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segunda-feira, 13 de julho de 2015

Memórias da redação: Manchete revela o que o Rio bebia em 1952. Se você quiser conhecer as receitas dos coquetéis preferidos dos cariocas na Copacabana dos "anos dourados" leia a reportagem de Darwin Brandão


"Eles nos dão de beber. Um passeio pelos bares da cidade"

por Darwin Brandão (para a Manchete N°17, de 9 de agosto de 1952)

"Há bares para sempre ligados à vida das suas cidades. Com os poetas, políticos, escritores e artistas que os frequentam, entram para a história urbana. Nos seus bares típicos, as cidades têm uma fauna especialíssima, curiosa, insubstituível. É o caso de Paris, com um bar para cada rua boêmia e um frequentador típico para cada bar. O Rio, sem a tradição noturna parisiense, já guarda em sua crônica bares que o definem. O Nice, hoje um simples café em pé, já foi por muitos anos o dos cantores de rádio e jogadores de futebol, que ali se reuniam para renovar repertórios, contratos, boatos e fuxicos. Demolido pelo progresso, o Rio Branco está na saudade de muitos cariocas. Sua frequência era antes de tudo esportiva: ali cresceu o Flamengo e suas mesas foram alisadas por craques famosos, chegados quando já se retiravam os estudantes de medicina, cuja escola ficava ali perto, à rua Santa Luzia. O Conselheiro Ruy Barbosa passava às vezes para um cafezinho rápido, mas de quem todos gostavam era do Visconde de Morais, que vinha aos domingos, pela manhãs e distribuía pratas de 2 mil réis aos garçons (para Ruy, garçãos). O Simpatia, de verdadeiros e falsos homens de negócios. O Nacional, na Galeria Cruzeiro, sobrevive aos seus áureos tempos, quando Alberto Torres ali ia destilar seus venenos.  Hoje, de maior evidência, é o Vermelhinho, onde pululam os gênios de amanhã e os subliteratos de agora, de permeio com atores, pintores, cinematografistas e grossas colunas do Exército do Pará.
Mas a vida da cidade está mudando e com ela o pouso dos boêmios. Os bares do Centro perdem a fama para os dos bairros, onde o trabalho não afugenta os frequentadores nem a noite os dispersa. Copacabana, por exemplo, uma das mais populosas "cidades" do Brasil, concentra a vida noturna do Rio. Possui, por isso, maior número de bares. Surgiram da noite para o dia (principalmente da noite) e são sofisticados uns, tranquilos outros, mas todos agradáveis e barulhentos. (Alguns deles, como o Aquarium, não sobreviveram por excesso de delicada especialização, que os tornaram alvo fácil da fúria Padilhesca). Geralmente são pequenos: uma salinha bem decorada, poltronas repousantes, pouca ou nenhuma luz, um piano, bebida às vezes boa e sempre cara.
Nos bares antigos,o garçom era a primeira figura: hoje é o barman, o homem cuja função se situa entre a ciência alcoólica e a arte de receber - espécie de alquimista doublé de mordomo. Verdadeiras vedetes, os barmen atraem público e para isso têm os seus segredos profissionais. Ei-los:

Fredy - É o proprietário do Maxim's, o mais famoso bar do Rio. Tem uma tradição de barman que vem da Europa onde serviu aos homens mais famosos, incluindo Ali Khan e Orson Welles. O príncipe, na Côte d'Azur, ficou lhe devendo uma conta de seis mil cruzeiros que foi resgatada, entre sorrisos, há pouco tempo, em nossa capital. É poliglota, maneiroso e considera o coquetel uma verdadeira (e difícil) arte. Sua receita preferida é Stromboli: Cognac 1/3, Gin 1/3, Cointreau 1/3, uma cerveja.

Eduardo Pinhal - É espanhol e barman do Juca's Bar, frequentado por intelectuais mais ou menos bem arranjados a vida. Não tem uma fórmula própria, sua, para coquetel. Conhece milhares internacionalmente famosos. Entre esses, tem preferência especial por um - o Planter's Punch. E explica que sua apresentação é bela e seu preparo dificílimo. É feito com uma base de rum e suco de frutas,

Wilson Faccin - Não tem uma grande "pinta' mas dizem que  suas mãos são hábeis e suas dosagens exatas. Conhece o momento exato em que devem ser servidos coquetéis diferentes. Atrás do balcão é sério, compenetrado da sua importância. É o barman do Serrador. Tem um coquetel que batizou com o nome da própria casa. Seus ingredientes; gin, vermute Martini,rum Merino, licor de Ouro e cherry brandy.

Inocêncio Fernandes - Outro espanhol. Sempre foi barman e sua profissão foi herdada da família. Acha que o principal num coquetel é saber "pesar" a bebida no seu sabor e densidade. É o responsável pelos coquetéis do L'Escale, barzinho de Copacabana. Seu coquetel favorito também tem o nome do bar onde trabalha. É feito à base de licor e Dubonet.

Luiz da Cunha - É um dos poucos barmen portugueses do Rio. É jovem ainda e atende à freguesia do Tudo Azul. Ao contrário da maioria dos seus colegas, é modesto quando fala de suas qualidades. Mas arranjou um nome poético para seu coquetel favorito: Espelho d' Água. A receita: Triples, Curaçao, licor Beirão, suco de laranja.

José Gomes de Oliveira - Seu nome verdadeiro é o que está aí. Mas todos o conhecem mesmo é por Zé Gordo. Tem um boteco de uma portinha, na Galeria Cruzeiro. Seus fregueses não conhecem os barmen famosos, nem fazem questão de tomar  suas beberragens. Porque a freguesia de Zé Gordo é toda especial: nordestinos em geral, cearenses em particular. Sua especialidade é muito simples: cachaça da melhor procedência, servida em cálices, acompanhada sempre de um pedacinho de fruta, geralmente cajá-manga.

José Lopes - É um homem que se orgulha da sua profissão.E mais: acha que nós já temos barmen nacionais capazes de fazer grande figura em qualquer lugar do mundo. Trabalhou no Quitandinha, com alguns colegas italianos e não conheceu novidades. É hoje o homem que prepara coquetéis no Bar Michel. Sua especialidade é o Balalaika: vodka, cointreau, suco de limão e açúcar.

Hélio Bueno - Esse barman tem uma história interessante. Foi piloto aeronáutico, tendo servido na Força Aérea Brasileira. É também fotógrafo profissional. Mas um dia deixou a aviação, encostou a câmera e montou um barzinho na Senador Dantas: o Bar Badinho. Sua especialidade criou fama em toda a cidade. É a popular Batida de Amendoim: amendoim torrado mais amendoim cru, tudo socado e misturado com cachaça. É recomendado agitar-se demoradamente a mistura".