sábado, 6 de março de 2010

O "homem de chapéu" falou...

por José Esmeraldo Gonçalves
Usar informações em off, fontes não-identificadas ou identificadas apenas como um "assessor", "um funcionário do gabinete", "um dos assessores do ministro", "uma pessoa próxima ao fulano", "um passarinho me contou" (este é jargão muito usada por colunistas. E há variações, "uma ave felpuda", "rádio-corredor", "um amigo da coluna" etc) são recursos frequentemente adotados por jornalistas para apoiar notas e até reportagens. Recentemente, os jornais informaram que Lula iria tirar licença do cargo para fazer a campanha da Dilma Rousseff e que o senador José Sarney assumiria a Presidência (o vice José Alencar e o presidente da Câmara, Michel Temer, estariam impedidos por serem candidatos nas próximas eleições). Bom, Lula desmente com veemência e chama a imprensa de mentirosa. Caberia à mídia, então, matar a cobra-operária e mostrar o pau: de onde saiu a informação, como foi checada, uma fonte declarada ou mais de três offs (como manda o bom jornalismo) teriam confirmado essa notícia? À afirmação de Lula de que os jornais falseiam a notícia, a imprensa responde timidamente, até agora, com um vago "assessor" que teria revelado vagamente que em uma vaga reunião sem a presença de Lula o assunto teria sido vagamente discutido.
Há 40 anos, durante a apuração do famoso Caso Watergate, os repórteres Bob Woodward e Carl Berstein, do Washington Post, tornaram lenda um informante em off: o Deep Throat (Garganta Profunda). Mas na histórica série de reportagens que fizeram, usaram as valiosas informações do Deep Throat como dispositivo de segurança para a apuração e checagem do caso e, mais do que isso, como uma espécie de bússola para corrigir o rumo das reportagens investigativas. O risco de o jornalista aplicar um off de um "assessor" ou de "uma pessoa próxima" e se basear apenas nisso, sem buscar outras fontes, é tornar o veículo marionete de interesses políticos, econômicos, esportivos, seja qual for a editoria envolvida. Se o jornal não apura corretamente e divulga a informação assim mesmo, das duas, uma: ou é irresponsável ou deturpa a informação conscientemente por envolvimento ideológico ou interesse direto no assunto.
E na suposta mentira.
Essa epidemia de frágeis offs me lembra um repórter ainda não muito experiente que participou da equipe que cobriu, anos atrás, um rumoroso caso passional de assassinato. Os acusados, presos na Frei Caneca, foram levados ao local do crime para a reconstituição formal. O repórter voltou para a redação e escreveu a matéria. Logo no título, informou que os acusados seriam transferidos para o presídio da Ilha Grande porque estavam jurados de morte por outros presos revoltados com as circunstâncias do crime. Se verdadeira, era uma informação inédita. Os repórteres mais experientes alegaram não ter conhecimento da tal transferência. Na tentativa de aferir a credibilidade, o editor indagou sobre a fonte daquela informação. "Foi um homem de chapéu lá na delegacia. Os presos já estavam saindo e não pude pegar o nome dele", respondeu o jornalista, com a ingenuidade dos primeiros passos na profissão. Na redação, o "homem de chapéu" acabou virando mote para reportagens mal apuradas. Volta e meia, um copy-desk (existia isso) se queixava: "Pô, esse texto é do "homem de chapéu".
Pois é, jogo feito: ou a imprensa prova que a fonte da informação sobre a tal licença não é o "homem de chapéu" ou vai dar razão ao Presidente.

3 comentários:

eli halfoun disse...

Esmeraldo,a gente sabe que a fonte da notícia não aparecerá e não aparecerá porque não existe. Ta cara que isso é coisa de quem não aceita a aprovação do Lula como presidente, na minha opinião o melhor que o Brasil já teve. Na verdade os inimigos queriam tumultuar a candidatura da Dilma Roussef,mas não conseguiram. Também tava na cara que o Lula jamais tomaria uma atitude tão burra até porque na presidência ele ajuda sua candidata muito mais do que no palanque. O próprio Sarney declarou que isso era uma loucura e não tinha o menor sentido, assim como não tem sentido ficar inventando coisas para desestabilizar o presidente. Não adianta: ele está e é mais fporte do que isso. A imprensa é que precisa se mancar e não entrar em furadas como essa e continuar sendo acusada de mentirosa (e no caso fo).Na nossa época de repórter a gente só publicava o que era devidamnente apurado ( podia até errar, mas apurava). Parece que as coisas mudaram. Infelizmente.

debarros disse...

Onde há fumaça, há fogo! Esse velho adágio popular nunca falhou. Ora, porque não existir a possibilidade do Presidente entrar em licença? Podem existir várias razões para essa alternativa: Stressamento, necessidade de férias, cansaço enfim, ninguém é de ferro e muito menos um Presidente de um Pais, que no exercício de seu mandado pode se exaurir diante de tantos problemas a enfrentar.
Até porque ele tem todo o direito, em qualquer mmomento, de se licenciar do cargo, seja por razões pessoais ou não, independente dessa lenda jornalística da existência de "um homem de chapéu".
Essa é nova. Amém!

Esmeraldo disse...

Certo, Eli, esses erros costumam acontecer quando política partidária prevalece sobre o bom jornalismo.
Debarros, o ponto central do questionamento não pe político nem é o Lula ou a suposta licença. É provável prática leviana dos fundamentos do jornalismo honesto. Se é verdade, o jornal, que foi publicamente chamado de mentiroso, deveria mostrar que apurou e comprovou com várias fontes que o Presidente vai se licenciar e ceder o lugar a Sarney. Só isso. Nós, leitores, estamos no aguardo. Ontem, pelo menos dois grandes jornais concorrentes mostraram que essa notícia não existiu.