony era amigo e conselheiro - abria-se o espaço para a Bloch ter uma revista de análise e informação. (...) Fizemos um projeto, a idéia foi evoluindo. Adolpho se entusiasmou e mandou tocar a tarefa. Barros fez uma “boneca” que depois se transformou em uma peça publicitária a ser levada às agências. A receptividade foi boa. Começamos a montar a redação e marcamos a data para o lançamento em bancas: 17 de março, com a cobertura da posse de Tancredo Neves. O time foi formado. Cony como diretor, eu como editor-executivo, Barros diretor de arte, Marcos Santarrita editor internacional, Sergio Ryff da nacional, Daisy Prétola chefe de reportagem, Lenira Alcure editora de cultura e comportamento, repórteres como Maria Alice Mariano, Luis Carlos Sarmento, Marcelo França, Rosângela Vianna e Gabriel Nogueira; fotógrafos como Gervásio Baptista, Sergio Zalis, Henrique Viard e Sergio de Souza e por aí vai. A revista durou 1 ano e 4 meses. Teve bons momentos, mas faltou-lhe fôlego e resistência. Um bom time de colunistas – os jornalistas José Augusto Ribeiro, Tão Gomes Pinto, Artur da Távola, Gilberto Dimenstein, Antonio Carlos Miguel, Alfredo Grieco, Arnaldo Niskier, Zevi Ghivelder, Murilo Melo Filho, Maria Helena Dutra, Sandro Moreira e Alberto Tammer, o médico Jayme Landmann, o humorista Cláudio Paiva, entre outros -, garantia à revista uma diversidade de opiniões que arejava o “pensamento único” mais comum a boa parte da imprensa naqueles tempos. (...) Tancredo empossado e subindo a rampa seria a capa da edição de estréia. Estava tudo pronto. Um longo ensaio sobre a vida e trajetória do político mineiro, as circunstâncias da eleição, o ministério, uma análise do futuro governo a partir do jeito de agir e das características do novo presidente. Para fechar a edição só faltava o factual. Ou seja, a posse propriamente dita. Era o que pretendíamos escrever, mas não o que o destino rabiscava. O Cony entra na sala, me chama e ao Barros e diz, de cara: “Vamos ter que mudar a revista. Tancredo não toma posse”. Bem-informado – a notícia, gravíssima, ainda não vazara na imprensa --, Cony nos deixou atordoados. Ele não tinha dúvidas, estava seguro do que dizia. E os fatos confirmaram o “furo” do Cony. Nos dias seguintes, abriu-se a trágica seqüência que levaria à morte de Tancredo Neves. Na capa da Fatos Nº. 1, José de Ribamar Sarney anunciava o começo da sua era.
Cony escreve
Em 23 de abril de 2005, Cony publicou na Folha de São Paulo a crônica abaixo, sob o título "Tancredo" (texto em destaque):
“Os 20 anos da morte de Tancredo Neves reabriram os acontecimentos que impediram sua posse na Presidência da República. Sempre que acontecem casos de grande dramaticidade, surgem teorias conspiratórias. Na Itália, um jornal chegou a denunciar "la Mafia bianca", a máfia dos aventais brancos. Acompanhei os lances de sua eleição. No dia 12 de março, Mauro Salles telefonou-me avisando que ele queria jantar no dia seguinte com alguns amigos jornalistas, para ser exato, apenas quatro. Eu não poderia ir, porque estava preparando o primeiro número da revista "Fatos", cuja capa seria o novo presidente do Brasil. No dia 13, pela manhã, o jantar foi desmarcado. Com minha equipe deslocada em Brasília, fiquei no Rio para ultimar a edição. No dia 14, depois do almoço, recebi um telefonema de Brasília, de pessoa ligadíssima a Tancredo. Ela me avisou que Tancredo não iria tomar posse por estar doente. Pediu-me discrição. Como tinha de decidir sobre o editorial da revista, chamei o editor-chefe, José Esmeraldo Gonçalves, que hoje dirige uma revista do grupo Abril, e o diretor de arte, José Américo Barros, que atualmente faz free-lance para diversas publicações. Discretamente, começamos a buscar uma alternativa para a revista. Longe dos acontecimentos, mas informado pela pessoa próxima de Tancredo, iniciei um texto sobre a crise que logo iria estourar. Impossível prever a bagunça que se instalaria no Hospital de Base, mas, naquele primeiro momento, não podia desculpar o erro de Tancredo, que, apesar de se saber doente e dos avisos da única pessoa que sabia da verdade, recusava-se à operação, que era urgente, mas não houvera erro por parte dele. Sua preocupação não era mais ser presidente, mas garantir a tranqüilidade da sucessão. Temia que não dessem posse a Sarney. Na confusão que se seguiria, a redemocratização podia melar. Entre a vida e a missão, optou pelo sacrifício pessoal. Imolação que até hoje não foi compreendida." (por Carlos Heitor Cony para a Folha de São Paulo)
Fatos Nº 1
E foi-se a Fatos para as bancas com Sarney na Capa. A foto mostrava um Sarney que eu diria ainda perplexo. Dois passos atrás, como uma sombra, o general Leônidas Pires Gonçalves. A chamada de capa: Sarney na presidência: o primeiro teste da Nova República. No canto direito, uma "janela": Tancredo passa mal durante a missa, horas antes da posse. Para os militares, estava claro que melhor um Sarney na mão do que um Tancredo confabulando à mineira. Na página 7 a revista publicava uma charge do Cláudio Paiva. No desenho, um general medalhado, de quepe alto como um típico ditador sul-americano deixava cair o peso da mão sobre o ombro de um médico e “falava”: “É grave, doutor?” A interrogação estava ali como adereço. A frase mais parecia um apelo: “Diz que é grave doutor”. No mais, além da cobertura da posse e da análise de um ministério que tinha muitos dos “mesmos” dos anos de chumbo - Marco Maciel, Golbery do Couto e Silva, Olavo Setúbal, Roberto Gusmão, Antonio Carlos Magalhães -, a edição trazia uma curiosidade: na página 20, um anúncio do Governo de Minas, que já estava impresso e não foi possível mudar saudava a posse de Tancredo. A mensagem, assinada pelo então governador Hélio Garcia, ressaltava que “o povo mineiro renova sua total confiança em que a posse do eminente estadista Dr. Tancredo de Almeida Neves na Presidência da República dá início a um novo tempo” (...) “Reconciliada e restaurada em sua crença, a Nação assume a Nova República e a entrega, confiantemente, ao comando lúcido e sereno do eminente Presidente Tancredo Neves”.
Como estava escrito que Tancredo não assumiria a presidência, estava escrito que a Fatos não emplacaria nas bancas. Menos de um ano e meio depois, fechamos a edição número 70 e selamos as portas da redação no 8º andar do Russel. O sonho já havia acabado e fomos cuidar da vida. A última edição tinha apenas três páginas de anúncios, já não estávamos dispostos a resistir às pressões internas, políticas e pessoais – o que fizemos desde o número zero – e jogamos a toalha. Não sem antes mandar um recado. Na capa, em fundo preto, colocamos o ministro Dílson Funaro que, coincidentemente, tal como a Fatos, também estava pedindo penico. Para nós, a capa era o que menos importava. A palavrinha que queríamos deixar gravada estava lá, em vermelho, grifada, no alto da página, logo abaixo do logotipo da revista: Sabotagem! Referia-se ao momento econômico do país e, de quebra, lavava modestamente nossa alma. De certo, muitos colegas que por oportunismo tinham aderido à “campanha” interna promovida por certos diretores captaram a mensagem. Fechada a revista, fomos “comemorar” no bar do Novo Mundo. Página virada, muita frustração e uma derrota no fígado.
Transcrito do livro do livro Aconteceu na Manchete – as histórias que ninguém contou (Editora Desiderata)

4 comentários:

Maria Alice Mariano disse...

Belo texto meu amigo Esmeraldo. Lembro muito bem de tudo isso, da emoção do começo da Fatos e da tristeza ao terminar. Se tivessemos tido apoio com certeza, hoje ela estaria aí, concorrendo com outras revistas semanais, como a Veja, etc, etc... enfim, a equipe da Fatos composta de jornalistas que amavam e amam a profissão, estão de parabéns hoje e sempre porque cumpriram e continuam cumprindo sua missão de analisar e reportar os fatos com profissionalismo e dedicação.

Eliane Furtado disse...

Voltei no tempo. E hoje amanheci com saudade de toda esta história. Eu já sai na Fatos e Fotos.
Já escrevi uma matéria para ela. 1984, indios do Xingu, a guerra.
Alice tem razão. Faltou apoio.
Mas que grande e talentosa equipe!

deBarros disse...

Pensei em fazer um comentário sobre a nota do José Esmeraldo. Ao ler esse depoimento mais uma vez, senti uma tristeza enorme me invadir. Se os momentos que levei planejando graficamente a revista junto com o Cony e o Esmeraldo foram para mim a maior realizaçào da minha vida profissional, o fechamento da revista foi a maior derrota que pude sofrer nos meus quarenta e seis anos de vida profissional nas redações de revistas e jornais em que trabalhei.
Não existe tristeza maior quando você vê um sonho de sua vida se desmanchar e se acabar como nunca tivesse acontecido. A revista acabou. O sonho acabou. Não posso ir mais adiante.

Maria Alice Mariano disse...

Barros, meu querido amigo, o sonho acabou mas você continua sendo o melhor diretor de arte que eu já conheci. Sou sua fã!