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terça-feira, 25 de maio de 2021

A noite em que estraçalhei o Corvo no pingue-pongue • Por Roberto Muggiati


"Golpes de mestre" contra o golpista renitente. Foto Arquivo Nacional

Além do lendário Repórter Esso, e do Prêmio Esso de Reportagem, a multinacional do petróleo sustentou por poucos anos um projeto louvável: trazia para estagiarem em jornais cariocas jovens jornalistas das dez principais capitais brasileiras. Como redator da Gazeta do Povo de Curitiba, coube-me trabalhar durante duas semanas num dos jornais mais revolucionários de então, o Diário Carioca, com sede e oficinas na Avenida Rio Branco, 25. (O dono era Horácio de Carvalho, a primeira-dama Lily de Carvalho, depois Lily Marinho, primeira-dama de O Globo. O filho, Horacinho de Carvalho, morreria em 1966 num acidente da carro na Região dos Lagos com sua namorada, a cantora de bossa Sylvinha Telles.) Antes do estágio, fizemos uma visita protocolar ao lendário presidente da ABI, Herbert Moses, que nos recebeu numa sala no último andar do prédio da Esso, à avenida Beira-Mar. Guardo até hoje a lembrança do encontro. Foto Acervo Pessoal

Carlos Frederico Werneck de Lacerda, 46 anos, raquete na mão, me esperava com um riso sarcástico e as garras afiadas do Corvo. Era uma noite de maio de 1960, ele deputado federal, 46 anos, eu jornalista de Curitiba, 22 anos, fazendo um estágio no Diário Carioca. Estávamos sob o teto acolhedor do escritor Aníbal Machado, que abria sua casa aos domingos para a intelectualidade e o que mais pintasse. Rua Visconde de Pirajá, 487, Ipanema. Era uma casa de dois andares simpática, com um pequeno jardim e um grande quintal. 

Um parêntese: por que Carlos Frederico? Tão elementar que pouca gente sabe. Filho único de Maurício Paiva de Lacerda, defensor de operários e anarquistas, dirigente do Partido Comunista Brasileiro, preso em 1936 acusado de participar da Intentona Comunista, o pai homenageou no nome do filho os autores do Manifesto Comunista, Karl Marx e Friedrich Engels. Pai e filho, comunistas ardorosos, viraram a casaca no pós-guerra e aderiram ao partido de direita União Democrática Nacional (UDN), visceralmente anticomunista. Carlos, então com 30 anos, dizia: “Quem não foi comunista aos dezoito anos não teve juventude, quem é depois dos trinta não tem juízo”. 

Lacerda era daqueles políticos que se amava ou se odiava. Entrou para o folclore político como “O Corvo do Lavradio” (rua do seu jornal, a Tribuna da Imprensa.). Suas seguidoras eram as “mal-amadas”. Pertenceu à “banda de música da UDN” – também chamada de “as cassandras da oposição” – um grupo notável de políticos de direita que não aceitavam os governos democráticos de Getúlio (pós-50), JK e Jango. Envolveu-se num golpe para impedir a posse de JK, Presidente eleito democraticamente em 1955. 

A bordo do Almirante Tamandaré, os golpistas foram contidos pelo General Lott, líder legalista, depois que a artilharia do exército alvejou o cruzador (foi o último tiro disparado na baía de Guanabara.). Nos anos 60 o Rio foi infernizado por uma praga de insetos: o humor carioca os batizou na hora de lacerdinhas. Carlos Lacerda levou dois tiros no pé. Um real, no atentado da Rua Tonelero, em 1954; outro simbólico, um tiro que ele disparou contra si mesmo ao apoiar o golpe de 1964 na vã tentativa de usar os militares para assumir a Presidência da República, seu sonho dourado. Desiludido, já em 1966 participava da Frente Ampla com os ex-adversários JK e Jango. Os militares o castigaram no AI-5, cassando seus direitos políticos.

Pois bem, naquela noite em que Lacerda me desafiou “para uma partidinha” na domingueira do Aníbal, como democrata e esquerdista eu fui à forra e estraçalhei o Corvo. Afinal, eu era um campeão forjado desde criança na lendária mesa de pingue-pongue do meu tio e padrinho Muggiati Sobrinho em Guaratuba. O revide contra o golpista renitente foi na base de golpes de mestre, com saques indefensáveis e solertes raquetadas de efeito.

Só reencontraria Carlos Lacerda dezesseis anos depois, eu na função de editor da revista Manchete, ele como colaborador. O dono da empresa, Adolpho Bloch, se reconciliara com Lacerda na trágica noite da morte de JK, quando houve uma longa disputa pelo local do velório entre Niomar Moniz Sodré, presidente do MAM, e Adolpho. O voto de Lacerda a favor de Adolpho fez com que o ex-presidente fosse velado no prédio da Manchete, no Russell. Como prêmio, Lacerda ganhou uma página dupla semanal na revista Manchete. O problema era que, além de escrever muito mais do que cabia em duas páginas, ele queria descarregar naquele espaço todo o seu rancor contra os militares. O Presidente de plantão era Ernesto Geisel, o quarto na linha de cinco generais que tivemos de aturar em 21 anos de ditadura. Na segunda-feira eu fechava a Manchete num ritmo alucinante, às vezes trinta ou quarenta páginas com os acontecimentos do fim de semana. Não teria tempo para lidar com o Lacerda. Então o diplomático Zevi Ghivelder foi escalado por Adolpho – que não queria encrenca com os generais – para passar o dia inteiro negociando com Lacerda cada palavra, cada vírgula do seu artigão.

Desgostoso da vida, Carlos Lacerda morreu de infarto num hospital da Zona Sul carioca em 21 de maio de 1977, aos 63 anos. Correu o rumor de que a causa foi uma injeção equivocada que lhe deram. As mortes de Zuzu Angel, JK, Jango (em abril, agosto e dezembro de 1976) e Lacerda, cinco meses depois – se prestaram à Teoria do Complô de que foram todos eliminados pela ditadura. Se non è vero, è ben trovato...

domingo, 24 de dezembro de 2017

Manchete no Russell, 1968-2000 • A HISTÓRIA DA TORRE DE PAPEL

Por Roberto Muggiati

No final de 1968, a Bloch tornou-se a primeira grande empresa editorial a ter sua sede na Zona Sul. O Jornal do Brasil se mudara de um prédio da belle époque na Avenida Rio Branco para o mastodonte do começo da Avenida Brasil. O império do Chatô, que tinha como carro-chefe a revista O Cruzeiro, ficava numa péssima vizinhança, na Rua do Livramento, quase na zona do cais do porto. O Globo se escondia na Rua Irineu Marinho, nas proximidades do antigo IML.


Em uma das mesas no hall da Manchete, em noite de gala que Ibrahim Sued apontou como a mais espetacular do ano,
os casais Denner e Maria Stella, Walinho Simonsen e Regina Rosemburgo (de vermelho),
então musa do society  carioca. Regina casou-se depois com o empresário Gérard Léclery.
Ela foi uma das vítimas do acidente do Boeing 707 da Varig, nas imediações do
Aeroporto de Paris/Orly, em 1973.
Clique nas imagens para ampliar. Reproduções Revista Manchete

Em 1965, ao voltar de Londres, comecei a trabalhar como repórter do Globo. Fui cobrir um congresso da Interpol no Hotel Glória, voltei, bati a matéria, deixei na mesa do chefe de reportagem Alves Pinheiro, peguei o paletó e me mandei. Achei o ambiente opressivo. Não posso dizer que a redação da Manchete em Frei Caneca fosse muito diferente. Para se chegar à redação era preciso caminhar meio quilômetro através de um galpão cheio de máquinas sucateadas e pegar um elevador de carga até o terceiro andar. Quase não havia janelas, o calor sufocava e os ventiladores de poste só ajudavam a circular o bafo quente. As salas da reportagem e da redação eram separadas por tapumes de madeira barata e vidro chapiscado. No entanto, ali fiquei, mesmo porque repórter vivia na rua. E havia uma promessa no ar. Em dezembro de 1965, Adolpho Bloch promoveu o que seria o maior evento do ano, no prédio do Russell parcialmente pronto: um jantar de gala com o anúncio da lista das Dez Mais Elegantes de Ibrahim Sued e o leilão para fins de caridade do modelo número um do carro Willys-Itamaraty.

Lembro que Zevi Ghivelder, chefe de redação da Manchete, tomou as dores da reportagem, que não foi convidada para a festa. Nem seria o caso, mas o bom Z’vi, para reparar o que considerava uma injustiça, ofereceu um almoço de sábado para os repórteres em seu apartamento na Hilário de Gouveia, em Copacabana. Lembro do jovem Roberto Barreira, recém-chegado de uma temporada na Sucursal de Milão, e já ligado em moda, ousando exibir meias cor de abóbora. Afinal, já eram os tempos das cores cítricas de Carnaby Street.

Antiga sede da Manchete, Rua do Russell. Foto de Gil Pinheiro

Em março de 1968, troquei Frei Caneca pela redação da Veja (seria lançada em setembro), na Marginal do Tietê. Em setembro de 1969 voltei para dirigir a Fatos&Fotos no prédio da Rua do Russell, 804. O terreno foi conquistado após anos de dinamitagem para cavar espaço no imenso rochedo. Com isso, o terreno adquiriu uma profundidade notável: depois do prédio, vinha o platô do terceiro andar, com o restaurante à beira da piscina dando para a fachada monumental do Teatro Adolpho Bloch. Na verdade, o público não entrava por ali: saía, nas noites de gala, pelos fundos do palco, para a piscina e a ceia luxuosa servida no restaurante.

A fachada do Niemeyer era um portento, o prédio todo tinha assoalhos de tábua corrida, banheiros de mármore de Carrara com torneiras de latão reluzente, móveis de jacarandá desenhados por Sérgio Rodrigues, as telas dos melhores pintores brasileiros nas paredes, tapetes persas no hall dos elevadores de cada andar. Um detalhe que me tocou: um dia chega um senhor de aparência simples, calça marrom e camisa branca, para pintar as palavras BLOCH EDITORES nas divisórias de vidro com tinta de ouro. Eu o via dias a fio, apoiando o pincel numa vareta, pintando com a mesma concentração com que Michelangelo pintara a Capela Sistina.

Apesar da beleza externa, o prédio, no seu interior, era todo problemas. Niemeyer era um poeta, um escultor, mas descurava do conforto e dos aspectos funcionais. O excesso de madeira concentrava brutalmente o calor. O sol nascia na entrada da baía de Guanabara apontando seu canhão para a Bloch. As belas janelas de vidro, que compunham a estética da fachada, só abriam poucos centímetros para dentro, impedindo a ventilação. Mesmo no inverno, a temperatura interna era dez graus a mais do que a da rua. Manter o ar ligado o tempo todo implicaria em custos astronômicos. Era nestas horas que surgia a figura heroica de R. Magalhães Jr. Irritado e suarento, o acadêmico tirava a camisa – exibindo seu torso nada apolíneo – colava uma lauda na testa e descia ao primeiro andar, onde Adolpho Bloch começava o dia despachando com o financeiro, descascando pepinos e abacaxis, empinando papagaios e maldizendo os banqueiros. Mas a fúria do Magalhães pegava o Adolpho de surpresa e imediatamente ele ordenava que o ar condicionado fosse ligado... só no andar da Manchete. Eu costumava comentar que o Oscar Niemeyer, comunista velho de guerra, era coerente: havia aplicado a teoria da luta de classes à sua arquitetura.

Nos almoços naquele platô do terceiro andar rolavam discussões homéricas, mesmo porque Homero Homem era um dos participantes, ele o poeta Ledo Ivo, também repórter especial da Manchete, e o Magalhães. Uma das controvérsias era se a mulher de Oswald de Andrade Patrícia Galvão, a Pagu, tinha mesmo trazido a soja da China para o Brasil. Outro tema de debate acalorado versava sobre quem teria desvirginado Carmen Miranda, no qual intervinha o Rodrigo Miranda, tradutor da Embaixada americana, que se dizia sobrinho da cantora, mas não esclarecia nada. Magalhães apontava para o terreno vizinho e dizia que o dono dele foi quem deflorou a Pequena Notável, o Maciel Filho, a quem também era atribuída a redação da carta-testamento de Getúlio Vargas. Advogado matreiro, que também trabalhou para Assis Chateaubriand nos anos 1930, Maciel tinha erguido ali um bizarro castelinho, imenso apesar do diminutivo. Maciel morreu em 1975 e Adolpho comprou o terreno. Demolido o castelo, ali seria construído o segundo prédio, o Russell, 766. Uma extensão da fachada do 804, mas alguns metros mais longo do que ele. Quando o novo prédio ficou pronto, em 1980, não foi imediatamente ocupado, lembro que Adolpho costumava promover lá um chá das cinco, com uma meia dúzia de gatos pingados – eu, o Cony, o Geraldo Matheus.

A ocupação do 766 teve efeitos irreversíveis. Morreu o restaurante do terceiro andar ao ar livre, vicejou o chique restaurante com ar condicionado no décimo segundo andar do novo prédio; morreu também o décimo andar do 804 como sala de visitas, as recepções agora eram no décimo segundo do 766. Esta era a nova entrada no térreo para as redações, com vários Krajcbergs nas paredes, mas nenhum com a monumentalidade do 804, que tinha um pé direito altíssimo. A televisão foi ao ar em 1983, construiu-se um banheiro exclusivo para o PH, filho do Presidente FH, que tinha um emprego na TV, como muito antes o irmão do Collor, o Leopoldo, também ganhara uma sinecura na TV em São Paulo.

O castelinho foi demolido para a construção do segundo prédio do conjunto
desenhado por Niemeyer para a Manchete. Um contínuo, o Sammy, convenceu a proprietária
a vender a casa vizinha ao castelo para Adolpho Bloch, onde foi erguido o terceiro prédio. A expansão parou aí. A terceira casa, obra do arquiteto italiano Antonio Virzi, com cúpulas, mastro e colunas retorcidas, ao lado do prédio de apartamentos, foi tombada pela prefeitura do Rio de Janeiro. Foto Acervo RM

A promiscuidade – ou vamos chamar de democracia – unia contínuos aos donos da empresa. O Sammy Davis Jr. prometeu ao Adolpho que ia conseguir para ele o terreno contíguo ao 766, cantando a senhorinha que era dona. Depois de anos, Adolpho comprou a casa e construiu ali, em 1986, a terceira fatia do bloco do Niemeyer. (Ignoro se o Sammy levou o dele.) Entre o primeiro e o segundo, havia um afastamento, uma fresta discreta. Já o terceiro era colado ao segundo e não tinha entrada autônoma. Foi ali que embarquei numa roubada: fazer para o programa da Anna Bentes, com a presença da própria, uma entrevista chapa branca com o grande especialista em fertilidade, Roger Abdelmassih, o médico paulista que foi condenado a trocentos anos de  prisão por abusar das pacientes. E foi no topo dessa terceira fatia que vivi meu ano e pouco de Santa Genoveva (matéria recente no Panis). Enfim, a história é esta, confiram as fotos – a do castelinho do Maciel acho que é inédita.

domingo, 22 de abril de 2012

Manchete é história. Veja aqui o programa especial De Lá Pra Cá, da TV Brasil, sobre os 60 anos da revista fundada em abril de 1952


O programa De Lá Pra Cá, da TV Brasil, apresentado por Ancelmo Gois e Vera Barroso, comemorou com um excelente especial os 60 anos da revista Manchete, com depoimentos dos jornalistas Roberto Muggiati, Zevi Ghivelder, Arnaldo Bloch e Alberto Dines. Embora o tema não tenha sido abordado, a importância do Arquivo Fotográfico da Manchete, hoje oficialmente desaparecido (e motivo de um ação judicial impetrada por ex-fotógrafos da revista através do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Municipio do Rio de Janeiro), fica patente nos relatos abalizados de Zevi, Muggiati, ex-diretores da revista, Arnaldo Bloch e Dines sobre as coberturas históricas da revista. 

Conheça a história de uma das mais importantes publicações brasileiras. Clique AQUI

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Hoje na TV Brasil, programa sobre os 60 anos da revista Manchete

O programa "De Lá Pra Cá",  de Ancelmo Gois, que será reprisado hoje, na TV Brasil, focaliza os 60 de fundação da revista Manchete. Não perca: nesta sexta-feira, às 20h30. Entre os entrevistados, Roberto Muggiati, Zevi Ghivelder, Arnaldo Bloch e Arnaldo Dines.
A comemoração dos 60 da revista - que foi para as bancas pela primeira vez em abril de 1952 - seria uma boa oportunidade para lembrar duas lutas atuais dos ex-funcionários desde a falência da editora em 2000. O pagamento das indenizações trabalhistas (muitos ainda não receberam seus direitos) e a denúncia do espantoso sumiço do Arquivo Fotográfico da Manchete. O acervo foi leiloado pela Massa Falida da extinta Bloch. Fotógrafos que trabalharam nas revistas do Russell entraram com uma ação judicial, através do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, para localizar o arquivo que reune mais de 10 milhões de imagens e, ao mesmo, tempo, reivindicar a anulação do leilão. Mas até hoje a notificação judicial não foi entregue ao suposto proprietário, que apesar de ter adquirido um bem em leilão públuco -, onde seria obrigado a deixar endereço, CPF etc -, não foi localizado. Rumores infundados de que o acervo estaria interiamente desfigurado e desfalcado teriam afastado outros concorrentes e aviltado o valor (acabou vendido por meros 300 mil reais, bem abaixo da avaliação legal). Instituições oficiais, como o Ministério da Cultura, o Arquivo Nacional, Museu da Imagem e do Som e privadas, como a Associação Brasileira de Imprensa, embora procuradas pela Comissão de Ex-Empregados da Bloch Editores, jamais se manifestaram em defesa de um acervo histórico e de fundamental importância para pesquisadores, jornalistas, escritores e o público em geral. Nem tudo é festa. Que as gerações de fotógrafos que atuaram nas revistas da Bloch recuperem seus direitos autorais sobre seus trabalhos acumulados em anos de emprego e dedicação.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Foto Manchete em O Globo


A famosa foto Mil do Pelé, da Manchete, publicada no Caderno de Esportes do Globo com crédito da Keystone e a retificação do jornal
por Gonça
O Globo está publicando uma ótima série de autoria do jornalista João Máximo sobre os 70 anos de Pelé. Para se ter um ideia da importância do acervo fotográfico da extinta Bloch (que, alíás, foi vendido em leilão mas não se conhece ainda o comprador, suas intenções e principalmente o destino de milhões de cromos, negativos e reproduções históricas), o Globo tem utilizado reproduções de imagens feitas pelo famoso time de fotógrafos da revista, que acompanhou o futebol brasileiro desde os anos 50. Na abertura da série foi publicada a premiada foto de Orlando Abrunhosa que mostra a "pirâmide" de  Pelé, Tostão e Jairzinho na Copa de 70; na edição de quarta-feira (20), a capa do caderno de Esportes do Globo foi ilustrada com uma foto do Pelé, na Vila Belmiro (e não no Maracanã como o Globo diz), com bolas enfileiradas no gramado em forma de número 1000. O Globo creditou como sendo da Keystone. No mesmo caderno, edição de sexta (22), o jornal publicou  em nota devida retificação: "A foto de Pelé com o número mil formado por bolas, publicada anteontem, foi produzida para a revista Manchete. Ela foi feita pelo fotógrafo Mituo Shiguihara, na Vila Belmiro, por iniciativa do diretor de redação da época, Zevi Ghivelder".

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Arnaud Rodrigues fez rir um Brasil triste


por José Esmeraldo Gonçalves
Deu nos jornais: Arnaud Rodrigues morreu ontem, aos 67 anos, em um acidente de barco em Tocantins. Conheci o Arnaud no fim dos anos 70. Depois de se desentender com Chico Anysio, com quem tinha feito o programa Chico City e criado o antológico Baiano e os Novos Caetanos, o comediante buscava outros caminhos. Na época dirigindo a Fatos & Fotos, Zevi Ghivelder o convidou para ser um dos cronistas da revista. Arnaud aceitou e a F&F, onde eu era editor, ganhou um implacável observador do cotidiano. Escrevia como se fosse um caricaturista, no sentido de captar aquele pequeno detalhe que faz o todo. Entrevistado hoje sobre a morte do parceiro, Chico Anysio, com quem Arnaud se reconciliou e voltou a trabalhar anos depois, reconhece: "Era o melhor redator de comédia do Brasil". Toda semana, geralmente às terças-feiras à tarde, Arnaud ia ao Russell entregar seu texto. Passava algumas horas na redação, contava histórias, divertia a turma. Elogiava o Crato (CE), onde nasci, falava da beleza da Chapada do Araripe, mas dizia que Serra Talhada (PE), onde ele e Lampião nasceram, era terra muito mais bonita tanto que antigamente, dizia, era chamada de Vila Bela.
Depois da temporada como cronista da F&F, o pernambucano reencontrou o sucesso na TV. Atuou nas novelas "Roque Santeiro" (1985), "Partido Alto" (1984), "Pão Pão, Beijo Beijo" (1983) e em alguns filmes ("A filha dos Trapalhões" (1984), "Os Trapalhões e o Mágico de Oroz" (1984). Recentemente, esteve no humorístico "A praça é nossa". Eu o reencontrei algumas vezes geralmente nos corredores da TV Globo. Ele fazia questão de agradecer sempre a acolhida que teve na revista. Naquele breve período de, digamos, vacas magras, Arnaud precisava ganhar dinheiro, claro, passou a fazer shows em qualquer cidade que o convocasse e lançou um LP solo no qual levava muita fé. Era o "Arnaud Rodrigues, o Descobrimento". Na capa, em lay-out de Mello Menezes, ilustrador que fez muitos trabalhos para a EleEla, lá estava ele de Pero Vaz de Caminha com um volante da loteria esportiva nas mãos. Enquanto escrevo, vejo este velho LP na estante aqui ao lado entre uma pilha de vinis sobreviventes. Quando lançou o disco, em 1980, ele foi à redação da F&F e me deu um exemplar com uma dedicatória: "Esmeraldo, por tudo que você tem feito por mim. Muito obrigado. E tente curtir este som". Bobagem, não fizemos nada pelo Arnaud. Vá em paz, amigo. Obrigado a você, que levou humor à revista e, mais do que isso, fez rir um Brasil triste naqueles pesados anos da ditadura.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Sarmento, coração de repórter


por Gonça
Entre outros veículos, como O Globo e Correio da Manhã, o repórter Luiz Carlos Sarmento trabalhou na Manchete e Fatos&Fotos. Tinha alma e coração de repórter. Eu o conheci em 1985 na Fatos, publicação dirigida por Carlos Heitor Cony. Na época, Sarmento, com a garra que o caracterizava, cobriu a doença e morte de Tancredo Neves, o caso Baumgarten e outros. Era um jornalista de ação, acho que não buscava os fatos, os fatos o procuravam. Deve estar de plantão nas nuvens, para onde um infarto o levou em 2005. Em 2008, José Amaral Argolo e Gabriel Colares Barbosa lançaram "Luiz Carlos Sarmento, Crônicas de uma Cidade Maravilhosa", pela E-papers Serviços Editoriais (o livro, que é uma merecida homenagem ao nosso caro Sarmento, está à venda no site da E-papers em versão impressa e eletrônica (clique AQUI). Um dos episódios narrados pelos autores é justamente sobre o repórter Marcelo Escobar e o fotógrafo José Avelino, citados no post abaixo. Sarmento estava escalado para ir à Bolívia no lugar do Escobar. Mas os dois resolveram disputar no cara ou coroa. Escobar ganhou e partiu para a sua derradeira cobertura. Durante anos, Sarmento não se perdoou, sentia-se culpado pela morte do amigo já que a missão era inicialmente sua. Esta e outras histórias estão no livro que tem depoimentos de jornalistas que trabalharam com Sarmento, como Carlos Heitor Cony e Zevi Ghivelder.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Do baú do paniscumovum: a edição de Manchete que virou livro

A edição da MANCHET, de 29 de dezembro de 1979, há 30 anos...
... se transformou em um livro "fora do comércio", de tiragem restrita e hoje exemplar raro.

Logo mais, às 15h, no Fórum, centro do Rio, acontecerá o leilão do Arquivo Fotográfico da Manchete. A expectativa, como este paniscumovum já adiantou, é que apareçam interessados já nessa primeira chamada, que uma eventual disputa eleve o valor inicial do acervo e que os recursos arrecadados acelerem o pagamento das indenizações a cerca de 3 mil trabalhadores da extinta editora. Já falamos aqui da importância histórica e cultural deste arquivo, especialmente para o Rio de Janeiro. A torcida geral é para que ele não saia do Rio. Mas o propósito deste post é falar dos Anos 70. Há quase 30 anos, mais precisamente no dia 29 de dezembro de 1979, chegava às bancas a revista Manchete, o número da primeira semana dos Anos 80. Anunciava o lançamento de uma série especial: Para Entender os Anos 70. O curioso - e não sei se isso já aconteceu com outra revista - é que o série fez tanto sucesso que a Bloch resolveu transformá-la em um livro. Foi uma edição especial, fora do comércio, para anunciantes e agências de publicidade. Estão aí reproduzidas as capas da revista e do livro. No prefácio, Zevi Ghivelder, então diretor-executivo da Manchete, ao lado de Roberto Muggiati (Justino Martins era o diretor-editor), escreveu um texto preciso sobre a revista ilustrada, este segmento especial de jornalismo que produziu o fabuloso arquivo fotográfico que a Manchete e as demais publicações da Bloch legaram à memória e à cultura nacionais. Vale a transcrição: "Anos atrás a revista Time publicou a correspondência de um leitor que reclamava a propósito da publicação de uma reportagem de um professor universitório. Dizia mais ou menos o seguinte: 'vocês não deviam dedicar-lhe atenção. Fui seu aluno e ele sempre repetia em aula que nos Estados Unidos só há duas revistas. Uma para as pessoas que não sabem pensar, outra para quem não sabe ler'. O dito mestre naturalmente se referia a Time e Life. Este é apenas um pequeno exemplo da mística que envolve as revistas ilustradas no mundo inteiro. Alguém inventou aquele bela frase segundo a qual 'mais vale uma foto do que mil palavras' - e muita gente boa tomou isso ao pé da letra. Na verdade, não há regra fixa no que toca à forma de edição das revistas ilustradas, mas uma relação de interdependência entre o texto e a foto, ou mesmo a prevalência de um sobre o outro, conforme a oportunidade. Nos áureos tempos de Paris Match, um de seus maiores atrativos eram os artigos de Raymond Cartier que prescindiam de ilustrações. Eles se somavam à embalagem total da publicação, profusa em fotografias, como uma parte que lhe era integrante e inalienável. Assim como na França, em muitos países as revistas ilustradas também se impuseram junto ao público pela qualidade de seus textos. Creio que nós, na Manchete, seguimos igual curso em vinte e oito anos de trabalho. Ao lado de algumas das mais expressivas fotografias da imprensa brasileira, também publicamos alguns dos melhores e mais imporantes textos, entre os quais se insere a nossa análise da década de 70. Decidimos reproduzi-la neste livro rigorosamente fora do comércio, destinado a agências de publicidade de todo o país e aos anunciantes de Bloch Editores. Conservamos a sequência com que foram publicadas as respectivas matérias em quatro edições sucessivas da revista, no final de 1979, tarefa realizada por Roberto Muggiati (concepção visual) e Wilson Cunha (edição de texto). Essa coletânea em livro assim se torna um valioso documento e testemunha dos dias que vivemos."
Paniscumovum promete reproduzir parte dessa edição de Manchete na primeira semana de 2010, na marca dos 30 anos exatos. É um legítimo retrato do que o Brasil e o mundo pensavam, consumiam, liam e viam naqueles dias. A propósito, entre os autores da coletânea e da série, estão Carlos Heitor Cony, Fritz Utzeri, Arthur C. Clarke, Lincoln Martins, Flávio de Aquino, Artur da Távola, Roberto Muggiati, Zevi Ghivelder, Wilson Cunha, Irineu Guimaráes, Ney Bianchi, Roberto Barreira, Josué Montello, Murilo Mello Filho, Edmar Pereira, Ethevaldo Siqueira, Roberto Campos e Eduardo Celestino Rodrigues, cada um jogando no seu campo e falando de política, gente, medicina, ecologia, artes plásticas, cinema, literatura, música, televisão, esporte, religião etc. Um documento especialíssimo.