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quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Direto de uma galáxia distante, os anos 70, conheça o JA, o Jornal de Amenidades que tentou ser uma "rede social"

O número 1 do JA, de Tarso de Castro

Serviço no JA: ficha técnica do King's Motel, que foi uma espécie de point jornalistico nos anos 70/80.

O que comer no King's Motel

Muito antes dos humoristas do Casseta, o JA tornou real o Planeta Diário.
(clique na imagem para ampliar)

A capa do número 2

Enquete sobre o EM

Tarlis Batista, repórter que depois fez carreira na Manchete, foi citado no número 1 do JA. Como não era de levar desaforo para casa, respondeu em carta para a seção "Pau Nele" do número 2.

Capa do JA número 3

Matéria sobre o Jangadeiro, o lendário botequim de Ipanema.
(Clique na imagem para ampliar)

Capa do JA número 9

O "Jogo do Carro" das celebridades no JA número 9

JA interativo à moda dos anos 70: o jornal convidava o leitor a escrever para seu ídolo, que respondia em carta manuscrita.
O expediente do JA
por José Esmeraldo Gonçalves
Acredite. Houve um tempo em que não havia rede social. O que não impediu que em um passado remoto, numa galáxia distante, os anos 70, existisse algo parecido com a linguagem da rede social. Há poucos dias, descobri simulações de “posts” escritos no tempo em que nem a ficção científica falava em Facebook.  Em uma caixa de papelão ainda fechada desde uma mudança de apê encontrei quatro velhos exemplares do JA, o Jornal de Amenidades, lançado por Tarso de Castro, em 1971. Na época, eu estudava na Escola de Comunicação da UFRJ, a ECO, então instalada na Praça da República, esquina de Visconde do Rio Branco. O prédio continua lá, mas quase em ruínas como, de resto, muitas lembranças da época. Em uma manhã de junho, alguém levou para a sala de aula o número 1 do JA, com Elis Regina na capa. O jornal era impresso em formato tabloide, com as folhas dobradas ao meio, o que lhe dava um jeitão de revista sem grampo. E não vinha para explicar, nem para confundir, não parecia pretensioso, era apenas diferente. Nas semanas seguintes, comprei os números 2 e 3 em uma banca ali perto, na Gomes Carneiro, quase em frente ao Correio da Manhã, onde passava a caminho da faculdade.
Os anos eram de chumbo, pleno governo Médici, e o Pasquim, do qual fazia parte o mesmo Tarso de Castro, era a leitura menos careta nas bancas de jornal, para usar uma gíria setentista. O JA - não sei quanto tempo durou mas não resistiu muito (era semanal, custava 50 centavos e, pelo menos até o número 9, parecia não ter conseguido captar anunciante que lhe desse sobrevida) – não concorria com o jornal do Sigismundo e pegava outro atalho, o de ironizar a chamada sociedade de consumo e a cultura de massa, expressões em voga nos tempos do tal “milagre econômico”. Era pop e mais provocador do que contestador. A matéria de abertura no primeiro número era a “ficha técnica do King’s Motel, um ícone da década. “Você e a companheira se hospedam democraticamente. Sem muitas formalidades. Ninguém quer saber quem é quem. Nem a ficha, na mesa de cabeceira”.  O texto, meio ao estilo das blogueiras que dão o serviço de marcas e produtos, detalhava quartos, serviço, culinária (com pratos como Filé ao King’s ou Filé Manda Brasa), garagem, formas de pagamento e avisava aos clientes para não levar souvenir para casa. “Desista de roubar a toalha da casa (linda). Dá bolo. No tempo em que você percorre o terreno de carro até atingir a portaria pra se mandar com o souvenir, os caras vasculham o quarto e imediatamente cantam o macaco para a portaria: - ‘Senhor, com toalha é mais 20 contos’”.
Seções como "Placar Social", que fazia o ranking das pessoas citadas nas colunas de Zózimo, Ibrahim Sued, Carlos Swan, Daniel Más e Germana de Lamare, antecipavam o foco sarcástico nas celebridades, hoje material de centenas de sites na web. Havia, ainda, o "Retrato do Consumidor", onde uma personalidade revelava seus hábitos de consumo (Jorginho Guinle era a pauta do número 1), a "K.H. Regras', um tipo de perfil com figuras polêmicas, entrevistas, enquetes, críticas a programas de TV, filmes, teatro, dicas de boates e bares, além de colaboradores como Antonio Bivar, Torquato, Martha Alencar,  Sérgio Augusto, Antonio Calmon, Vera Barreto Leite, Capinam, Pinky Wainer e Joel Barcelos.
Os textos, na maioria, eram curtos, coloquiais, bem tipo rede social. O JA também incentivava a interação com os leitores: havia uma página em que qualquer um podia escrever uma carta para um ídolo – assim como se entrasse no  Facebook do “famoso” ou “famosa” – e receber uma resposta exclusiva; leitores eram entrevistados na porta do cinema para opinar sobre o filme; a seção de cartas não chegava ao tom hater da rede, hoje, mas atendia pelo nome de "Pau Nele" e publicava broncas homéricas em lojas, companhia telefônica, restaurantes e postos de gasolina que maltratassem o consumidor.
Então é isso. Quis apenas compartilhar um certo veículo jornalístico de curta temporada, agora reconectado e reacessado em uma inesperada expedição arqueológica a uma caixa de papelão esquecida. Não tive coragem de jogar fora os quatro exemplares do JA. Fiquei com a impressão de que se o fizesse estaria entregando à Comlurb o “patrimônio imaterial” de um tempo em que o jornalismo tinha essas loucuras, era capaz de apostar no inviável - porque embarcar no viável é fácil -, e ainda (com licença do Fado Tropical, de Chico Buarque) cumpria seu ideal... de pensar fora da caixa. Ou da página.