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segunda-feira, 18 de março de 2024

Do Jornalistas & Cia - Roberto Muggiati, 70 anos de carreira. Por Cristina Vaz de Carvalho

 










Matéria reproduzida do portal Jornalistas & Cia. Clique nas imagens para ampliar

Atualização em 20/3/2024 - O  Jornalistas & Cia publicou a seguinte nota, que reproduzimos por solicitação de Roberto Muggiati:

Clique na imagem para ampliar 


sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Carnaval 2024; Nilton Rechtman, ex-Manchete, na percussão do Bloco do Junior

Carnaval 2024 - Nilton Rechtman no Bloco do Junior
Veja o vídeo no You Tube (Canal ViewManchete) no link
https://www.youtube.com/watch?v=lkspWVmsFGs

Quem passou por Manchete, Fatos&Fotos e Amiga, entre repórteres, fotógrafos, produtores, editores, laboratoristas, motoristas, motoqueiros etc, envolvia-se com a cobertura de carnaval. Era época de esgotar edições de revistas. Os blocos cariocas ainda registram sobreviventes mancheteanos na pista, agora por diversão. 
Nilton Rechtman, que foi do núcleo de assinaturas e circulação, setor que tinha intensa atuação na tarefa de levar as edições de carnaval, rapidamente, aos leitores em todo o Brasil, é um deles. Como ritmista, já integrou a Furiosa, a épica bateria do Salgueiro. O tempo passou, mas ele se mantém na percussão. Este ano, esteve na bateria do Imprensa que eu gamo, o bloco dos jornalistas cariocas que agita o Largo do Machado, e no Bloco do Junior, em Copacabana.   

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Fotomemória na Sweet London - Em 1968, Manchete registrou Roberto Carlos comprando roupas na butique dos Beatles

Roberto Carlos e um bobby londrino,
na frente do Palacio de Buckingham.
Foto de Alécio Andrade


Roberto na butique dos Beatles, a Apple, na Carnaby Street.
Foto de Alécio de Andrade

Em 1968, Roberto Carlos ainda não tinha seu compromisso anual e inadiável na Rede Globo: o tradicional Especial de Natal. O primeiro só iria ao ar em 1974.

O fotógrafo Alécio de Andrade, então correspondente da Manchete na Europa, fotografou Roberto no seu périplo em Londres, então mais sweet do que nunca. O rei deu uma passadinha na Apple, a butique dos Beatles, onde renovou o guarda-roupa 

domingo, 15 de outubro de 2023

João Américo Barros (1931-2023): algumas linhas e imagens para a última página

João Américo Barros.
Paraty, 3 de setembro de 2023.
Foto: Arquivo Pessoal

por José Esmeraldo Gonçalves 

Esta última foto do João Américo Barros nos remete a um instante de profunda paz. Ele esteve em Paraty, no primeiro fim de semana de setembro, com a filha, Lúcia, e o genro Fernando e, de lá, enviou uma mensagem no whatsapp contando suas impressões da cidade. Barros gostava muito de História e a "capital" colonial do Ciclo do Ouro inspirou seu comentário. No domingo, dia 3, qundo voltava de Paraty enviou o que seria a derradeira mensagem. Queria saber do resultado do GP de Monza. A Fórmula 1 era outro dos seus interesses além do Flamengo que, naquele domingo, lhe deu a alegria de derrotar o Botafogo. "Em tempo: ganhamos do Bota", assim ele encerrou o papo virtual. Apenas dois dias depois foi atendido em emergência e, em seguida, levado à UTI com sintomas de uma pneumonia que resultou em infecção generalizada. Não foi embora sem luta. Aos 92 anos, resistiu por mais de um mês. 

O faixa preta Barros foi homenageado pelos colegas do aikido. Maio de 2023.
Foto: Arquivo Pessoal

A segunda foto foi feita em maio desse ano. Registra uma homenagem que a turma de aikido fez ao atleta que era faixa preta desde 2011, quando completou 80 anos. A imagem também é simbólica do seu jeito de ser. Barros não se isolou no outono da vida. Mantinha-se ativo no Facebook, voltou a pintar, era bem informado, conversava sobre política, sempre civilizado e ora com esperança ora com decepção. 

Em um dos seus artigos, ele abordou o ataque
à democracia em 8 de janeiro.

Lamentava não ter tempo para ver o Brasil que sonhamos, socialmente justo e desenvolvido, virar enfim uma realidade. Publicou neste blog reflexões políticas, profissionais e pessoais.

Bem no começo dos anos 1980, o então chefe de Arte da Fatos & Fotos, Ezio Speranza, deixou a Bloch. Barros, que entrou na editora como diagramador da revista Tendência e, em seguida, tornou-se diretor de Arte da Manchete Esportiva, foi indicado para o posto. Era o nome certo. Carregava no currículo nada menos do que O Cruzeiro, a mais importante revista ilustrada do Brasil até meados do anos 1960. Após uma temporada na FF, até 1986, ele foi transferido para a principal publicação da Bloch, a Manchete. Brincávamos que se tornara tríplice coroado como chefe de Arte por ter passado pelo O Cruzeiro, Fatos&Fotos e, finalmente, Manchete, as três revistas mais conhecidas no segmento ilustrado de atualidades e variedades. Trabalhei com o Barros por mais de 15 anos. Certamente enfrentamos bons e maus momentos naquelas revistas semanais intensas e desafiadoras. Este blog, para o qual ele criou o logotipo costuma recontar memórias das redações. Vou citar dois momentos que, tenho certeza, foram marcantes nas nossas trajetórias profissionais. Um de frustração e outro de realização. Em 1984, a Fatos & Fotos agonizava em praça pública travada por pouco investimento e baixa circulação em uma época em que a Bloch priorizava a decolagem da Rede Manchete. Carlos Heitor Cony, o diretor, Barros, o diretor de Arte e eu, editor-executivo, não aguentávamos mais carregar aquele fardo. Conversávamos os três sobre o que poderíamos propor à direção da empresa. 

João Américo Barros, José Esmeraldo e Carlos Heitor Cony.
Foto: Jussara Razzé
 

Cony pensou no assunto e, um dia, nos convidou para uma reunião fora da sede da Bloch. A ditadura também agonizava naquele época, talvez até mais do que a FF, embora ainda exibisse força.  Os milicos conseguiram barrar as Diretas-Já e manobravam para eleger Paulo Maluf no famigerado Colégio Eleitoral quando o nome de Tancredo Neves se impôs como uma alternativa. Cony havia sido convidado por Tancredo para dar  consultoria sobre a campanha. Foi várias vezes a Belo Horizonte. A ideia era - apesar de se tratar de uma eleição fechada em um Colégio eleitoral espúrio, criado pela ditadura, tentar falar com a população, procurar captar parte da força que o país demonstrara na épica jornada das Diretas-Já. 

Barros no Hotel Novo Mundo em 2005: almoço comemorativo
dos 20 anos do lançamento da revista Fatos: o melhor fracasso das nossas vidas.
Foto: Jussara Razzé  

E foi essa possibilidade de mudança no Brasil que Cony usou como argumento para levar a Adolpho Bloch a sugestão de fechar a Fatos & Fotos e lançar a Fatos, uma revista semanal de informação, análise, cultura, economia, política, reportagens investigativas e um time de colunistas, redatores e repórteres de referência. Em uma segunda reunião, fizemos um projeto detalhado para a Fatos. Barros criou o visual da nova revista. Foi feito um número zero, que Adolpho aprovou apesar da resistência de outros diretores. A primeira edição foi lançada em março de 1985. O que não sabíamos era que aquela resistência logo se transformaria em forte campanha interna liderada por pelo menos um jornalista que havia sido informante da ditadura e que mobilizou outros editores da Bloch em uma espécie de brigada contra a Fatos. Após um ano e quatro meses, a "jihad" formada pelo dedo-duro se transformou em sanção financeira. A empresa passou a atrasar sistematicamente o pagamento dos colaboradores, a maioria freelance. As reclamações da equipe, justas e insuportáveis, levaram Cony a virar literalmente a última página da Fatos, um projeto pelo qual lutamos até onde foi possível. Mais uma vez tivemos uma conversa a três e concluímos que não havia mais condição de tentar por em pé uma revista proscrita na própria editora. E, assim, as luzes da redação foram apagadas e eu e o Barros fomos incorporados à Manchete. Cony manobrou junto à direção da Bloch e parte da equipe foi acomodada em outras publicações da casa. 

Ficou o gosto amargo das noites insones de fechamento, do esforço perdido. A realização só viria cerca de 20 anos depois. A Bloch não existia mais em 2005 quando um grupo remanescente da antiga equipe da Fatos organizou um almoço no Hotel Novo Mundo para marcar os 20 anos do lançamento daquela revista, se viva ainda fosse. Foi durante esse encontro que nasceu a ideia de uma coletânea com as memórias dos bastidores das redações da Bloch. Depois de três anos de trabalho, com base em um projeto gráfico idealizado por J.A.Barros, foi lançado o livro "Aconteceu na Manchete - as histórias que ninguém contou" (Desiderata). Cony chamou a coletânea de "nossa pequena vingança" - e escreveu isso na página de rosto de um exemplar que autografou para mim. A história da Fatos e da "jihad" contra a revista estava lá, exposta e revelada. Naquele dia 3 de novembro de 2008, há 15 anos, com a Livraria da Travessa, no Leblon, lotada de amigos, a frustração foi curada. 

No capítulo que escreveu para a coletânea - "Quarenta e seis anos paginando os fatos e as fotos" - Barros contou sua longa e brilhante trajetória no jornalismo. Em meio às recordações, ele comentou o processo de informatização da Bloch Editores na segunda metade dos anos 1980. Designer formado no lápis, Barros assimilou com rapidez e naturalidade as novas tecnologias. Os analistas de computação mais jovens costumavam duvidar da capacidade das gerações mais rodadas dominarem hard e software. Ele desmoralizou o preconceito. Em poucas semanas tornou-se amigo de infância do Macintosh. Esse era o Barros. Vá bem, irmão.                                          

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Roberto Muggiati revela o traço irônico e bem-humorado de J.A.Barros (1931- 2023) nos bastidores da redação da Manchete e recorda o dia em que ele preparou uma "armadilha" para um crítico de cinema presunçoso


J.A.Barros transformou em figuras muita gente da velha Bloch. Mas, infelizmente, suas frágeis  esculturas eram arte efêmera. Nem o próprio artista guardou suas caricaturas em 3D. A técnica era simples. 
Ele fazia o desenho colorido sobre papel branco que, em seguida, recortava e colava sobre uma pequena placa de isopor. 

Aí aparava cuidadosamente o conjunto, obedecendo ao contorno marcado pelo desenho e adicionava uma espécie de minipedestal. 

Bela figura que se vai. O amigo Barros faleceu hoje, aos 92 anos.





Os exemplares reproduzidos acima são raríssimos e pertencem aos meus arquivos. Barros presenteava aos seus caricaturados e fui um deles. Os desenhos eram feitos nas horas que afinal importam: as vagas.   

Leia também "O teste Guilaroff de Cinefilia" sobre o dia em que o Barros surpreendeu um famoso crítico de cinema. 

Amantes do cinema se reconhecem pelo apego ao detalhe. No caso, aqueles créditos de produção que, nos anos 40 e 50 rolavam sempre no começo da “fita”. Dos atores principais ao diretor, passando por cenário, fotografia, música, orquestrações, figurinos e ... cabelos. De tanto ir ao cinema, ficávamos – os mais curiosos – com aqueles nomes gravados na memória. Foi assim que nosso diagramador João Américo Barros me surpreendeu uma tarde na redação ao perguntar a um crítico da Manchete, à queima roupa, se ele conhecia Sydney Guilaroff. O crítico não era um crítico qualquer, mas um daqueles Moniz Vianna’s boys que galopavam com os cavalarianos de John Wayne no Monument Valley e davam relutantes duas ou três estrelas aos filmes em cartaz no famoso quadro de cotações do Correio da Manhã. Sem nenhum pudor ou culpa o crítico respondeu: “Sidinêi quem?” Vibrei com o Barros, Sydney Guilaroff foi um nome que, desde que o vi na tela pela primeira vez, eu carregaria na cabeça para o resto da vida, mesmo sem conhecer ainda sua incrível história. E saquei na hora também que o Barros tinha criado o teste definitivo de cinefilia. Se o cara ignorava Sydney Guilaroff, não merecia ser considerado cinéfilo, mesmo assinando todas as críticas do mundo. 

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segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Geraldo Matheus Torloni (1930-2023) : a Arte como destino

 

Geraldo Matheus Torloni.
Foto/Reprodução Instagram

Em uma mensagem sobre o falecimento do seu pai na tarde de sexta-feira, 29, a atriz Christiane Torloni escreveu no Instagram: 

- Despeço-me do meu amado pai, Geraldo Matheus, grata pela linda jornada que trilhamos juntos. Grata pela Arte, Ética e Amor com que ele me abençoou. E como diz Oscar Wilde: 'O mistério do Amor é maior do que o mistério da Morte'”. 


Geraldo Maheus Torloni tinha 93 anos e, de fato, dedicou sua vida à arte. Foi autor, ator, diretor, produtor e administrador teatral. 

Pode-se dizer que foi um roteiro casual e não escrito que o levou à Manchete. Em meados dos anos 1970, Adolpho Bloch foi nomeado diretor da Fundação de Teatros do Estado do Rio de Janeiro. Assumiu o cargo disposto a não fazer figuração. Ao fim da administração, entre outras realizações, havia reformado o Theatro Municipal, instalado uma moderna Central Técnica de Produções Teatrais em apoio aos espetáculos e construído o Teatro Villa-Lobos. No campo artístico, montou uma programação  intensa, Foram 23 óperas e balés clássicos. Um destaque histórico foi a encenação da Traviata, sob direção do cineasta italiano e Franco Zefirelli. 

Geraldo Matheus assumiu esse desafio ao lado do Bloch que, no seu livro biográfico O Pilão, fez um registro à competência e dedicação do amigo.  Ao fim do seu mandato à frente da Funterj,  Adolpho o convidou para dirigir o teatro da Manchete instalado na sede da empresa, na Rua do Russell. Em pouco tempo, Geraldo também assumiu funções administrativas na Bloch e idealizou mudanças para agilizar o fluxo de trabalho nos vários setores da editora. É dessa fase que muitos colegas guardarão lembranças da convivência com ele. Era conciliador, educado e objetivo na execução das mais diversas missões exigidas por duas dezenas de revistas. Quando a Bloch instalou a Rede Manchete, Geraldo Matheus foi chmado a colaborar, mais uma vez, em um projeto desafiador.  Entre outras ações, coordenou  uma linha de shows onde somou sua experiência artística e talento de administrador à teledramaturgia da nova rede.  A partir do começo dos anos 1990, o Grupo Bloch entrou em crise, os problemas se agravaram e um turbilhão financeiro abateu a Rede Manchete, que foi vendida em 1999. No ano seguinte, em agosto, a Bloch Editores pediu falência. E aí começou a longa e dramática luta dos ex-empregados para receber seus direitos.  Nessa hora difícil, Geraldo Matheus não se omitiu, ao contrário, uniu-se à Comissão do Ex-Empregados da Bloch Editores e participou até recentemente das reivindicações trabalhistas junto à Massa Falida da Bloch Editores.            

Geraldo Matheus formou-se na primeira turma da Escola de Arte Dramática de São Paulo. Ele deixa a mulher, a atriz Monah Delacy, dois filhos, Christiane Torloni e Márcio Torloni, um neto, Leonardo Carvalho, e um bisneto, Lucca Carvalho. Nossos pêsames à família.  

Para os antigos colegas da Bloch, permanecem a admiração, as lembranças da convivência e a saudade do amigo.

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Fotomemória da redação: o fotojornalista Nilton Ricardo divulga a primeira foto profissional de Xuxa e a primeira capa de revista que ela fez

Xuxa, aos 15 anos, fotografada por Nilton Ricardo.
Para ela, posar era ainda um aprendizado. 
 

Aos 16 anos, fez sua prmeira capa, também com foto de Nilton Ricardo.
É visível sua rápida evolução como modelo. 
   

por José Esmeraldo Gonçalves
A Globoplay lançou recentemente no streaming a série "Xuxa, O Documentário". Como tudo que envolve o trabalho e a vida da Rainha dos Baixinhos, o doc biográfico repercutiu na mídia, bateu recorde de público na Globoplay e motivou o fotojornalista Nilton Ricardo a resgatar uma foto do primeiro ensaio profissional da modelo e apresentadora, aos 15 anos. A rara imagem foi publicada há algumas semanas na página do fotógrafo no Facebook, seguiu-se uma matéria no canal Splash, do portal UOL

Segundo Nilton Ricardo, a estréia da Xuxa em ensaio fotográfico profissional foi para um book destinado a mostrar às principais agências de publicidade o potencial da futura modelo. 

"Depois" - ele conta - "fiz a primeira capa da Xuxa, aos 16 anos, para a Carinho". Lançada no final da década de 1970, essa revista destinava-se ao público adolescente e fez grande sucesso até os anos 1990, obtendo números expressivos de circulação. 

Nilton comandou durante muitos anos o estúdio de fotografia da Bloch onde realizou centenas de ensaios. Na opinião dos principais editores da casa, ele dominava linguagem apropriada ao estilo de cada revista. Assim, tornou-se recordista de capas: foram cerca de 800 em Manchete, Fatos&Fotos, Amiga, Carinho, Mulher de Hoje, Desfile, Tendência, entre outras. Muitas delas protagonizadas por Xuxa Meneghel. Com longa trajetória na extinta Bloch, Nilton conta que não se limitou ao estúdio e se especializou em reportagens de ação: pulou de paraquedas, voou em jatos da FAB e escalou o Pico da Neblina, entre outras matérias do tipo experiências reais.

Por mais de 20 anos, Nilton Ricardo assumiu uma tarefa gigantesca: reunir depoimentos de centenas de fotógrafos que atuaram nos meios de comunicação do Brasil de 1950 a 2000. O objetivo foi traçar um painel do fotojornalismo. "Eu quis recuperar as histórias e a História segundo quem as viu passar diante e atrás das câmeras", define ele, que cumpriu a missão. O livro está pronto e Nilton agora enfrenta um desafio igualmente árduo: encontrar uma editora que torne o livro uma realidade ou um patrocinador que viabilize o projeto e ajude a levar às novas gerações a evolução do fotojornalismo segundo seus protagonistas.

Leia a matéria publicada no Splash AQUI


segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Mídia: reflexões sobre uma foto

  

Em 1963, Jango, em viagem presidencial ao Chile
e ainda em Santiago, recebe a edição da Manchete com parte da cobertura da visita.
Foto de Nicolau Drei  

por José Esmeraldo Gonçalves 

Há alguns dias, Roberto Muggiati, ex-diretor da Manchete, escreveu aqui sobre a tradicional agilidade da revista ao reabrir edições para acrescentar acontecimentos importantes, de última hora. As coleções mostram outro exemplo desse compromisso extremo com a notícia. Em 1963, Jango visitou o Chile. Foi uma das inúmeras viagens do então presidente em seu curto mandato. Foi a países da Europa, aos Estados Unidos, onde foi recebido por John Kennedy e desfilou em carro aberto na Quinta Avenida e, ainda como vice-presidente, foi à China, então país fechado e muito raramente visitado por nações ocidentais ou da América do Sul, como nós do Sul Global, como se corrige agora. 

Já engajado na campanha golpista que resultou na ditadura a partir de 1964, O Globo mantinha fogo cerrado contra Jango. Manchete cobria bem as viagens do presidente brasileiro, com farta ilustraçãpo, embora a revista também abrigasse conspiradores na sua diretoria, como foi revelado em 1981 no livro "1964, a conquisa do Estado", de René Dreyfuss, com nomes e funções dos envolvidos no organograma da preparação do ataque fatal à democracia. 

Na foto, Jango, ainda em Santiago, entrega um exemplar da Manchete ao presidente Jorge Alessandri, que ficou surpreso ao receber impressa em prazo recorde a cobertura de parte da visita presidencial. "No es posible, no es posible", disse o anfitrião, enquanto Jango brincava: "Eles querem concorrer com a televisão"

Em uma das páginas da edição aparece a primeira-dama  Maria Teresa Goulart, que também era frequentemente atacada pelo Globo. Alessandri, aliás, disputaria nova eleição em 1970, quando perderia para Salvador Allende que, há 50 anos, foi assassinado por militares chilenos comandados por Pinochet e com apoio da ditadura brasileira e dos Estados Unidos. 

O encontro do sorridente Jango com o chileno aconteceu há 60 anos. Manchete não mais existe, mas há coincidências históricas aí. O Grupo Globo em todas as suas plataformas está agora em forte e previsível campanha contra Lula. Editorialistas, comentaristas, colunistas parecem seguir ordens da cúpula e ampliam um jogral deturpado de "interpretações" sobre cada passo do governo. Tal qual os idos de 1963. Maria Teresa era alvo, assim como Janja é vítima, hoje. O que ela fala, veste, o que compra, tudo é ironizado pelo Globo. 

O mais espantoso: o jornalão dos Marinho publicou recentemente um editorial pedindo "paz". Paz para os golpistas, bem-entendido. O Globo diz que o país tem que se reconciliar com a turba que depredou o Congresso, o STF e o Planalto. O elemento terrorista que tentou explodir uma bomba em um caminhão de combustível perto do aerooprto? Relevemos, sugere o editoriatista. O grupo que tentou e felizmente não consegui lançar um ônibus em cima de carros que conduziam pessoas que voltavam do trabalho? Esquece. Foi o calor do momento. Não sabemos  ou sabemos das intenções do Globo. De golpe o jornal sabe tudo. A julgar pelo que escreve e fala, o Grupo não pretende se conciliar ou pelo menos ser jornalisticamente honesto com um governo que apenas uma semana depois de tomar posse foi vítima de uma tentativa de golpe. Vê-se em alguns bolsões que a tentativa foi apenas pausada. O Globo, assim como Estadão, Folha, Farialimer, neopentecostalismo, cacs, viúvas da Lava Jato, narcogarimpo, o agro pop e Roberto Jefferson etc procuram um candidato do "centro" para 2026. Ainda não encontraram e essa pretensão tem uma condicionante histórica: se não tem tu vai tu mesmo. "Tu mesmo" sendo o replay de 2018 com um "Paulo Guedes" garantidor, como os colunistas do Globo afirmaram na época, que vai preservar os privilégios econômicos seja quem for o tal meliante escolhido para representar o "centro" Quer apostar?            

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Em 1974, Jackie O foi intimada a devolver jóias que havia recebido de presente durante o mandato de John Kennedy. Michelle B se inspirou na ex-primeira-dama norte-americana?

 

Reprodução Manchete. Clique na imagem para ampliar.

por O.V. Pochê 

Por falar em Jackie Onassis, não haveria muito em comum entre a sofisticação jet-setter da ex-primeira-dama da Casa Branca e a controvertida figura com carimbo da Ceilândia autodenominada Mijóias.  Agora há: o gosto por se apoderar de jóias caríssimas presenteadas por visitantes oficiais, pertencentes por lei aos respectivos patrimônios nacionais e não às pessoas físicas em questão. 

Em 1974, ainda no âmbito das investigações do Caso Watergate, a justiça constatou a falta de colares com esmeraldas, rubis e diamantes, cintos de platina, casacos de pele etc no acervo da Casa Branca. Foi comprovado que Jackie embolsara o tesouro. No mesmo ano, ela foi obrigada a devolver todas as peças, conforme a Manchete registrou. 

Antes de Jackie O, Pat Nixon também afanou preciosidades do acervo da Casa Branca. 

Aviso aos navegantes: não vale a defesa do esquema Mijóias do clã usar esses precedentes como justificativa para a mão leve que subtraiu as preciosidades que vieram da Arábia Saudita. Registre-se que as peguetes oficiais de Nixon e Kennedy devolveram os tesouros e não tentaram repassá-los em obscuras negociações no mercado paralelo de receptação internacional e não vestiram placas de "vendo ouro" para negociar o que não lhes pertencia.     

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Memórias da redação: Há 50 anos, “Salvador Allende, presente!” • Por Roberto Muggiati

 



Era terça-feira, 11 de setembro de 1973, e a Manchete estava fechada quando soubemos do golpe no Chile. A magnitude do fato exigia um registro imediato. Com grande parte da revista já impressa, optamos por um encarte de oito páginas. A relativa proximidade geográfica permitiu-nos obter material fotográfico dos trágicos acontecimentos que culminaram com o suicídio de Salvador Allende e o massacre de seus apoiadores, acuados no Palácio de la Moneda e bombardeados pela artilharia, tanques do exército e aviação, comandados pelo general Augusto Pinochet. Massacradas também foram as forças da resistência civil, formadas por bravos, mas mal equipados grupos estudantis e operários. Revivi agora aquele momento histórico vendo pela primeira vez o filme de Helvio Soto Chove em Santiago (1975), que descreve as últimas horas do governo Allende.

Mesmo sendo uma semanal ilustrada de assuntos gerais, com forte ênfase no mundo do entretenimento, a Manchete sempre manteve um compromisso com a cobertura da atualidade. Não foram poucos, nas décadas seguintes, os acontecimentos que exigiram a reabertura da revista às terças-feiras. Lembro o assassinato do Rei Faisal da Arábia Saudita por seu sobrinho em 25 de março de 1975. 


Em 1974, quando o presidente norte-americano Richard Nixon renunciou na onda do Escândalo de Watergate, na sexta-feira, 9 de agosto de 1974, fizemos uma edição extra em preto-e-branco que chegou às bancas em menos de 24 horas.


O assassinato de John Lennon em 8 de dezembro de 1980 – nas primeiras horas da terça-feira 9 de dezembro, horário de Brasília – nos levou à produção de um encarte na edição de quarta-feira e a atualização com uma chamada enorme ocupando quase metade da capa de gala de Pelé, já praticamente impressa.


Na segunda-feira, 30 de março de 1981, o presidente Ronald Reagan sofreu um atentado a bala em Washington. Tivemos de esperar a chegada das fotos pelo malote de Nova York para paginar a matéria de abertura e a capa na manhã de terça-feira. Três coisas a destacar:

• Semanas depois, em 13 de maio, na Praça de São Pedro, no dia de Nossa Senhora de Fátima, o Papa João Paulo II sofria um atentado.

• O atentado contra Reagan foi cercado de conotações cinéfilas, ele próprio tendo sido um galã de Hollywood. A cerimônia de premiação do Oscar, marcada para aquela noite, foi cancelada. O agressor, um adolescente perturbado, atirou contra o Presidente para chamar a atenção da atriz Jodie Foster, que despertou nele uma paixão obsessiva ao vê-la no filme Taxi Driver, cujo tema era justamente um atentado político.

•  O autor das melhores fotos do atentado contra Reagan foi o brasileiro Sebastião Salgado, da agência Magnum, que vinha na cola do presidente para registrar seus primeiros 100 dias de governo. Salgado, com o dinheiro da venda das fotos, conseguiu se dedicar ao seu projeto de documentação da natureza e da ocupação humana voltado para a preservação do planeta.


Numa terça-feira especial de março de 1985, Carlos Heitor Cony, com sua vocação de portador de más notícias, me ligou de Brasília no meio da noite: “Muggiati, como editor da Manchete você precisa saber: o Tancredo não toma posse amanhã. ” Dito e feito. A cobertura da doença do primeiro presidente civil pós-ditadura se estenderia por mais de cinco semanas de trabalho desgastante para os jornalistas, principalmente os da imprensa diária. Com Gervásio Baptista como fotógrafo oficial da presidência – escolha de Tancredo confirmada por Sarney – tivemos a primeira foto exclusiva do presidente após sua hospitalização: com dona Risoleta e o corpo médico em Brasília. Foi capa, com a chamada triunfalista TANCREDO: A VOLTA POR CIMA. Às seis da manhã da terça-feira toca meu telefone de cabeceira. O chefe de reportagem, Cesarion Praxedes, esbaforido, me avisava que Tancredo acabara de ser transferido para o InCor, em São Paulo. Com as fotos da remoção do Presidente atualizamos a matéria de abertura. A foto da capa ficou ainda mais atual, com uma nova chamada: TANCREDO: O DRAMA DO PRESIDENTE. Seria a última foto de Tancredo Neves vivo.

Outra terça-feira 11 de setembro ocuparia os noticiários, a de 2001, com a explosão das Torres Gêmeas em Nova York. Ficamos fora dessa, os jornalistas da Manchete. As Torres Gêmeas do Russell já haviam caído, em 1º de agosto de 2000. Significativamente, uma terça-feira...

PS • O 11 de Setembro do Bem 

Foto da sessão de gravaçã de Love me do, em 11 de setembro de 1962 na capa da partitura.

Aconteceu no ano de 1962 em Londres, nos estúdios de Abbey Road, quando os Beatles gravaram o seu primeiro single: Love Me Do/P.S. I Love You. Foi uma tarde tumultuada. 

O produtor da EMI, George Martin, considerava Ringo Starr um baterista de bailes e preferiu se garantir com um escolado baterista de estúdio, Andy White. Mas, pressionado por John, Paul e George, Martin resolveu dar uma chance a Ringo. Usou alternadamente os dois bateristas para escolher a melhor take. Só a 17ª tentativa, com Ringo à bateria, agradou seus exigentes padrões. Àquela altura John já estava com os lábios anestesiados de tanto soprar o riff na gaita-de-boca. Finalmente, depois de tanta luta, os rapazes de Liverpool conseguiam gravar seu primeiro disco. Coincidência histórica: 11 de setembro de 1962 também caiu numa terça-feira.



sábado, 8 de julho de 2023

O Trio do Rock, 53 anos depois • Por Roberto Muggiati

 

O Trio do Rock em 2023. No dia em que deram depoimentos para o
documentário Janis - Amores de Carnaval, Roberto Muggiati e João Luiz Albuquerque reencenaram foto "clássica" com Ricky Ferreira 

no lugar de Renato Sérgio (foto original, acima, o trio no Free Jazz de 1986)

Foi através de João Luiz Albuquerque conheci Ricky Ferreira, quando ele publicou na Manchete as fotos que fez de Janis Joplin no Rio logo depois do Carnaval de 1970. 

Janis Joplin, Praia da Macumba, 1970. Foto de Ricky Ferreira

Janis na Presidente Vargas, desfile das escolas de samba, 1970

Janis na coletiva pós-Carnaval na pérgola do Copacabana Palace:
de pé à sua esquerda, Ricky Ferreira; sentado, o americano David Niehaus,
que se tornaria seu namorado no Brasil

A revista deu as fotos como um insight exclusivo na ocasião da morte da cantora, em 4 de outubro de 1970. Ciceroneando Janis pelo Rio, Rick fotografou a roqueira transgressora topless na Praia da Macumba, encorajada por alguns goles de um veneno chamado Fogo Paulista. Vivíamos os Anos de Chumbo, período de total proibição da liberdade de expressão, que levou os opositores da ditadura à clandestinidade, iniciada com os espetaculares sequestros de embaixadores no Rio de Janeiro: o americano em setembro de 1969; o alemão, em junho de 1970; e o suíço, em dezembro de 1971. (Houve ainda o sequestro do cônsul japonês em São Paulo, em março de 1970.)

A maioria dos intelectuais não pegou em armas, mas agiu nas redações e universidades municiada das palavras, no movimento da contracultura, que tinha no rock uma das suas principais armas. Eu havia lançado meu primeiro livro em dezembro de 1968, uma semana antes do AI5, Mao e a China, o último livro que o capitão Lamarca leu antes de ser fuzilado no sertão baiano em setembro de 1971, morrendo com ele o breve espasmo de resistência armada contra o regime militar. 

Sem poder abordar temas políticos, comecei a escrever sobre o rock. Publiquei na Manchete o obituário de Jimi Hendrix. Carlos Heitor Cony não me conhecia, mas gostou tanto do texto que me levou para a chefia de redação da EleEla, da qual era o editor. Sobrava tempo na redação da mensal “masculina” – sem mulheres nuas, mas de biquínis largos, como exigia a censura militar. Cony aproveitou para escrever aquele que considerava seu melhor romance, Pilatos. 


Publiquei lá uma matéria sobre “sexo, drogas e roquenrol”. Ampliei o texto num tom mais ensaístico na revista Planeta, saiu em 1973 com a chamada de capa ROCK: O GRITO E O MITO. Daí para o livro foi um passo: meu colega de redação Mário Pontes dividia com Rose Marie Muraro a programação editorial da Vozes, que lançou, ainda naquele ano, Rock: o grito e o mito/A música pop como forma de comunicação e contracultura. Teria quatro edições, a 3ª e a 4ª atualizadas em 1981, após a morte de John Lennon. 

Depois da publicação das fotos da Janis na Manchete, João Luiz e Ricky passaram a frequentar meu apartamento, onde projetávamos slides recém-chegados dos festivais de rock pelo mundo e ouvíamos os últimos LPs (um must era o letárgico In a Gadda da Vida do Iron Butterfly, 17 minutos, ocupando todo um lado do vinil, 

https://www.youtube.com/results?search_query=IRON+BUTTERFLY+-+IN+A+GADDA+DA+VIDA+-+1968+(ORIGINAL+FULL+VERSION)+CD+SOUND+%26+3D+VIDEO+-+YouTubeçam AQUI

Entrei o ano de 1972 em Nova York, numa visita a Ricky e Tânia, que moravam no Village, na Christopher Street, onde ficava o pub Stonewall Inn, local da primeira confrontação entre gays e policiais, em 1969, que se tornou um ícone da cultura LGBTQ+. O tempo e nossos novos casamentos nos separaram. A Manchete acabou, meus encontros com João Luiz rarearam e também com Ricky, que partiu para Araras e se enfurnou na Serra até hoje. 

Foi Janis Joplin quem nos reuniu 53 aos depois da formação do trio. (Janis que teria hoje 80 anos, já imaginaram?) A produção do longa documental Janis: Amores de Carnaval, dirigido por Ana Isabel, programou com esses “três cavaleiros do Após-calipso” – ou quixotescos “da triste figura” – uma jornada de entrevistas na tarde morta da sexta-feira, 30 de junho, último dia da metade do ano, no Salão Assírio do Theatro Municipal, não podia haver décor mais surreal. Piadistas visuais, João Luiz e eu reencenamos uma foto feita durante o Free Jazz de 1986, com Ricky ocupando o lugar do saudoso Renato Sérgio. E vamos em frente, remando contra corrente...



domingo, 25 de junho de 2023

Ipanema, 1960: os reis do pedaço antes da bossa nova

 



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A bossa nova nasceu em Copacabana e cresceu em Ipanema. Antes do bairro se associar a Vinícius de Moraes, Tom Jobim, João Gilberto, Carlos Lyra, Roberto Menescals, Garota de Ipanema é Ronaldo Boscoli, entre outros, aquela faixa entre o Atlântico e a Lagoa Rodrigo de Freitas era dominada por escritores e políticos. Em 1960, Manchete registrou as personalidades famosas de Ipanema. Fotos de Gil Pinheiro e reportagem de Gasperino Damata.

quarta-feira, 21 de junho de 2023

Todas as faces da atriz, jornalista, escritora e militante política Vera Gertel (1937-2023)

  
Vera Gertel na redação da Desfile. Foto Acervo Vera Gertel

Com o elenco da peça "Eram Todos Nossos Filhos".
Reprodução Revista Manchete

No espetáculo "Arena Conta Zumbi". 
Reprodução Revista Manchete

Com Jardel Filho na peça "O Sr. Puntilla e seu Criado Matti".
Reprodução Revista Manchete


A atriz, jornalista e escritora Vera Gertel viveu entre os anos 1950 e 2000 duas fases distintas na Manchete

Na primeira foi assunto jornalístico motivado pela sua atuação em teatro e cinema. A revista registrou seus momentos marcantes nos palcos e sets. Vera atuou em peças como "Eram Todos Meus Filhos", de Arthur Miller, em 1965, dirigida por Aurtimar Rocha; no mesmo ano, participou de "Arena Conta Zumbi", de Gianfrancewsco Guarnieri e Augusto Boal, ao lado de Nilton Gonçalves, Dina Sfat, Francisco Milani e Isabel Ribeiro; em 1968, foi a vez de "O Sr, Puntilla e Seu Criado Matti, de Bertold Brecht, quando contracenou com Jardel Filho. Ela atuou também na primeira montagem de "Eles Não Usam Black-tie", de Gianfrancesco Guarnieri, em 1958.  

Na segunda e longa etapa na Bloch, firmou-se como uma das mais brilhantes jornalistas da editora. Em plena ditadura, quando a censura e os militares hostilizavam a cultura e o teatro sofria um cerco financeiro e ideológico, Vera Gertel viu no jornalismo uma opção de sobrevivência. 

Talvez, naquele momento, começo dos anos 1970, não imaginasse que permaneceria na Bloch até o fim da editora, em 2000. Na Desfile, Manchete e como editora do suplemento Manchete Saúde, ela mostrou sua versatilidade. Tanto entrevistou personalidades como Darcy Ribeiro, Ruth Cardoso, Dina Sfat e Dias Gomes como cobriu desfiles de moda em Paris. Nos anos 1990, editou um elogiado e inovador suplemento que, em torno do tema saúde, abordava bem-estar, arte, celebridades e literatura. Na revista Desfile, ela deixou sua marca ao provar que uma publicação voltada para o público feminino podia ser um instrumento para valorização da mulher, discutir suas causas e  combater chavões, bordões e lugares-comuns daquele segmento jornalístico.

Outro importante capítulo da sua vida foi a militância política e artística que a levou a ser presa durante a ditadura. Sua trajetória de atriz e a inseparável luta política estão contadas na autobriografia "Um Gosto Amargo de Bala" (Record). 

Vetra Gertel faleceu na última segunda-feira, no Rio de Janeiro. Faria 86 anos em outubro. Ela deixa um filho, o roteirista Vinicius Vianna, do seu casamento com Oduvaldo Vianna Filho, e o marido e jornalista Jânio de Freitas.   

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Gim no café da manhã com Vinicius de Moraes (*) - Vida de repórter também tem desses privilégios, mesmo quando foca - Por Walterson Sardenberg Sº

Bráulio, Vinicius, Helô e Berg (Foto de Orípides Ribeiro)


No começo de 1979 eu era um repórter iniciante da sucursal paulista da revista Manchete e, como costuma ocorrer com os novatos, só me davam carne de segunda. O filé — ainda não se falava em bife ancho no Brasil — ficava para os experientes. Por isso, levei um susto quando Júlio Bartolo, o chefe de reportagem, me incumbiu de entrevistar ninguém menos que Vinicius de Moraes. Tremi. Era o primeiro entrevistado de peso da minha brevíssima trajetória.

Logo descobri que a entrevista estava marcada para um dia e horário ingratos: sábado pela manhã. Eis um dos motivos para a matéria ter caído nas mãos de um foca. Fiquei imaginando como estaria o humor do Poetinha, homem de notórias aptidões noturnas, em indigesta missão matutina.

Cheio de dedos, o Júlio Bartolo me instruiu que a reportagem não seria um perfil de Vinicius. Muito menos um papo solto sobre suas peripécias como poeta e compositor. Nada disso.

A matéria tinha uma pauta bem definida: seria um encontro do poeta com sua musa, Helô Pinheiro. Exatamente: aquela que inspirou Tom Jobim a compor a melodia e Vinicius de Moraes a escrever a letra de “Garota de Ipanema”, no ano de 1962. Eis aí uma segunda razão para a incumbência ter parado nas mãos de um neófito.

Quando a canção foi feita, Helô era apenas uma bela garota morena de olhos verdes, com 17 anos, que ia ao Bar Veloso, na esquina das ruas Prudente de Moraes e Montenegro, em Ipanema, comprar cigarros para a mãe. Na época, nem chegou a papear com a dupla de boêmios e compositores. Não teve, portanto, a importância de outras musas, como Beatriz para Dante, Marília para Tomás Antônio Gonzaga, Matilde Urritia para Pablo Neruda ou Carlos Alberto Brilhante Ustra para Jair Messias Bolsonaro.

Ainda assim, em virtude da canção, Helô Pinheiro acabou conhecida em todo o país e tornou-se amiga de Vinicius e Tom — que com a primeira mulher, Tereza Hermanny, seriam, mais tarde, padrinhos de casamento da musa. Isso ocorreu quando Sérgio Alberto, jornalista da Manchete, descobriu que ela era a doce, linda e bronzeada inspiração para “Garota de Ipanema”. Daí em diante, reportagens e mais reportagens foram escritas — e fotografadas — sobre o assunto. Sobretudo, na própria Manchete. Só o repórter Tarlis Batista deve ter feito umas quinze.

Em geral, essas matérias eram publicadas, com mais justificativas, quando a “Garota de Ipanema” fazia aniversário. Não a musa, veja bem — mas a canção. Assim foi em 1972, quando “Garota de Ipanema” fez dez anos, e em 1977, quando completou quinze. Mas naquele ano de 1979 não havia efeméride para celebrar. Por que então a encomenda?

Não foi difícil descobrir. Àquela altura, Helô Pinheiro estava morando com o marido, Fernando, em São Paulo, onde criava os filhos — chegariam a quatro, no total. Ainda assim, mantinha amigos das antigas na redação na Manchete, incluindo não só o Tarlis Batista mas, sobretudo, o mandachuva Justino Martins. A eles pedira uma forcinha para divulgar sua carreira artística.

Sim, porque em sua recente temporada paulistana, Helô decidira que ser musa não bastava. Estava atacando de atriz, fazendo uma ponta na telenovela Cara a Cara, da Bandeirantes. Queria divulgar seus esforços cênicos. Por isso, também recorrera a um outro velho amigo: Vinicius, a quem chamava de Vininha.

Fazer novela na Bandeirantes era mais do que um esforço cênico. Era um esforço de sobrevivência. Lembro-me que, dois anos depois, fui entrevistar Benedito Ruy Barbosa, autor da telenovela Os Imigrantes em seu sobrado, no bairro da Vila Mariana. Uma curiosidade: ele escrevia na copa, “para sentir o cheirinho do café e do bolinho de chuva sendo feitos”. Na ocasião, Benedito, chateadíssimo, se queixara, em off (ou seja, fora da entrevista), da falta de apoio financeiro da emissora à logística da empreitada.

João Saad, dono da Bandeirantes, gostava de bois, de vacas, de plantação, de fazenda. Ao casar-se com a filha do governador Adhemar de Barros, no entanto, recebera do sogro o encargo de comandar rádio e televisão. Desse conflito de ideais, desse confronto entre os anseios urbanos e rurais, nascera uma particularidade da Bandeirantes, muito antes de adotar o econômico nome Band: ao planejar uma atração, os Saad caprichavam na escolha do elenco, dos cenários, do figurino — mas só no começo.

De início, investiam com qualidade o dindim dos patrocinadores. À medida que os meses se passavam, contudo, os Saad, mais preocupados com a colheita ou a pecuária no latifúndio da família no Vale do Paraíba, deixavam a produção do programa à míngua. Por serem longas, as telenovelas, sobretudo, sofriam com essa carência de recursos. Cara a Cara, por exemplo, se estendeu de 16 de abril a 30 de dezembro de 1979.

Escrita por Vicente Sesso, a novela tinha uma trama rocambolesca e detalhes que, aos olhos de hoje, parecem surrealistas. Fernanda Montenegro, ela mesma, fazia o papel da milionária Ingrid, que vinha ao Brasil para tentar localizar seu filho, nascido em um campo de concentração nazista, na Alemanha. O rapaz era vivido por David Cardoso. Exatamente. O responsável pelo casting achou muito natural Fernanda Montenegro bancar a mãe de David Cardoso, o Rei da Pornochanchada.

Por essas e por outras, a Bandeirantes acabou abandonando — de vez — as novelas, embora tivesse os melhores estúdios do país para o métier. Àquela altura, no entanto, ainda havia muita esperança nessa investida. Não sem razões, portanto, Helô andava entusiasmada e esperou uma vinda de Vinicius de Moraes, quer dizer, Vininha a São Paulo para promover o encontro.

Sábado pela manhã, como ficara combinado, um Chevette azul marinho da reportagem da Manchete passou na minha casa. Era dirigido pelo querido amigo Orípides Ribeiro, mais tarde promovido de motorista a fotógrafo. Já estava então refestelado a bordo o fotógrafo Bráulio Iório, um tipo boa-praça e curioso, então sessentão, que merece algumas linhas.

Bráulio era a cara do Zé Trindade, com bigodinho e tudo. À maneira dos personagens do comediante baiano, vivia se metendo em enrascadas, uma vez que trabalhava em São Paulo e morava na Praia Grande, na Baixada Santista, distante 90 quilômetros — e isso, no mínimo, provocava atrasos constantes no expediente. Não bastasse essa extravagância, Bráulio, saudosista, ainda era adepto das câmeras “caixotinho” Rolleiflex, em detrimento das máquinas de 35 milímetros, mais ágeis e modernas. As Rollei exigiam mudanças de filme mais constantes, uma vez que cada rolo permitia apenas 12 chapas, contra as 36 exposições das câmeras 35 milímetros. A principal excentricidade de Bráulio, seja como for, era manter um cigarro no canto da boca, como o ator Humphrey Bogart. Só que apagado.

Ele conseguira parar de fumar. Mas não se livrara do hábito de portar o cigarrinho à boca. Sempre o trazia amassado, carcomido, no bolso da camisa. No meio de uma conversa, sem muitas vezes sequer se dar conta, passava o cigarrinho para o canto dos lábios e continuava papeando.

Se, nesse momento, alguém cometesse a gentileza de estender um isqueiro, Bráulio cortava o oferecimento com uma fala sucinta, que cairia bem na boca do baixinho invocado Zé Trindade:

— Obrigado, eu não fumo.

Por usar uma câmera de 12 chapas, o folclórico Bráulio também costumava recorrer a uma velha gíria dos jornalistas de sua geração. Quando o entrevistado, para sua contrariedade, insistia em posar para uma foto que não lhe era do agrado, ele avisava ao repórter, no código cifrado dos portadores de Rolleiflex:

— Vou fazer a chapa 13.

Ato contínuo, disparava o flash Frata — mas sem apertar o obturador.

Foi com Orípides e Bráulio que cheguei ao condomínio Ilhas do Sul, no Alto de Pinheiros, onde Helô Pinheiro morava. Tínhamos a recomendação de apanhá-la e levá-la conosco, não muito longe, à casa de Zequinha Marques da Costa, amigo de Vinicius, onde o Poetinha estava hospedado. No entanto, o porteiro nos avisou que Helô requisitava a alguém subir para ajudá-la “com a bagagem”. Como assim? Que bagagem seria aquela?

Subi. Helô já estava à porta do apartamento, à espera. Deslumbrante e simpática. Tinha agora os cabelos pintados de louro, dispostos em um penteado semelhante ao da atriz americana Farrah Fawcett-Majors, sucesso naqueles idos. Aos 34 anos, a ex-Garota de Ipanema não era mais a garotinha que comprava cigarros para a mãe no botequim a uma quadra da praia, mas uma mulher feita, com um corpo esbelto e atraente — que, não sei a que custo, entrara em uma roupa amarela inteiriça e justíssima, confeccionada em algum tecido elástico e tecnológico.

O traje era chamado à época de léotard, mas, pelo visto, não contentara de todo à musa. Numa mesinha da sala, ela separara não só uma compreensível frasqueira, mas também portentosas valises e sacolas com outras roupas, chapéus, sapatos de salto alto, botas. Pensei comigo: caso todo o figurino fosse utilizado naquele sábado, não haveria sequer tempo para a entrevista. Talvez para algumas chapas 13.

A bagagem foi acomodada no porta-malas do Chevette azul marinho pelas mãos hábeis de Orípides, enquanto Bráulio se esmerava em salamaleques com a ex-Garota de Ipanema. Logo chegamos à casa onde Vinicius estava hospedado.

— Deixem que eu chamo — incumbiu-se, ansiosa, Helô na campainha.

Quem atendeu foi uma senhora alinhada, que, soubemos pouco depois, era uma espécie de governanta da casa. Ela levou Helô para um canto, de forma a conversar em particular. Da calçada, pudemos notar o desencanto da nossa estrela.

Resumindo: Vinicius pedia reiteradas desculpas a Helô e aos jornalistas, mas, adoentado, não teria condições de nos atender. Clamava que adiássemos a reportagem.

Vinicius, aos 65 anos, padecia então de um gravíssimo diabetes, que o mataria um ano mais tarde. Era inevitável, porém, a troca de olhares entre eu, Orípides e Bráulio, insinuando que o adiamento da reportagem era resultado direto, digamos, de uma destruidora ressaca.

De qualquer maneira, Helô não se conformou com a negativa. Pediu que a governanta insistisse com Vinicius. Educadíssima, a tal senhora disse que tentaria novamente, mas, uns dez minutos depois, retornou, confirmando que Vinicius sentia muito, pedia desculpas, mas não tinha mesmo condições de dar a entrevista.

Resoluta, Helô tomou para si a missão.

— A senhora me dê licença, mas preciso falar com o Vininha.

E entrou casa adentro. Acendi um cigarro, enquanto Bráulio acomodava o dele — apagado — no canto do bigodinho. Daria tempo de fumar um segundo, tamanha a demora.

Até que Helô, sorriso pleno, voltou — triunfal. Vininha, enfim, topara nos receber.

Helô, no entanto, fez a ressalva:

— Vamos ter que ser rápidos, porque ele não está mesmo muito bem.

Entramos na sala ampla, tomamos o bom café oferecido pela governanta e esperamos Vinicius se aprontar.

O Poetinha era chegado a longuíssimos banhos de banheira. Para aproveitar melhor os momentos de imersão, costumava levar ao banheiro papel, caneta, telefone, uísque e copo — não necessariamente nessa ordem. Sabedor dessa preferência, seu amigo Zequinha Marques da Costa, industrial, proprietário das Tintas Cil, mandara instalar uma jacuzzi capaz de ser outorgada, graças às dimensões, pelo comitê olímpico de natação.

Quem desceu primeiro a escadaria foi Gilda Mattoso, a nona e derradeira mulher de Vinicius. Apresentou-se e confirmou:

— Olha, já já ele vai descer.

De fato, pouco depois o Poetinha entrou na sala. Trajava uma camisa marrom de seda, aberta no peito, onde balançava uma guia branca de candomblé, ainda um legado dos tempos em que morara em Itapuã, em Salvador, sob a égide da ex-mulher Gessy Gesse, que não dava um “bom dia” sem consultar os orixás.

Se não estava de cara amarrada, tampouco emulava simpatia. Tinha a pele macilenta, o rosto pesado de uma noite mal dormida. A barba por fazer em nada ajudava nessa aparência.

— Vocês me perdoem a demora. Mas ando adoentado — disse o poeta, tomando o cafezinho que a governanta lhe oferecera.

Liguei o gravador e comecei dizendo que “Garota de Ipanema” era a segunda canção mais gravada no mundo. Perdia apenas para “Yesterday”, de Lennon e McCartney — na verdade, só de McCartney.

Vinicius animou-se:

— Pois é, esta canção é uma galinha dos ovos de ouro. Projetou todo mundo.

Falou mais um pouco sobre o sucesso internacional de “Garota de Ipanema”, agora já com interrupções de Helô. Mas o papo não engrenava. Um tanto pelo meu nervosismo de iniciante — reconheço. Mas sobretudo pela dispersão do entrevistado.

Sem maiores razões, Vinicius começou a falar sobre a fama — para ele injusta — de que não gostava de São Paulo. A pecha começou com uma frase infeliz, proferida havia mais de uma década. Ele teria dito que “São Paulo é o túmulo do samba”, ao ver Johnny Alf ser recebido com desprezo na casa noturna Cave, na rua Augusta.

— Gosto de São Paulo desde que a conheci, ainda na década de 30. Era muito bonitinha — suspirou, sempre adepto dos diminutivos carinhosos. — Fazia muito frio, mas era muito bonitinha.

À essa altura, a governanta voltou à sala, preocupada com o fato de que Vinicius ainda estava em jejum. Em seguida, veio Gilda. Queriam saber o que ele gostaria de comer. Tratavam-no quase como criança — e Vinicius parecia gostar disso.

— Ainda tem aqueles canapés de ontem a noite? — perguntou.

Era pão preto cortadinho, coberto com fatias de copa, rosbife ou presunto de Parma — não me lembro mais. Tinha também uma pasta de mostarda.

— Dá para trazer também aquela garrafa de gim e um pouco de água tônica, em separado? — completou o pedido, com um tom de voz persuasivo e quase infantil.

Voltando-se para nós, retomou:

— Vocês também bebem um gim tônicazinho, não?

Helô quis um suco. Bráulio preferiu água gelada. Eu e Orípides aceitamos o gim. Ajudaria a descontrair o ambiente. Além disso, que jornalista em sã consciência rejeitaria dividir um trago com Vinicius de Moraes?

A surpresa era o gim. Sempre imaginei Vinicius como um adepto incondicional do uísque. Em uma entrevista, chegou a bradar que se tratava do “melhor amigo do homem, o cão engarrafado”. Não bastasse, em “Mais um Adeus”, parceria com o paulistano Toquinho, recomendava a uma das inúmeras amadas: “Olha, benzinho, cuidado/ com seu resfriado/ Não pegue sereno, não tome gelado/ o gim é um veneno/ Cuidado, benzinho, não beba demais”.

Contrariando a letra da canção, iria de gim — embora talvez insulina fosse mais recomendável a um diabético em alto grau. Pouco depois, uma bandeja foi depositada com denodo numa mesinha da sala. Trazia os canapés, o balde de gelo, uma jarra d’água, água tônica, copos altos e a tão aguardada garrafa de gim. Evidentemente, não era o “gim das selvas” — como a minha roda costumava tratar o gim nacional, então perfumado em demasia e de pífia qualidade. Mas um gim Gordon’s, de benquista procedência britânica.

Vinicius preferiu o copo dele com muito gim e pouca tônica. Copiei-lhe o gesto e retomei a entrevista. Puxei a conversa lembrando-lhe o dia em que conheceu Tom no bar Vilariño, no centro do Rio de Janeiro, apresentado por um amigo comum, o jornalista Lúcio Rangel.

Agora mais animado com o gim restaurador, o poeta começou a lembrar de amigos e histórias do Vilariño. Fez um nostálgico passeio pelas mesas boêmias do Rio de Janeiro das décadas de 40 e 50. À medida que renovávamos o gim e o gelo nos copos altos, ele foi se soltando.

Helô, por sua vez, mostrou-se frustrada com os rumos que a conversa tomava. Pudera. Não era personagem do Vilariño ou do centro do Rio, fincados a extensa distância das areias de Ipanema — não só na geografia, como também no tempo.

Achei que a bela loura me fuzilou com os faiscantes olhos verdes. A meu ver, culpava-me por não tomar as rédeas da conversa e encaminhá-la para o bar Veloso, na esquina da Montenegro com a Prudente de Moraes, onde “Garota de Ipanema” foi gerada. Não a musa. Mas a canção.

Decerto, já nem pensava em trazer do porta-malas do Chevette azul os sortidos figurinos que escolhera com capricho. Queria apenas voltar ao assunto que, afinal, nos trouxera até ali — e eliminara a folga do sábado de todos.

Devia estar irada com a incompetência do jovem repórter que, não bastasse, acompanhava Vininha no gim com admirável constância.

De minha parte, embora a ansiedade de voltar ao tema da canção me impelisse a tentar retomá-lo — em nome ao menos do cumprimento da pauta jornalística —, havia, pulsando firme, outro sentimento: o deslumbre de ouvir Vinicius, enfim, se soltando.

Já em tom de pura camaradagem, ele oferecia mais gim, e completava o meu copo e o dele. Orípides também não se acanhou. E foi já sem qualquer resquício infantil na voz, que Vinicius pediu:

— Dá para trazer aquela outra garrafa de gim?

Curiosamente, não requisitou um refil dos canapés. Tampouco da tônica. Só do gelo. E continuou a conversa lembrando histórias do Vilariño, bar em que frequentava uma mesa grande, composta, entre outros, por Emiliano Di Cavalcanti, Dorival Caymmi, Dolores Duran, Otto Lara Resende, Ary Barroso, Aracy de Almeida, Antônio Maria, Cândido Portinari, Fernando Sabino, Lúcio Rangel, José Medeiros e Fernando Lobo — que escreveu as memórias do botequim em À Mesa do Vilariño, publicado pela Editora Record, em 1991.

Por farra, cada frequentador escrevia ou desenhava na parede. Inclusive visitantes, como Pablo Neruda. Até que o dono se cansou daquela “sujeira” e, em nome da assepsia, mandou passar três demãos de tinta sobre poemas de Vinicius, frases de Dolores Duran (escritas com batom) e desenhos de Di Cavalcanti e Portinari.

Do Vilariño, Vinicius pegou um avião imaginário e bandeou-se para as memórias de Los Angeles, onde morou, e Nova York, para onde voou nas asas da Panair — e agora do gim Gordon’s. Lembrou-se até das tardes na piscina da casa de Carmen Miranda, em Hollywood.

E nada de “Garota de Ipanema”.

Foi quando Gilda Mattoso voltou à sala. Parecia preocupada com o copioso consumo daquela bebida incolor, preparada a partir de um fruto chamado zimbro, originário da Toscana e adotada com veneração pelos britânicos — incluindo a Rainha-Mãe, que morreu aos 101 anos, ainda ardorosa fã de um esquenta-peito.

Gilda esticou os olhos para mensurar a quantas andava a segunda garrafa. O tom escuro e poroso do vasilhame, é bem verdade, não facilitava a medição. Talvez em virtude do constrangimento da inspeção, Vinicius passou a tecer loas à Gilda e nos contou que fizera uma canção em homenagem a ela.

Quem visse o começo daquela travada entrevista, não poderia imaginar que, agora bem soltinho, o poeta resolvesse até cantar.

E cantou:

— Nos abismos do infinito uma estrela apareceu/ E da terra ouviu-se um grito/ “Gilda! Gilda!” / Era eu maravilhado, ante a sua aparição/ Que aos poucos fui levado nos véus do bailado pela imensidão/ Aos caprichos do seu rastro como um pobre astro/ Morto de paixão.

De fato, ele sabia tratar as mulheres. Não só Gilda. Mas também Helô, a quem, a partir daí, passou a elogiar, embevecido. Só então a reportagem ganhou o que os jornalistas de hoje chamariam de “foco”. O Poetinha, enfim — para alívio e alegria de Helô —, passou a falar de “Garota de Ipanema” e suas circunstâncias, mais uma vez negando que a canção tenha sido elaborada no Bar Veloso.

— Fiz a letra em Petrópolis. A melodia o Tom já tinha feito. Foi no inverno de 62. Eu me sentei e a letra saiu de uma vez só.

Depois de enaltecer a beleza de Helô e de Ipanema no começo dos anos 60, Vinicius revelou que estava escrevendo um livro de crônicas, relatando o surgimento da Bossa Nova.

— Se você não descreve, a coisa desaparece. Como aconteceu com tantos sambistas. Só recentemente surgiram sujeitos estudiosos, sérios, tentando preservar nossa memória musical, como o Sérgio Cabral, por exemplo. Ou mesmo o Tinhorão, que é um idiota, um imbecil como crítico, mas um historiador importante, não se pode negar. Além desse livro de crônicas, estou terminando dois de poesia: Roteiro Lírico e Sentimental da Cidade do Rio de Janeiro, Onde Nasceu, Vive em Trânsito e Morre de Amores o Poeta Vinicius de Moraes, iniciado há 25 anos, e o Deve e Haver, iniciado depois de 1960. Os dois estão presos pelo cordão umbilical, só falta cortar. Estão praticamente prontos. O problema é que não tenho tido tempo de dar aquela revisada geral, aquela parafusada que eu gosto de dar. Esses livros seriam, digamos assim, uma limpeza geral da casa.

Enfim, eu tinha a reportagem. Faltavam as fotos. Foi quando Bráulio Iório, até então impaciente, interveio. Disse que não poderia fotografar Vinicius com aquela barba por fazer. Não era o padrão Manchete. Não ficaria bem. Bráulio era bom fotógrafo — e experiente. Mas já tomara altas duras do chefe do departamento, Mituo Shiguihara. Como na ocasião em que foi incumbido de clicar o time do São Paulo posado para um pôster da revista Manchete Esportiva. Sim, a clássica foto dos jogadores da defesa em pé, com os braços cruzados, e os do ataque ajoelhados, um deles com a mão na bola.

Era uma partida no estádio do Morumbi contra o Botafogo de Ribeirão Preto, que traja o mesmo uniforme do clube da capital. Bráulio não entendia bulhufas de futebol. Inadvertidamente, em vez da equipe do São Paulo, fotografou o time posado do Botafogo que, naquele dia, usava a camisa branca com a listra preta e a vermelha na horizontal, idêntica ao uniforme principal do Tricolor do Morumbi.

Escaldado, Bráulio insistiu que Vinicius fizesse a barba. Era imperioso. Barba por fazer ainda não era moda — mas desleixo. A governanta, dona de rápido expediente, resolveu o impasse. Trouxe duas pequenas bacias metálicas, uma toalha quente e fez, ela mesma, a barba do Poetinha. Ali na sala.

A reportagem saiu na semana seguinte ou na posterior. Três páginas da Manchete.

Trazia uma única foto de Bráulio e sua Rolleiflex: o poeta empunhando o violão e abraçado pela musa. As outras três imagens eram de moças de biquíni, bem ao estilo da revista: Helô na praia, ainda adolescente; Márcia Rodrigues, que viveu a Garota de Ipanema no filme homônimo, de Leon Hirzman (em 1967); e a curvilínea Rose de Primo, com sua tanga.

Até hoje, não sei se Vinicius de Moraes enrolou a mim e a Helô Pinheiro ao longo de horas de propósito, antes de “focar” (tá bom, cabe o verbo) em “Garota de Ipanema”. Talvez estivesse, de início, bronqueado com a insistência da musa em um pleno sábado de manhã. Ou quem sabe tenha notado a falta de traquejo do repórter iniciante; e resolvido, de farra, sacaneá-lo.

Ou vai ver era só mesmo uma destruidora ressaca, amenizada pelo Gordon’s, panaceia matutina.

Sei que Vinicius de Moraes morreu em 9 de julho de 1980, pouco mais de um ano depois. Estava na banheira quando se deu o desenlace.

Pouco depois de sua morte, o nome da rua Montenegro foi trocado. Virou rua Vinicius de Moraes. “Garota de Ipanema”, portanto, teve sua inspiração na esquina da rua Prudente de Moraes com a rua Vinicius de Moraes.

 Millôr Fernandes, que também frequentara o Bar Veloso, escreveu:

“Em Ipanema/ Numa das esquinas mais legais/ Foram se encontrar o Prudente/ E o imprudente de Moraes”.

(*) Matéria enviada ao Panis por Nilton Muniz, ex-Manchete, um atento colaborador deste blog,  originalmente publicada em Berg Textos 

https://textosdoberg.wordpress.com/2020/09/16/gim-no-cafe-da-manha-com-vinicius-de-moraes/