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domingo, 14 de junho de 2015

Em biografia não-autorizada ("Geraldo Vandré, Uma Canção Interrompida"), o jornalista Vitor Nuzzi desvenda um enigma: o "desaparecimento artístico" do autor de "Disparada" e "Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores"



por José Esmeraldo Gonçalves
Há cerca de duas semanas, o jornalista Vitor Nuzzi lançou o livro "Geraldo Vandré, uma Canção Interrompida". Foi a última biografia não-autorizada publicada antes da histórica votação no STF que removeu do Código Civil, na semana passada, um entulho autoritário embutido por obscurantistas na Constituição de 1988. Tratava-se do artigo que dava aos biografados o direito de impedir a publicação de biografias que não fossem do tipo "chapa branca". A intimidação não chegou a tanto, mas a lei lhes conferia até pôr a polícia (sim, a polícia, já que desafiá-la era crime) atrás de escritores e editores caso ousassem publicar histórias de personalidades sem a prévia aprovação do biografado ou de suas famílias. Não foram poucos os autores levados ao tribunal. Agora, o STF considerou inconstitucional o tal artigo, que até Goebbels gostaria de ter assinado enquanto se aquecia ao lado de uma fogueira de livros na Berlim dos anos 1930.
Mas o tribunal demorou tanto a julgar o caso que Vitor Nuzzi não pode esperar. Desde 2007, o jornalista entrevistou dezenas de pessoas, foi às raízes de Vandré na Paraíba, pesquisou documentos, checou versões, confrontou fatos e acabou jogando uma luz  nas zonas de sombra da trajetória do autor de "Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores", a "Marselhesa"  brasileira, como alguém já disse ou, quem sabe, a nossa "Grândola, Vila Morena", a canção-senha da Revolução dos Cravos, caso os meninos brasileiros que se sacrificaram na luta contra a ditadura emplacassem a utopia revolucionária nos duros anos 70.
Com o livro pronto, Vitor procurou as editoras. Recebeu, contados, oito "nãos". Ninguém quis arriscar uma visita aos tribunais de onde era alta a chance de sair, no mínimo, com indenizações milionárias a quitar. O jornalista não admitia ver oito anos de trabalho em vão e resolveu bancar do próprio bolso o custo da edição. Mandou rodar apenas 100 exemplares. E não colocou a obra à venda. Distribuiu o livro a 100 amigos. Fui um desses privilegiados. Vitor construiu sua carreira profissional em São Paulo, com uma etapa em Brasília. Por volta de 2004, trabalhou como editor em uma redação carioca, onde o conheci. Além da competência, mostrou características admiráveis: era rigoroso na checagem das informações, jamais perdia a paciência e mantinha a calma nos fechamentos, por mais turbulentos que fossem. Acredito que essas qualidades o ajudaram na tarefa de esquadrinhar em 370 páginas a vida - e a vida em torno - de Geraldo Vandré.
Uma das razões que o levaram ao tema está relatada no texto de apresentação: "Fico admirado de saber que, passados 47 anos do desaparecimento artístico de Geraldo Vandré, há jovens curiosos, querendo saber mais sobre as histórias que envolvem seu nome.Ainda mais em tempos em que grande parte mal acompanha a obra dos contemporâneos de Vandré. Casos de Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso, que - de forma menos ou mais escassa - se mantém na mídia, lançam discos (ou livros), dão entrevistas, fazem shows. Vandré, não. Excluídos um recital de uma pianista em São Paulo e apresentações no Paraguai nos anos 1980, ele sumiu completamente do mundo artístico, ou pelo menos da indústria cultural de massa. Mesmo assim, segue despertando interesse - no mínimo, curiosidade". 
Não apenas quem não viveu a época tem curiosidade - ou perguntas sem respostas - sobre episódios  marcantes da vida de Vandré. Vitor junta peças que ajudam a explicar o enigma. Os festivais, a noite em que o Maracanazinho entoou "caminhando e cantando" e vaiou "Sabiá"; a fuga; o exílio; a volta ao Brasil encenada para a TV; o homem, o mito, as lendas. O livro, contudo, é muito mais do que isso. Vitor mostra a importância de Vandré, mesmo "desaparecido" para a música brasileira, ao concluir que, ao universo criativo do autor de "Disparada", somava-se o trabalho admirável do artista paraibano como pesquisador da cultura popular.
"Geraldo Vandré, Uma Canção Interrompida" merece muito mais do que 100 exemplares. Prefiro acreditar que, após a decisão do STF, as editoras, com "as visões se clareando", como cantou Vandré, vão agarrar a chance de levar este livro a muitas centenas de leitores.

Pra não dizer que não falei da Manchete...

Para Manchete e Fatos & Fotos, os festivais da canção, com apelo popular, eram alavancas de venda de revistas. Uma numerosa equipe, onde se destacavam os jornalistas João Luíz Albuquerque e Tarlis Batista, era deslocada para cobrir aqueles eventos, que chegaram a merecer edições especiais recordistas em circulação. O livro "Geraldo Vandré, Uma Canção Interrompida" reúne dezenas de ilustrações e depoimentos. Um deles, do jornalista Eli Halfoun, então no jornal Última Hora (depois, foi diretor da revista Amiga, outra publicação da Bloch). Eli fazia parte do júri do Festival da Canção de 1968 que apontou a canção "Sabiá" como vencedora. O público queria "Pra Não dizer que Não Falei das Flores" e, por isso, vaiou a composição de Tom Jobim e Chico Buarque. Justino Martins, então diretor da Manchete, também estava no júri, seguindo relata o livro.
São citados ainda Murilo Mello Filho, da Manchete, sobre a reação dos militares à canção de Vandré; uma crônica de Fernando Sabino publicada na revista sobre o desfecho daquele Festival; o livro "Dupla Exposição: Stanislaw Sérgio Ponte Porto Preta", de Renato Sérgio, ex-redator da Manchete, Fatos & Fotos e EleEla; e uma matéria da revista Jóia (da Bloch), sobre Vandré, da repórter Zélia Prado.
O arquivo da Bloch, pelo que se sabe, hoje desaparecido, reunia milhares de fotos daquelas coberturas. O livro mostra apenas três dessas imagens (duas delas vistas aqui).
E no formato que foi possível: reproduzidas de revistas antigas já que os originais das fotos provavelmente se perderam.
Ainda bem que pesquisadores, como o autor da biografia não-autorizada de Geraldo Vandré, são incansáveis na tarefa de recuperar memórias perdidas. Missão que, agora, com o fim da abominável censura prévia, poderá ser cumprida sem ameaças e intimidações.