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segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Memórias da redação: Há 50 anos, “Salvador Allende, presente!” • Por Roberto Muggiati

 



Era terça-feira, 11 de setembro de 1973, e a Manchete estava fechada quando soubemos do golpe no Chile. A magnitude do fato exigia um registro imediato. Com grande parte da revista já impressa, optamos por um encarte de oito páginas. A relativa proximidade geográfica permitiu-nos obter material fotográfico dos trágicos acontecimentos que culminaram com o suicídio de Salvador Allende e o massacre de seus apoiadores, acuados no Palácio de la Moneda e bombardeados pela artilharia, tanques do exército e aviação, comandados pelo general Augusto Pinochet. Massacradas também foram as forças da resistência civil, formadas por bravos, mas mal equipados grupos estudantis e operários. Revivi agora aquele momento histórico vendo pela primeira vez o filme de Helvio Soto Chove em Santiago (1975), que descreve as últimas horas do governo Allende.

Mesmo sendo uma semanal ilustrada de assuntos gerais, com forte ênfase no mundo do entretenimento, a Manchete sempre manteve um compromisso com a cobertura da atualidade. Não foram poucos, nas décadas seguintes, os acontecimentos que exigiram a reabertura da revista às terças-feiras. Lembro o assassinato do Rei Faisal da Arábia Saudita por seu sobrinho em 25 de março de 1975. 


Em 1974, quando o presidente norte-americano Richard Nixon renunciou na onda do Escândalo de Watergate, na sexta-feira, 9 de agosto de 1974, fizemos uma edição extra em preto-e-branco que chegou às bancas em menos de 24 horas.


O assassinato de John Lennon em 8 de dezembro de 1980 – nas primeiras horas da terça-feira 9 de dezembro, horário de Brasília – nos levou à produção de um encarte na edição de quarta-feira e a atualização com uma chamada enorme ocupando quase metade da capa de gala de Pelé, já praticamente impressa.


Na segunda-feira, 30 de março de 1981, o presidente Ronald Reagan sofreu um atentado a bala em Washington. Tivemos de esperar a chegada das fotos pelo malote de Nova York para paginar a matéria de abertura e a capa na manhã de terça-feira. Três coisas a destacar:

• Semanas depois, em 13 de maio, na Praça de São Pedro, no dia de Nossa Senhora de Fátima, o Papa João Paulo II sofria um atentado.

• O atentado contra Reagan foi cercado de conotações cinéfilas, ele próprio tendo sido um galã de Hollywood. A cerimônia de premiação do Oscar, marcada para aquela noite, foi cancelada. O agressor, um adolescente perturbado, atirou contra o Presidente para chamar a atenção da atriz Jodie Foster, que despertou nele uma paixão obsessiva ao vê-la no filme Taxi Driver, cujo tema era justamente um atentado político.

•  O autor das melhores fotos do atentado contra Reagan foi o brasileiro Sebastião Salgado, da agência Magnum, que vinha na cola do presidente para registrar seus primeiros 100 dias de governo. Salgado, com o dinheiro da venda das fotos, conseguiu se dedicar ao seu projeto de documentação da natureza e da ocupação humana voltado para a preservação do planeta.


Numa terça-feira especial de março de 1985, Carlos Heitor Cony, com sua vocação de portador de más notícias, me ligou de Brasília no meio da noite: “Muggiati, como editor da Manchete você precisa saber: o Tancredo não toma posse amanhã. ” Dito e feito. A cobertura da doença do primeiro presidente civil pós-ditadura se estenderia por mais de cinco semanas de trabalho desgastante para os jornalistas, principalmente os da imprensa diária. Com Gervásio Baptista como fotógrafo oficial da presidência – escolha de Tancredo confirmada por Sarney – tivemos a primeira foto exclusiva do presidente após sua hospitalização: com dona Risoleta e o corpo médico em Brasília. Foi capa, com a chamada triunfalista TANCREDO: A VOLTA POR CIMA. Às seis da manhã da terça-feira toca meu telefone de cabeceira. O chefe de reportagem, Cesarion Praxedes, esbaforido, me avisava que Tancredo acabara de ser transferido para o InCor, em São Paulo. Com as fotos da remoção do Presidente atualizamos a matéria de abertura. A foto da capa ficou ainda mais atual, com uma nova chamada: TANCREDO: O DRAMA DO PRESIDENTE. Seria a última foto de Tancredo Neves vivo.

Outra terça-feira 11 de setembro ocuparia os noticiários, a de 2001, com a explosão das Torres Gêmeas em Nova York. Ficamos fora dessa, os jornalistas da Manchete. As Torres Gêmeas do Russell já haviam caído, em 1º de agosto de 2000. Significativamente, uma terça-feira...

PS • O 11 de Setembro do Bem 

Foto da sessão de gravaçã de Love me do, em 11 de setembro de 1962 na capa da partitura.

Aconteceu no ano de 1962 em Londres, nos estúdios de Abbey Road, quando os Beatles gravaram o seu primeiro single: Love Me Do/P.S. I Love You. Foi uma tarde tumultuada. 

O produtor da EMI, George Martin, considerava Ringo Starr um baterista de bailes e preferiu se garantir com um escolado baterista de estúdio, Andy White. Mas, pressionado por John, Paul e George, Martin resolveu dar uma chance a Ringo. Usou alternadamente os dois bateristas para escolher a melhor take. Só a 17ª tentativa, com Ringo à bateria, agradou seus exigentes padrões. Àquela altura John já estava com os lábios anestesiados de tanto soprar o riff na gaita-de-boca. Finalmente, depois de tanta luta, os rapazes de Liverpool conseguiam gravar seu primeiro disco. Coincidência histórica: 11 de setembro de 1962 também caiu numa terça-feira.



sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Tancredo e as capas: aconteceu na Manchete



Por Roberto Muggiati

Esta história vai longe no tempo e tem muito parêntese, mas vale ser conhecida. 



Foto de Gervásio Baptista

Em 1954, com apenas dois anos de vida, a revista Manchete enfrentava seu batismo de fogo na guerra das bancas – e se saía muito bem, graças à qualidade gráfica e à importância que dava ao fotojornalismo. A capa da edição extra sobre a morte de Getúlio Vargas trazia uma foto em preto-e-branco de Gervásio Baptista e tinha como foco central o deputado Tancredo Neves tomado por uma crise convulsiva de choro, cobrindo o rosto com as mãos. Tancredo quase não conseguira se eleger em 1950 para seu primeiro mandato federal. Graças àquela foto, Tancredo singraria vitorioso nas urnas vida afora.. Por isso, seria eternamente grato a Gervásio. Quando foi eleito para Presidente da República em 1985, Tancredo imediatamente convidou Gervásio para ser o fotógrafo oficial da Presidência.

Nas horas que antecederam a cerimônia de posse do primeiro Presidente pós-ditadura militar, no período batizado de Nova República, os acontecimentos se precipitaram. Na segunda-feira, 13 de março, na Casa da Manchete em Brasília, Adolpho Bloch recebeu Tancredo e dona Risoleta para um grande jantar. Para a ocasião, o chef da Bloch, Severino Ananias Dias, deslocou-se até a Capital Federal com uma equipe de cozinheiros e garçons e a fabulosa coleção de panelas de cobre da cozinha do Russell. Na manhã seguinte, durante uma missa de Ação de Graças, fotógrafos e câmeras de TV flagraram o Presidente apalpando insistentemente o estômago. (Nenhuma relação de causa e efeito entre o banquete da Manchete e o mal-estar de Tancredo, embora inimigos da Bloch – e não eram poucos – tenham espalhado que a cuisine do Severino foi fatal para Tancredo.).

Às 22:15 de 14 de março, véspera da posse, o Presidente era internado às pressas no Hospital de Base do Distrito Federal para receber soro. Com o diagnóstico de apêndice supurado, os médicos disseram à família que Tancredo precisava ser operado com urgência. A família preferia que ele fosse removido para São Paulo, tinha até um jatinho à disposição. Mas os médicos de Brasília não cederam. O próprio Tancredo se meteu na discussão: “Deixem-me tomar posse e depois façam comigo o que quiserem.”

Na antessala do centro cirúrgico, uma plateia seleta de parlamentares-médicos e ministros de Estado nomeados aguardava. O pesquisador médico Luís Mir, autor do livro O Paciente - O Caso Tancredo Neves (2010) (*) , descreve: "A certa altura, houve a possibilidade de invasão da sala de cirurgia até por médicos do próprio Hospital de Base de Brasília. Era impossível impedir a entrada das pessoas. Entre médicos e não médicos, chegaram a circular, no Centro Cirúrgico e dentro da sala de cirurgia, cerca de 60 pessoas. Quando se iniciou a operação, havia dentro da sala 25 pessoas. Um show, ruinoso para os médicos e para o paciente". Ao abrirem o peritônio do (im)paciente, os cirurgiões não encontraram nenhum “apêndice supurado”, o órgão estava perfeito. Inventaram então um novo diagnóstico, de “diverticulite”, doença de que a maioria dos brasileiros nunca tinha ouvido falar. Soube-se depois que Tancredo tinha um leiomioma benigno, mas infectado. Os facultativos ocultaram a existência de um tumor, receando o impacto que a palavra “câncer” poderia provocar.

No dia seguinte, o vice José Sarney assumiu a Presidência. Sarney manteve Gervásio como fotógrafo oficial. O “Calvário” de Tancredo (a imprensa brasileira adora um clichê) durou 38 dias, mas quem carregou a cruz foram os jornalistas, principalmente aqueles dos jornais diários, numa época em que a mídia impressa ainda não fora totalmente esvaziada pela TV e pela internet. Os fechamentos dos matutinos varavam a madrugada, colocando os editores e redatores à beira de vários ataques de nervos, minando sua saúde física e emocional. Pior ainda: a primeira fase do tratamento de Tancredo foi muito mal conduzida. O Hospital de Base do Distrito Federal estava com a Unidade de Tratamento Intensivo demolida, em obras – o estado de saúde do Presidente se agravou e ele teve de ser transferido em 26 de março para o Hospital das Clínicas de São Paulo. No período em que ficou internado, Tancredo sofreu sete cirurgias, que não surtiram efeito. Em 21 de abril, o porta-voz oficial da presidência , Antônio Britto, anunciava oficialmente a morte de Tancredo Neves por infecção generalizada, aos 75 anos.

Foto de Gervásio Baptista

Foto de Gervásio Baptista

Foi justamente na transferência de Tancredo de Brasília para São Paulo que vivemos um momento crucial na cobertura da Manchete. No dia 25 de março, segunda-feira, recebemos para o fechamento da edição as primeiras fotos de Tancredo Neves desde que fora internado – seriam também as últimas fotos do Presidente em vida. Tancredo e dona Risoleta, cercados pela grande (só em tamanho) equipe médica do Hospital de Base, posaram para Gervásio Baptista, que nos mandou as fotos com exclusividade. Essa atitude foi criticada; como fotógrafo da Presidência, ele deveria disponibilizar as imagens para todos os veículos. Mas a fidelidade do bom baiano para com a Bloch reinava acima de tudo. Como editor da revista, escolhi uma foto mais fechada de Tancredo com Dona Risoleta para a capa, com a chamada TANCREDO/A VOLTA POR CIMA. Estávamos eufóricos por fazer chegar aos brasileiros, quarta-feira em todas as bancas, uma mensagem de esperança: o Presidente de bom aspecto, elegante em seu robe de seda, um foulard bem transado em volta do pescoço, e a Primeira Dama, com uma roupinha esperta, de aparência rejuvenescida, ambos sorridentes.

Uma foto diz mais do que mil palavras. Ledo e ivo engano, como diria o Cony. Às seis da manhã de terça-feira toca o telefone em minha mesinha de cabeceira. Era o chefe de reportagem, Cesarion Praxedes: “Muggiati, deu merda. O Tancredo passou mal e está sendo levado para São Paulo.” Cabeça fria, raciocinei na hora: “Cesarion, nós temos o principal que é a capa exclusiva. Liga agora mesmo pra Lucas [a gráfica da Bloch] e manda trocar a chamada de capa e o título da abertura para TANCREDO/O DRAMA DO PRESIDENTE e vamos à redação para atualizar o texto. Dito e feito.
Já a revista de informação da Bloch, a Fatos, daria na capa a chegada de Tancredo ao Hospital das Clínicas em São Paulo, aquela em que o cotovelo do padioleiro passou como sendo a cabeça do Presidente (vejam post de quarta-feira, 6 de dezembro). Aqui o grande parêntese da história. Embora sua glória maior fosse uma revista semanal ilustrada, a Manchete, a Bloch sempre ambicionou ter uma revista semanal de informação, nos moldes da Time americana. Não por acaso, a Bloch deteve os direitos para o Brasil dos textos da Time de 1973 até quase a derrocada da empresa, em 2000. Mas fazer uma revista de opinião na Bloch era uma tarefa problemática, levando em conta os comprometimentos políticos da empresa. Houve até uma primeira tentativa, nos anos 70. Como a semanal, também ilustrada, Fatos&Fotos, era o primo pobre da Manchete, Jaquito – prevalecendo-se da exclusividade dos textos da Time – incumbiu Carlos Heitor Cony, editor da F&F, da transformação pioneira. Cony, macaco velho, sabia muito bem a roubada em que ia se meter. Mas Jaquito, não tendo coisa melhor para fazer na época, resolveu insistir. Voluntariou-se até a trabalhar como chefe de reportagem do Cony e instalou-se, um estranho no ninho, na redação de F&F, vociferando um dos bordões clássicos da Bloch: “Não quero que lhe falte nada!...” Cony não teve outra opção senão entrar no jogo. Um belo dia, ordenou ao seu “chefe de reportagem”:

Jaquito, precisamos fazer urgente uma entrevista com o Paulo César Caju!
– Mas quem é Paulo César Caju? –  replicou Jaquito. E Cony, incontinenti:
– Se você, como chefe de reportagem, ignora quem é Paulo César Caju, então se considere demitido!
Jaquito, abatido, o rabo entre as pernas, foi saindo pelo corredor, quando teve um repente e voltou:
– Peraí, Cony! Você não pode demitir um dos donos da empresa. Quem está demitido é você!

Um episódio que, de todas as redações do mundo, só poderia acontecer na Bloch, à beira-mar plantada. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos – e tudo terminou, não em pizza, mas na macunaímica feijoada das sextas no restaurante do terceiro andar à beira da piscina. A revista tipo Time da Bloch foi sepultada definitivamente quando Cony, tendo acompanhado Adolpho Bloch ao aeroporto do Galeão – o velho ia fazer uma cirurgia do coração nos Estados Unidos – disse ter lido nos olhos do Adolpho que ele não queria aquele tipo de revista...

Corte rápido. Passaram-se dez anos e, surpreendentemente, agora é o Cony quem proclama a necessidade absoluta de se criar na Bloch uma revista semanal de texto. Pragmático, acima de tudo, o nosso Cony. Em janeiro de 1985, o Colégio Eleitoral elegeu Tancredo Neves para a Presidência da República, dando fim a 21 anos de ditadura militar, com cinco presidentes fardados. As relações de Tancredo com a Bloch sempre foram as melhores possíveis e Cony viu nisso a oportunidade de capitalizar circulação e prestígio para uma revista sintonizada com o peregrino da Nova República. Adolpho não vacilou: Tancredo seria para Fatos o que JK tinha sido para a Manchete. Um clima febril tomou conta da nova redação. Ney Bianchi, escolhido como chefe da sucursal da Fatos em Brasília, logo estabeleceu suas condições: uma casa na Península dos Ministros, com um mordomo juramentado; uma polpuda verba de representação para receber políticos e autoridades; dez ternos cortados pelo melhor alfaiate de Brasília; limusine com chofer e por aí vai.

O lance maior da Fatos só não contava com as rasteiras do destino e a vulnerabilidade da carne: a revista foi às bancas na sexta-feira, 17 de março, com a foto da posse do vice José Sarney na capa; mas, sem a estrela de Tancredo, não tinha gás para ir muito longe. Vale lembrar que na época existia uma profusão de semanais de informação no Brasil, mais até do que nos Estados Unidos ou na Europa. Havia a Veja, que depois de um começo incerto em 1968, graças à estratégia de assinaturas acabou se tornando uma potência (toda grande empresa usava Veja como uma ferramenta para seus executivos); havia a IstoÉ de Mino Carta, o editor-fundador da Veja; a Visão, do empresário Henry Maksoud, que tinha seu peso; e a Afinal, que durou de 1984 a 89. Na inflação desvairada do governo Sarney, Fatos foi se arrastando – hostilizada até dentro da própria Bloch como um estranho no ninho e uma fonte de prejuízo – até fechar em julho de 1986, um ano e quatro meses depois do seu lançamento.

Quanto ao Brasil e à sua Presidência, é outra história, tão tortuosa como a da Bloch: Washington Luiz deposto, Getúlio suicidado, Jânio renunciado, Jango deposto, Tancredo morto sem assumir, Collor impedido, Dilma impedida e Temer isso que todos estão vendo aí...

Só resta fechar com o humor mineiro do velho Tancredo Never: certa vez, numa roda de amigos no Senado, ele definiu seu epitáfio, que não chegou a ser gravado na lápide do cemitério ao lado da Igreja de São Francisco de Assis, em São João del-Rei:

“Aqui jaz, muito a contragosto, Tancredo de Almeida Neves!”

(*) O diretor Sérgio Rezende lançará no dia 14 de junho de 2018, o filme O Paciente, que focaliza os últimos dias de Tancredo. O ator Othon Bastos representará o político mineiro. 

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Lição grátis de jornalismo: cotovelos em capas sempre dão problema...

Reprodução Mashable

por José Esmeraldo Gonçalves 

A Time divulgou sua tradicional capa de "Pessoa 2017": é dedicada às mulheres que quebraram o silêncio e revelaram casos de assédios sexuais. Para representar a reação feminina aos abusos, a revista reuniu Ashley Judd, Taylor Swift, Susan Fowler, Adama Iwu e Isabel Pascual, cujo nome foi alterado para proteger sua identidade.

Mas o que está intrigando os leitores é o cotovelo aparentemente aleatório que aparece no canto direito da capa. A informação é do Mashable.

O editor do TIME, Edward Felsenthal, diz que o detalhe simboliza mulheres e homens que ainda estão calados e no anonimato diante das violências que sofreram.

Mas nas redes sociais também há quem especule que o cotovelo fantasma pode ter sido uma falha no corte da foto.

O DIA EM QUE A REVISTA FATOS CONFUNDIU 
O COTOVELO DE UM ENFERMEIRO COM 
A CABEÇA DE TANCREDO NEVES


O cotovelo da Time remete a um certo cotovelo na revista Fatos, em 1985. Como todas as redações do país, a Fatos estava mergulhada até o pescoço na exaustiva cobertura da agonia de Tancredo Neves, que durou mais de um mês.

A cada fechamento, a revista atualizava em texto e fotos a luta dos médicos para salvar o presidente eleito, mas semana após semana corria o risco de chegar às bancas 48 horas depois - tempo gasto em preparação e impressão - desatualizada e com Tancredo Neves já morto.

Em um desses complicados fechamentos, quase no minuto final, chegam de Brasília fotos que  mostrariam o presidente eleito, deitado em uma maca, a caminho da ambulância que o levaria em emergência ao aeroporto de onde seguiria para São Paulo. A foto da inesperada transferência do paciente era a mais atual e exclusiva, segundo Brasília. Apenas o fotógrafo da Fatos havia invadido o acesso à garagem do Hospital de Base e obtido um ângulo favorável. Claro, iria para a capa.

Já era quase meia-noite quando a redação inteira, já exausta, foi para a sala de projeção participar da escolha da melhor imagem da sequência da maca. Decepção total: nenhuma foto mostrava o rosto ou sequer a cabeça de Tancredo. A cena era muito confusa, médicos, enfermeiros e policiais cercavam o paciente. Mas a projeção de slides continuava, as fotos eram vistas e revistas. Em vão. A redação já estava quase desistindo de trocar a capa paginada antes quando uma voz não identificada, em plena escuridão da cabine de projeção, quebrou o silêncio e decretou:

- Olha a cabecinha dele ali, gente!
- Que cabecinha? - alguém duvidou.
- Ali - insistiu a voz -, no canto, a carequinha dele e um travesseiro!

Deu-se então um caso típico de alucinação coletiva, quase uma hipnose. A partir do momento em que a voz viu Tancredo, todos na cabine também tiveram a mesma visão. Era aquilo mesmo, lá estava a cabecinha de Tancredo. Como a foto era confusa, alguém sugeriu que a Arte fizesse um círculo vermelho em torno da tal carequinha para que os leitores identificassem mais rapidamente o que a redação levou mais de uma hora para perceber. E assim foi feito.

Fechamento concluído, todos foram para casa.

Um dia e meio depois, a revista impressa foi colocada na mesa do diretor. A capa estava perfeita, as chamadas idem. Só tinha um problema. O círculo vermelho não destacava nada que parecesse a cabecinha de Tancredo. Até porque não havia cabecinha coisa nenhuma. O que a capa mostrava claramente era o cotovelo de um dos enfermeiros, um cara tão parrudo que de fato a popular conexão do braco com o antebraço parecia mesmo um cabeção.

J.A. Barros, diretor de Arte da Fatos, colaborador deste blogé testemunha daquela noite fatídica. É justo dizer que ele foi um dos mais resistentes a acreditar que via a ilustre cabecinha do presidente eleito. Mas, como todos os demais zumbis que passaram mais de um hora naquela sala de projeção, ele também foi induzido a ver a luz: a foto exclusiva de Tancredo na maca.

A cabecinha de Tancredo que dez ou doze pessoas viram naquela noite mística no escurinho da cabine tinha sido apenas produto de uma ocasional alucinação coletiva. Mas rendeu capa!.

sábado, 14 de março de 2015

No site da revista Fotografe Melhor, vídeo com entrevista de Gervásio Baptista, 90 anos, o decano dos fotógrafos brasileiros que fez história na revista MANCHETE e continua trabalhando




GERVÁSIO BAPTISTA, UM DOS GRANDES FOTÓGRAFOS DA LENDÁRIA EQUIPE DA  MANCHETE, CONTA OS BASTIDORES DA ÚLTIMA E POLÊMICA FOTO DE TANCREDO NEVES, NO HOSPITAL, FEITA HÁ EXATOS 30 ANOS. 

Gervásio fotografou Tancredo Neves e os médicos do Hospital de Base, em Brasíila, no dia 25 de março de 1985. Tancredo tinha se submetido a duas cirurgias. Foto; Gervásio Baptista.

Em 1954, Gervásio fez outra foto histórica; Tancredo Neves chora a morte de Getúlio durante o enterro do ex-presidente em São Borja, Quando foi indicado pelo colégio eleitoral para a Presidência da República, em 1985, Tancredo o convidou, em visita à redação da revista Manchete, para ser seu fotógrafo oficial. Após a morte de Tancredo, José Sarney assumiu e manteve Gervásio com fotógrafo do Planalto. A foto acima foi reproduzida da revista Manchete.
(da revista Fotografe Melhor) 
O recém-criado canal de fotojornalismo no YouTube mostra histórias de dois monstros-sagrados da cobertura de política O programa Última Cortina, apresentado pelo repórter fotográfico Joedson Alves, tem como objetivo veicular vídeos feitos com depoimentos pontuais de grandes fotojornalistas que atuam na capital federal. Para a estreia, o convidado especial foi Gervásio Baptista que, do alto de seus 90 anos, é uma lenda viva do fotojornalismo de política.
Entre as tantas histórias que Baptista viveu, no vídeo ele fala sobre a polêmica última foto do ex-presidente Tancredo Neves vivo, da qual é o autor. Na época (1985), a veiculação da foto causou um certo alvoroço, pois surgiram teorias de que Tancredo estaria morto quando foi fotografado e que fora praticamente mumificado para posar diante da lente de Baptista, que trabalhava para a área de comunicação da presidência da república.
VEJA O VÍDEO DE GERVÁSIO BAPTISTA, CLIQUE AQUI


CONHEÇA O SITE DA REVISTA FOTOGRAFE MELHOR, CLIQUE AQUI

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A posse que não houve: "Um mistério na Redação", segundo Cony

Reproduzido da Folha de São Paulo
por José Esmeraldo Gonçalves
Em artigo na página 2 da Folha, ontem, Cony revela um desses curiosos episódios de redação. No caso, curioso e surpreendente. Aconteceu na revista Fatos, em março de 1985. Ao lado de J.A. Barros e de Roberto Muggiati, fui testemunha do "mistério". Quando o Brasil esperava a posse de Tancredo Neves - nós, inclusive, em pleno trabalho de edição de cerca de 40 páginas sobre a vida e a trajetória política do presidente, um caderno especial que deveria acompanhar a cobertura da posse - Cony nos chama em um canto da sala no oitavo andar do prédio do Russell e joga a bomba: "Vamos mudar toda a edição, Tancredo não toma posse". O petardo jornalístico, que, depois, abalaria o país, ainda era notícia guardada em silêncio mineiro pela família do político. Naquele momento, TVs, rádios, jornais e revistas já antecipavam a festa da posse. Era tão impensável a notícia que, por um momento, achamos que fosse uma brincadeira do Cony. Não era. Era a História acontecendo.
Clique na imagem acima para ampliar e leia a reprodução da coluna do Cony

sábado, 13 de março de 2010

ESPECIAL - Há 25 anos: Revista Fatos, um cometa jornalístico

Na Fatos Nº1, há 25 anos, reportagem sobre o escudo espacial americano que, com o fim da Guerra Fria, nunca saiu do papel.
Em 1985, matéria na Fatos N°1 sobre as primeiras ameaças, em larga escala, do crime organizado.

Esta é capa do número 70, a última edição da revista.


Na Fatos Nº1, Adolpho Bloch recebe Tancredo Neves na Casa da Mancnete, em Brasília. Foi uma das últimas fotos de Tancredo antes de se agravar a doença que o levaria à morte.




A instalação da Nova República, que não se revelou tão nova assim.



O Brasil esperava a posse de Tancredo e levou Sarney na Presidência. A Fatos Nº1, com a capa da posse, chegou às bancas no dia 17 de março de 1985.

por José Esmeraldo Gonçalves
Em fins de 1984, estávamos eu, Cony e o Barros (o diretor de arte João Américo Barros) conversando na redação. Comentávamos a precariedade de produção e edição da Fatos&Fotos e não víamos perspectivas para tirar a revista do atoleiro em que se encontrava. Entre uma e outra opinião divergente pelo menos em uma coisa estávamos afinados: não tínhamos mais saco para continuar fazendo a F&F tal como se encontrava. A direção da empresa parecia tão embevecida pela TV Manchete que nem cobrava do Cony e da equipe um desempenho melhor. Daquela conversa surgiu a idéia de se fazer um projeto de uma nova revista. Mudar era melhor do que ficar parado, inerte. O Cony se encarregaria de levar a idéia ao Adolpho Bloch. Na época, Tancredo Neves vencera no colégio eleitoral e virara presidente. Chegaria ao poder com uma penca de concessões aos militares, mas era, apesar da eleição indireta, o primeiro presidente civil. Era dezembro de 1984 e Tancredo tomaria posse em 15 de março de 1985. Adolpho cedeu ao argumento do Cony de que seria a hora própria para se fazer uma revista de informação, mais moderna, no gênero, por exemplo, da italiana Panorama. A ditadura chegava ao fim e com a posse do Tancredo – de quem o Cony era amigo e conselheiro - abria-se o espaço para a Bloch ter uma revista de análise e informação. (...) Fizemos um projeto, a idéia foi evoluindo. Adolpho se entusiasmou e mandou tocar a tarefa. Barros fez uma “boneca” que depois se transformou em uma peça publicitária a ser levada às agências. A receptividade foi boa. Começamos a montar a redação e marcamos a data para o lançamento em bancas: 17 de março, com a cobertura da posse de Tancredo Neves. O time foi formado. Cony como diretor, eu como editor-executivo, Barros diretor de arte, Marcos Santarrita editor internacional, Sergio Ryff da nacional, Daisy Prétola chefe de reportagem, Lenira Alcure editora de cultura e comportamento, repórteres como Maria Alice Mariano, Luis Carlos Sarmento, Marcelo França, Rosângela Vianna e Gabriel Nogueira; fotógrafos como Gervásio Baptista, Sergio Zalis, Henrique Viard e Sergio de Souza e por aí vai. A revista durou 1 ano e 4 meses. Teve bons momentos, mas faltou-lhe fôlego e resistência. Um bom time de colunistas – os jornalistas José Augusto Ribeiro, Tão Gomes Pinto, Artur da Távola, Gilberto Dimenstein, Antonio Carlos Miguel, Alfredo Grieco, Arnaldo Niskier, Zevi Ghivelder, Murilo Melo Filho, Maria Helena Dutra, Sandro Moreira e Alberto Tammer, o médico Jayme Landmann, o humorista Cláudio Paiva, entre outros -, garantia à revista uma diversidade de opiniões que arejava o “pensamento único” mais comum a boa parte da imprensa naqueles tempos. (...) Tancredo empossado e subindo a rampa seria a capa da edição de estréia. Estava tudo pronto. Um longo ensaio sobre a vida e trajetória do político mineiro, as circunstâncias da eleição, o ministério, uma análise do futuro governo a partir do jeito de agir e das características do novo presidente. Para fechar a edição só faltava o factual. Ou seja, a posse propriamente dita. Era o que pretendíamos escrever, mas não o que o destino rabiscava. O Cony entra na sala, me chama e ao Barros e diz, de cara: “Vamos ter que mudar a revista. Tancredo não toma posse”. Bem-informado – a notícia, gravíssima, ainda não vazara na imprensa --, Cony nos deixou atordoados. Ele não tinha dúvidas, estava seguro do que dizia. E os fatos confirmaram o “furo” do Cony. Nos dias seguintes, abriu-se a trágica seqüência que levaria à morte de Tancredo Neves. Na capa da Fatos Nº. 1, José de Ribamar Sarney anunciava o começo da sua era.
Cony escreve
Em 23 de abril de 2005, Cony publicou na Folha de São Paulo a crônica abaixo, sob o título "Tancredo" (texto em destaque):
“Os 20 anos da morte de Tancredo Neves reabriram os acontecimentos que impediram sua posse na Presidência da República. Sempre que acontecem casos de grande dramaticidade, surgem teorias conspiratórias. Na Itália, um jornal chegou a denunciar "la Mafia bianca", a máfia dos aventais brancos. Acompanhei os lances de sua eleição. No dia 12 de março, Mauro Salles telefonou-me avisando que ele queria jantar no dia seguinte com alguns amigos jornalistas, para ser exato, apenas quatro. Eu não poderia ir, porque estava preparando o primeiro número da revista "Fatos", cuja capa seria o novo presidente do Brasil. No dia 13, pela manhã, o jantar foi desmarcado. Com minha equipe deslocada em Brasília, fiquei no Rio para ultimar a edição. No dia 14, depois do almoço, recebi um telefonema de Brasília, de pessoa ligadíssima a Tancredo. Ela me avisou que Tancredo não iria tomar posse por estar doente. Pediu-me discrição. Como tinha de decidir sobre o editorial da revista, chamei o editor-chefe, José Esmeraldo Gonçalves, que hoje dirige uma revista do grupo Abril, e o diretor de arte, José Américo Barros, que atualmente faz free-lance para diversas publicações. Discretamente, começamos a buscar uma alternativa para a revista. Longe dos acontecimentos, mas informado pela pessoa próxima de Tancredo, iniciei um texto sobre a crise que logo iria estourar. Impossível prever a bagunça que se instalaria no Hospital de Base, mas, naquele primeiro momento, não podia desculpar o erro de Tancredo, que, apesar de se saber doente e dos avisos da única pessoa que sabia da verdade, recusava-se à operação, que era urgente, mas não houvera erro por parte dele. Sua preocupação não era mais ser presidente, mas garantir a tranqüilidade da sucessão. Temia que não dessem posse a Sarney. Na confusão que se seguiria, a redemocratização podia melar. Entre a vida e a missão, optou pelo sacrifício pessoal. Imolação que até hoje não foi compreendida." (por Carlos Heitor Cony para a Folha de São Paulo)
Fatos Nº 1
E foi-se a Fatos para as bancas com Sarney na Capa. A foto mostrava um Sarney que eu diria ainda perplexo. Dois passos atrás, como uma sombra, o general Leônidas Pires Gonçalves. A chamada de capa: Sarney na presidência: o primeiro teste da Nova República. No canto direito, uma "janela": Tancredo passa mal durante a missa, horas antes da posse. Para os militares, estava claro que melhor um Sarney na mão do que um Tancredo confabulando à mineira. Na página 7 a revista publicava uma charge do Cláudio Paiva. No desenho, um general medalhado, de quepe alto como um típico ditador sul-americano deixava cair o peso da mão sobre o ombro de um médico e “falava”: “É grave, doutor?” A interrogação estava ali como adereço. A frase mais parecia um apelo: “Diz que é grave doutor”. No mais, além da cobertura da posse e da análise de um ministério que tinha muitos dos “mesmos” dos anos de chumbo - Marco Maciel, Golbery do Couto e Silva, Olavo Setúbal, Roberto Gusmão, Antonio Carlos Magalhães -, a edição trazia uma curiosidade: na página 20, um anúncio do Governo de Minas, que já estava impresso e não foi possível mudar saudava a posse de Tancredo. A mensagem, assinada pelo então governador Hélio Garcia, ressaltava que “o povo mineiro renova sua total confiança em que a posse do eminente estadista Dr. Tancredo de Almeida Neves na Presidência da República dá início a um novo tempo” (...) “Reconciliada e restaurada em sua crença, a Nação assume a Nova República e a entrega, confiantemente, ao comando lúcido e sereno do eminente Presidente Tancredo Neves”.
Como estava escrito que Tancredo não assumiria a presidência, estava escrito que a Fatos não emplacaria nas bancas. Menos de um ano e meio depois, fechamos a edição número 70 e selamos as portas da redação no 8º andar do Russel. O sonho já havia acabado e fomos cuidar da vida. A última edição tinha apenas três páginas de anúncios, já não estávamos dispostos a resistir às pressões internas, políticas e pessoais – o que fizemos desde o número zero – e jogamos a toalha. Não sem antes mandar um recado. Na capa, em fundo preto, colocamos o ministro Dílson Funaro que, coincidentemente, tal como a Fatos, também estava pedindo penico. Para nós, a capa era o que menos importava. A palavrinha que queríamos deixar gravada estava lá, em vermelho, grifada, no alto da página, logo abaixo do logotipo da revista: Sabotagem! Referia-se ao momento econômico do país e, de quebra, lavava modestamente nossa alma. De certo, muitos colegas que por oportunismo tinham aderido à “campanha” interna promovida por certos diretores captaram a mensagem. Fechada a revista, fomos “comemorar” no bar do Novo Mundo. Página virada, muita frustração e uma derrota no fígado.
Transcrito do livro do livro Aconteceu na Manchete – as histórias que ninguém contou (Editora Desiderata)