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sábado, 5 de junho de 2010

O Campo de Santana segundo Orlando Abrunhosa


por Orlando Abrunhosa
Rio 15 de maio 2010.
Agora já são 5h45 da matina. Como de costume, estou estacionando meu carro em frente à Policlínica do Exército. Do lado esquerdo, uma fila enorme,  com todos os tipos de gente. Velhos, moços, crianças e etc. Essa fila deve ser para a compra de medicamentos na farmácia do Exército, pois dizem que ali os medicamentos são bem mais baratos. Saio, fecho o carro e caminho rumo ao Campo de Santana, que fica a uns 100 metros de distância do estacionamento. Logo à entrada sou recebido por uma centena de gatos que vivem lá, abandonados por alguém que não quis criá-los ou nascidos aqui mesmo no campo. Começo a minha caminhada matinal acompanhado por alguns deles pedindo comida ou, quem sabe, que os leve para nossa casa para criá-los. O dia esta começando a raiar e hoje com certeza será uma linda manhã, pois o sol começa a colorir o céu com diversos tons de cores que só ele sabe pintar.
Na primeira volta da minha caminhada matinal, a luz do dia ainda se confunde com o fim da madrugada e o frescor da brisa da manhã bate em cheio no meu rosto dando aquela sensação de liberdade total. Reforçando: o orvalho da madrugada caído na relva me faz lembrar dos versos da música "Estrada do Sol", acho que é de Tom Jobim e que diz ("É de manhã, vem o sol mas os pingos da chuva que ontem caiu ainda estão a brilhar, ainda estão a dançar" etc.). Respiro fundo, por várias vezes, o ar puro do lugar, o silêncio da madrugada, a longitude da visão me faz ver a beleza em volta.
A essa hora, mais ou menos às seis, poucas pessoas chegaram para fazer suas caminhadas matinais. Com o dia raiando, o nascer do sol agora mais alto está a caminho, espalhando tons de cores que mais parecem um arco-íris. Caminhando, às vezes olhando para o céu, vejo as folhagens passando. Tudo ao redor fica mais vivo e mais colorido. Plantas, flores, árvores, animais e etc. Em alguns trechos do percurso, os raios brilham contra as folhagens e nos deixam ver os tons diversos de um verde muito claro, suave, muito bonito. O reflexo do céu no lago, os bancos de praça, daqueles de madeira, pintadinhos de branco ou de verde, os postes antigos, do tempo do Império, as folhas douradas caídas no chão. Quem me dera ter o dom da poesia para poder descrever melhor tudo que vejo e o que sinto por aqui. Observo esse visual incrível mas me dou conta que não é apenas o visual. Há também os tipos curiosos que aqui desfilam todos os dias, pessoas que correm ou caminham, um desfile de tipos curiosos e  muito engraçados. Como, por exemplo, o gordo e a magra, que devem ser marido e mulher. Ele caminha lentamente, em linha reta; ela caminha bem mais rápido, sempre à frente dele, porém em ziguezague, porque esse foi o modo que ela bolou para que os dois estejam sempre juntos.
Tem também o cara que corre balançando a cabeça e os braços como um potro trotando, até o som das patas dele, digo o som dos seus passos, soam como um cavalo trotando, manja, "toploc, toploc, toploc"... (Foto: Orlando Abrunhosa. Nos tempos do Império, realizavam-se grandes festas no Campo de Santana. Uma delas, a Aclamação de D.João V!, em 1818. Outra, a missa campal comemorativa da vitória brasileira na Guerra do Paraguai. E a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. O projeto original do Campo é do paisagista francês Auguste Glaziou)

Campo de Santana, parte 2



por Orlando Abrunhosa
Há alguns dias, muito cedo, ainda meio lusco-fusco, vi de longe alguns gatos brigando. Fui chegando mais perto e percebi que atacavam a pobre de uma cotia, batendo muito nela. Achei estranho, pois, gatos e cotias vivem aqui em harmonia. Fui chegando mais perto e vi que não era exatamente uma cotia e sim uma ratazana enorme. Tão grande que parecia um gambá. Ela lutava de todos os jeitos tentando se livrar daquele arrastão felino ou gatino, sei lá.
Corria de um lado para o outro, pulava, às vezes tentava encarar e gritando, gritava muito, não entendi muito bem o que ela dizia, mais acho que era "calma, calma, calma" – calma porra nenhuma. Os gatos davam-lhe porrada por todos os lados. Tinha um, o maior deles, que de vez em quando pegava ela e a arrastava pra longe dos outros gatos. Acho que o que ele queria era dar porrada nela sozinho.
Esse rolo todo me fez lembrar da historia do cara que entrou no botequim e falou para o dono do bar: "Bota uma cana ai, compadi".
E a toda hora ele repetia a dose.
O mais estranho é que, antes de beber, dava um pouco para o seu rato de estimação que levava no bolso da camisa. Tomava uma e dava outra pro ratinho. Na hora de pagar a conta, como todo bebum, achou que tinha bebido muito menos que o cobrado. Pagou mas começou a agredir o dono do bar, "filho disto, filho daquilo, ladrão" etc. Já na saída, tornou a repetir, "ladrão chifrudo" e foi saindo. Nisso, o ratinho que estava dentro do bolso dele pulou para fora e disse para o dono do bar: "E tem mais essa garotão, o gato desta casa também é viado".
Contei essa porque lembrei que do outro lado do Campo de Santana tem uma casa de show, acho que é uma gafieira, e de repente aquela ratazana da porrada provavelmente passou a noite na gandaia enchendo a cara e na hora de ir para casa, que deve ser do outro lado do Campo, no Saara, ela teria que dar uma volta muito grande, cheia de cana, bateu a mão no peito, e falou, "volta, porra nenhuma, eu vou é atravessar na marra". Levou tanta porrada que deve estar correndo até hoje. Foi ai que lembrei daquele velho ditado ("Barata que é malandra não atravessa galinheiro"). Pois é: rato que é malandro não atravessa o Campo de Santana. (Foto: Orlando Abrunhosa)

Figuraças do Campo de Santana...



por Orlando Abrunhosa
Voltando aos tipos curiosos... Com mais ou menos 1,85 de altura e uns 120 quilos e usando um short daqueles antigos bem largos, o cara puxa as bainhas com as duas mãos até à cintura dando a impressão de está usando biquíni. Fica lá, exercitando-se durante algum tempo, como se estivesse pedalando uma bicicleta, sem sair do lugar, e sorrindo. O mesmo sujeito tem a mania de caminhar bem no centro da pista com os braços abertos como se fosse Jesus Cristo, abrindo e fechando as mãos e como sempre, sorrindo para todos que passam por ele.
Certa manhã, antes de o dia estar totalmente claro, avistei o cidadão vindo em minha direção dando uma de Jesus Cristo com os braços abertos, flexionando as mãos e sorrindo muito. Nisso, passa uma senhora caminhando rápido em direção àquela figura imensa. Pensei: os dois vão se chocar, pois aquela senhora tem a mania de caminhar olhando para o chão. Quando ela chegou a mais ou menos um metro de distancia da figura, deparou-se com aquele gigante vindo em sua direção, de braços abertos e sorrindo, tomou um susto tão grande que deu uma guinada de 45 graus tão violenta para esquerda e quase capotou. Se o nosso amigo Ney Bianchi estivesse no lugar dela, com certeza diria, "qual é garotão tá querendo me abraçar, porra!"
E passei o resto da caminhada me esporrando de rir.
Tem também outro tipo curioso. Quando o avisto não seguro a risada, ainda que discreta. O cidadão caminha a passos largos, balançando de um lado para o outro como se fosse um pêndulo de relógio daqueles bem antigos. Ou um pato cheio de malandragem. O motivo do meu riso é que o cara é a cara do nosso amigo Lincoln Martins, de óculos e tudo. Há outro tipo que caminha balançando os braços para frente do corpo e com os dedos das mãos em riste, como se fosse bater continência, marchando. Anda tão empolgado que, às vezes, até canta o "cisne branco em noite de lua vai deslizando no mar azul", manja.
Agora já deu a minha hora e eu estou me dirigindo para a saída do campo para mais um dia de labuta. Mais uma olhada e lá vem o nosso amigo "Lincoln", a mil por hora, gingando mais que um malandro da Mangueira. como diria o meu amigo Dácio.
Não se esqueçam, se quiserem se divertir com o cenário e os tipos que aqui desfilam, estejam na Praça da Republica às 6 horas da matina, no popular Campo de Santana, tchau.
Convido a todos que lerem este texto para conhecerem a árvore mais linda de todo o parque, talvez de toda a cidade do Rio (acima). É uma aroeira, acho que sua silhueta verde-claro limão contra o céu parece um grande cogumelo da paz. Caminhando na direção da árvore, costumo parar para admirá-la. Com certeza, poderia ficar horas a fio observando a imponência e a grandiosidade de sua beleza. (Foto: Orlando Abrunhosa)