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domingo, 24 de dezembro de 2017

Manchete no Russell, 1968-2000 • A HISTÓRIA DA TORRE DE PAPEL

Por Roberto Muggiati

No final de 1968, a Bloch tornou-se a primeira grande empresa editorial a ter sua sede na Zona Sul. O Jornal do Brasil se mudara de um prédio da belle époque na Avenida Rio Branco para o mastodonte do começo da Avenida Brasil. O império do Chatô, que tinha como carro-chefe a revista O Cruzeiro, ficava numa péssima vizinhança, na Rua do Livramento, quase na zona do cais do porto. O Globo se escondia na Rua Irineu Marinho, nas proximidades do antigo IML.


Em uma das mesas no hall da Manchete, em noite de gala que Ibrahim Sued apontou como a mais espetacular do ano,
os casais Denner e Maria Stella, Walinho Simonsen e Regina Rosemburgo (de vermelho),
então musa do society  carioca. Regina casou-se depois com o empresário Gérard Léclery.
Ela foi uma das vítimas do acidente do Boeing 707 da Varig, nas imediações do
Aeroporto de Paris/Orly, em 1973.
Clique nas imagens para ampliar. Reproduções Revista Manchete

Em 1965, ao voltar de Londres, comecei a trabalhar como repórter do Globo. Fui cobrir um congresso da Interpol no Hotel Glória, voltei, bati a matéria, deixei na mesa do chefe de reportagem Alves Pinheiro, peguei o paletó e me mandei. Achei o ambiente opressivo. Não posso dizer que a redação da Manchete em Frei Caneca fosse muito diferente. Para se chegar à redação era preciso caminhar meio quilômetro através de um galpão cheio de máquinas sucateadas e pegar um elevador de carga até o terceiro andar. Quase não havia janelas, o calor sufocava e os ventiladores de poste só ajudavam a circular o bafo quente. As salas da reportagem e da redação eram separadas por tapumes de madeira barata e vidro chapiscado. No entanto, ali fiquei, mesmo porque repórter vivia na rua. E havia uma promessa no ar. Em dezembro de 1965, Adolpho Bloch promoveu o que seria o maior evento do ano, no prédio do Russell parcialmente pronto: um jantar de gala com o anúncio da lista das Dez Mais Elegantes de Ibrahim Sued e o leilão para fins de caridade do modelo número um do carro Willys-Itamaraty.

Lembro que Zevi Ghivelder, chefe de redação da Manchete, tomou as dores da reportagem, que não foi convidada para a festa. Nem seria o caso, mas o bom Z’vi, para reparar o que considerava uma injustiça, ofereceu um almoço de sábado para os repórteres em seu apartamento na Hilário de Gouveia, em Copacabana. Lembro do jovem Roberto Barreira, recém-chegado de uma temporada na Sucursal de Milão, e já ligado em moda, ousando exibir meias cor de abóbora. Afinal, já eram os tempos das cores cítricas de Carnaby Street.

Antiga sede da Manchete, Rua do Russell. Foto de Gil Pinheiro

Em março de 1968, troquei Frei Caneca pela redação da Veja (seria lançada em setembro), na Marginal do Tietê. Em setembro de 1969 voltei para dirigir a Fatos&Fotos no prédio da Rua do Russell, 804. O terreno foi conquistado após anos de dinamitagem para cavar espaço no imenso rochedo. Com isso, o terreno adquiriu uma profundidade notável: depois do prédio, vinha o platô do terceiro andar, com o restaurante à beira da piscina dando para a fachada monumental do Teatro Adolpho Bloch. Na verdade, o público não entrava por ali: saía, nas noites de gala, pelos fundos do palco, para a piscina e a ceia luxuosa servida no restaurante.

A fachada do Niemeyer era um portento, o prédio todo tinha assoalhos de tábua corrida, banheiros de mármore de Carrara com torneiras de latão reluzente, móveis de jacarandá desenhados por Sérgio Rodrigues, as telas dos melhores pintores brasileiros nas paredes, tapetes persas no hall dos elevadores de cada andar. Um detalhe que me tocou: um dia chega um senhor de aparência simples, calça marrom e camisa branca, para pintar as palavras BLOCH EDITORES nas divisórias de vidro com tinta de ouro. Eu o via dias a fio, apoiando o pincel numa vareta, pintando com a mesma concentração com que Michelangelo pintara a Capela Sistina.

Apesar da beleza externa, o prédio, no seu interior, era todo problemas. Niemeyer era um poeta, um escultor, mas descurava do conforto e dos aspectos funcionais. O excesso de madeira concentrava brutalmente o calor. O sol nascia na entrada da baía de Guanabara apontando seu canhão para a Bloch. As belas janelas de vidro, que compunham a estética da fachada, só abriam poucos centímetros para dentro, impedindo a ventilação. Mesmo no inverno, a temperatura interna era dez graus a mais do que a da rua. Manter o ar ligado o tempo todo implicaria em custos astronômicos. Era nestas horas que surgia a figura heroica de R. Magalhães Jr. Irritado e suarento, o acadêmico tirava a camisa – exibindo seu torso nada apolíneo – colava uma lauda na testa e descia ao primeiro andar, onde Adolpho Bloch começava o dia despachando com o financeiro, descascando pepinos e abacaxis, empinando papagaios e maldizendo os banqueiros. Mas a fúria do Magalhães pegava o Adolpho de surpresa e imediatamente ele ordenava que o ar condicionado fosse ligado... só no andar da Manchete. Eu costumava comentar que o Oscar Niemeyer, comunista velho de guerra, era coerente: havia aplicado a teoria da luta de classes à sua arquitetura.

Nos almoços naquele platô do terceiro andar rolavam discussões homéricas, mesmo porque Homero Homem era um dos participantes, ele o poeta Ledo Ivo, também repórter especial da Manchete, e o Magalhães. Uma das controvérsias era se a mulher de Oswald de Andrade Patrícia Galvão, a Pagu, tinha mesmo trazido a soja da China para o Brasil. Outro tema de debate acalorado versava sobre quem teria desvirginado Carmen Miranda, no qual intervinha o Rodrigo Miranda, tradutor da Embaixada americana, que se dizia sobrinho da cantora, mas não esclarecia nada. Magalhães apontava para o terreno vizinho e dizia que o dono dele foi quem deflorou a Pequena Notável, o Maciel Filho, a quem também era atribuída a redação da carta-testamento de Getúlio Vargas. Advogado matreiro, que também trabalhou para Assis Chateaubriand nos anos 1930, Maciel tinha erguido ali um bizarro castelinho, imenso apesar do diminutivo. Maciel morreu em 1975 e Adolpho comprou o terreno. Demolido o castelo, ali seria construído o segundo prédio, o Russell, 766. Uma extensão da fachada do 804, mas alguns metros mais longo do que ele. Quando o novo prédio ficou pronto, em 1980, não foi imediatamente ocupado, lembro que Adolpho costumava promover lá um chá das cinco, com uma meia dúzia de gatos pingados – eu, o Cony, o Geraldo Matheus.

A ocupação do 766 teve efeitos irreversíveis. Morreu o restaurante do terceiro andar ao ar livre, vicejou o chique restaurante com ar condicionado no décimo segundo andar do novo prédio; morreu também o décimo andar do 804 como sala de visitas, as recepções agora eram no décimo segundo do 766. Esta era a nova entrada no térreo para as redações, com vários Krajcbergs nas paredes, mas nenhum com a monumentalidade do 804, que tinha um pé direito altíssimo. A televisão foi ao ar em 1983, construiu-se um banheiro exclusivo para o PH, filho do Presidente FH, que tinha um emprego na TV, como muito antes o irmão do Collor, o Leopoldo, também ganhara uma sinecura na TV em São Paulo.

O castelinho foi demolido para a construção do segundo prédio do conjunto
desenhado por Niemeyer para a Manchete. Um contínuo, o Sammy, convenceu a proprietária
a vender a casa vizinha ao castelo para Adolpho Bloch, onde foi erguido o terceiro prédio. A expansão parou aí. A terceira casa, obra do arquiteto italiano Antonio Virzi, com cúpulas, mastro e colunas retorcidas, ao lado do prédio de apartamentos, foi tombada pela prefeitura do Rio de Janeiro. Foto Acervo RM

A promiscuidade – ou vamos chamar de democracia – unia contínuos aos donos da empresa. O Sammy Davis Jr. prometeu ao Adolpho que ia conseguir para ele o terreno contíguo ao 766, cantando a senhorinha que era dona. Depois de anos, Adolpho comprou a casa e construiu ali, em 1986, a terceira fatia do bloco do Niemeyer. (Ignoro se o Sammy levou o dele.) Entre o primeiro e o segundo, havia um afastamento, uma fresta discreta. Já o terceiro era colado ao segundo e não tinha entrada autônoma. Foi ali que embarquei numa roubada: fazer para o programa da Anna Bentes, com a presença da própria, uma entrevista chapa branca com o grande especialista em fertilidade, Roger Abdelmassih, o médico paulista que foi condenado a trocentos anos de  prisão por abusar das pacientes. E foi no topo dessa terceira fatia que vivi meu ano e pouco de Santa Genoveva (matéria recente no Panis). Enfim, a história é esta, confiram as fotos – a do castelinho do Maciel acho que é inédita.

sexta-feira, 22 de abril de 2016

A trágica queda da ciclovia, no costão da Niemeyer, no Rio, pode ser tudo, menos acidente...







Fotos Fernando Frazão/Agência Brasil

Em tempo em que urubu voa de costas, não se pode comemorar nada. O Rio recebeu há apenas três meses a Ciclovia Tim Maia, que passa pelo costão do Niemeyer.

Uma obra bem-vinda não apenas por abrir um caminho para as bicicletas rumo a São Conrado e, em seguida, Barra, como por proporcionar aos passantes uma vista deslumbrante. Ontem, a cidade foi abalada por uma tragédia, no local, com vítimas fatais. Desabou um seção da pista, com duas mortes confirmadas. Nesse momento, os bombeiros buscam outras três supostas vítimas. A prefeitura do Rio contratará um perícia independente para analisar o acidente.

Infelizmente, convive-se no Brasil com frequentes desastres ou exemplos de obras precárias que falham logo após inauguradas. O arco que sustentava a cobertura do Engenhão entrou em ameaça de colapso e passa por obras de reforço. Uma das possibilidades teria sido um erro de projeto, segundo a prefeitura. A empresa responsável se defende na Justiça. Enquanto isso, o estádio que sediará os Jogos 2016 ficou interditado por cerca de dois anos. Em 2014, um viaduto desabou em Belo Horizonte. Haveria menos ferro do que o necessário. A barragem da Samarco, em Mariana (MG), desaba e provoca o maior acidente ecológico da história do Brasil. A lista seria grande: desabamentos, calçadão que afunda, ponte que a água leva na primeira enchente, estrada inaugurada e logo fechada para reforma, conjunto habitacional interditado antes do habite-se, elevatória instalada e que não funciona por erro de projeto etc.

Um experiente engenheiro apontou duas causas para esses desastres, que, segundo ele, podem ser tudo menos acidentes. Uma delas: a formação profissional negligenciada em muitas universidades. Em segundo lugar - ele dá um peso maior a esse ponto - o chamado desmonte do Estado. Se há setores que, de fato, o Estado deve deixar por conta da iniciativa privada, há outros em que sua ausência é catastrófica. O governo - dizia ele - já não dispõe mais de corpo técnico capaz de avaliar todos os detalhes de um projeto que encomenda. No caso das estradas, com a implosão do antigo DNER, que tinha distritos com pessoal capaz de projetar, construir e fiscalizar efetivamente grandes e pequenas obras, faz-se a licitação, empresas privadas elaboram projetos e executam a obra. Se o projeto é correto, se os materiais são adequados ou suficientes, tudo isso fica a depender do contratado, que, obviamente, tem como parâmetro principal do seu negócio o lucro. Caberia ao corpo técnico do contratante, equipado em quantidade e qualidade de material humano, vigiar rigorosamente todas as fases da obra. Mas, cadê? Isso vale para todos os níveis de governo, o federal, o estadual e o municipal. O poder público - desmontado desde que foram impostos os interesses privados que pregam o Estado mínimo e faturam às custas da falência dos braços técnico e de fiscalização -, só depois dos desastres vai descobrir que pagou gato por lebre.

Não vale pôr a culpa nas ondas que batem no costão. Até Estácio de Sá sabia disso, tanto que foi desembarcar bem longe dali, em uma praia tranquila e favorável entre o Pão de Açúcar e o Morro Cara de Cão.

Quer uma prova da incompetência?

Veja, na reprodução abaixo, os três arcos de pedra construídos exatamente no ponto onde desabou a seção da ciclovia. Sabe o que é aquilo? É a Gruta da Imprensa, inaugurada em 1916. Faria parte da sustentação de uma linha férrea que ligaria Botafogo a Angra dos Reis. Os trilhos jamais foram montados, mas os arcos estão lá até hoje. Firmes. Apesar das ondas.

Reprodução Globo News
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As ondas não levaram a Gruta da Imprensa, construída há 100 anos. O local ganhou esse nome porque os jornalistas esportivos que cobriam a corrida automobilística "Circuito da Gávea se posicionavam na mureta do viaduto. Foto:Reprodução

Atualização: em reforço às consequências do desmonte do Estado, assinale-se que os jornais de hoje informam que a própria empresa que projetou e construiu a ciclovia era responsável pela "fiscalização". Isso equivale a pedir ao dono da boca-de-fumo para reprimir a venda de droga no reduto dele.