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domingo, 30 de maio de 2010

O parceiro

por Jussara Razzé
A Câmara Municipal do Crato (CE) prestou uma homenagem ao centenário de nascimento de Unias Gonçalves de Norões, no último dia 20. Talvez o autor não aprove, rsrs, mas transcrevo aqui o texto que o Esmeraldo, um dos titulares deste paniscumovum, escreveu e que foi lido por Vanda Esmeraldo Gonçalves ema sessão solene da Câmara.

Com saudade e com afeto”

“Nas manhãs de sábado, meu pai empurrava a motocicleta BSA pelo corredor do velho casarão na Praça da Sé. Para mim, era o sinal de que a aventura ia começar. Lá fora, a praça ainda deserta, eu, de tão menino, me acomodava no tanque da moto. Mais tarde, já podendo me firmar na carona, fui promovido à “garupa”. Parece apenas um detalhe mas a “promoção” era um outro e importante estágio. Na garupa, eu me sentia mais parceiro – a palavra é essa -, não apenas o menino que o pai carinhoso protegia. Não sei quantas vezes cumprimos essa rotina. Mas foram muitas viagens. Acho que desses momentos inesquecíveis nasceram as primeiras lembranças que tenho do “seu” Unias, meu querido parceiro, com quem ainda divido os bons momentos e de quem recebo força e garra nas dificuldades.

Sei que as minhas irmãs, Vânia, Vanda e Vera têm gravados nas suas mentes, cada uma, seus próprios instantes mágicos tais como foram para mim aqueles momentos.

Somos gratos, pela vida, ao nosso amado pai, Unias Gonçalves de Norões que, neste 20 de maio, completa 100 anos, presente como o tempo do verbo nesta homenagem e, mais do que nunca, permanente nos corações dos seus filhos, genros, nora, netos, bisnetos, irmã, sobrinhos, primos e amigos de fé.

Sua imagem e trajetórias persistem e continuam nos passando lições de dignidade, de altivez sem soberba, de respeito ao próximo e de solidariedade.

Nosso pai era um homem simples. Acho que aí estava o seu maior segredo, o detalhe que o levava a viver com prazer, enfrentando os obstáculos sem ressentimentos e buscando o melhor para seus filhos sem se deixar corromper pela ambição.

Fazia isso com naturalidade, sem se vangloriar do que achava que era a sua obrigação.

Em um dos períodos mais difíceis da sua vida, viu-se obrigado a assumir, muito cedo, grandes responsabilidades. Com a morte do seu pai, José Gonçalves, ele, ao lado do seu único irmão, nosso caro tio Pedro, herdou a árdua missão de cumprir os compromissos assumidos pelo pai e de zelar pelas irmãs – eram três, Neném, Carmen e Fanny – especialmente as duas últimas, mais novas. Órfãos, eles foram apoiados pela Tia Eulina, a quem chamavam de “Mãe Outra”. Eu achava a atitude dos dois, Unias e Pedro, tão admirável, mas nunca ouvi meu pai contar essa história. Soube desse episódio, ao longo do tempo, através de outras pessoas. Na sua visão, ele apenas cumprira sua obrigação, nada demais, nada que merecesse ser contado à mesa de jantar.

Este era o “seu” Unias. Que dedicou anos de sua vida profissional ao extinto Banco do Cariri. Não se omitia nas ações que a sociedade cratense pedia. Foi vereador, colaborador e provedor do Hospital São Francisco, apoiou as iniciativas da Diocese e da Paróquia da Sé, nossa vizinha. Junto com nossa mãe, La Salette Esmeraldo Gonçalves, e com o seu amigo, o então reitor Martins Filho, da Universidade Federal do Ceará, deu a sua contribuição, ao lado de tantos outros cratenses ilustres, para a implantação da Faculdade de Filosofia, que se tornaria o núcleo gerador da URCA (Universidade Regional do Cariri). Era discreto nessas iniciativas. Para ele, o importante era o grupo, o companheirismo, a ação coletiva que levava a resultados positivos para a comunidade.

Uma vez, talvez na segunda metade dos anos 60, por aí, eu o acompanhei numa visita ao terreno onde se instalaria o Serrano. Fomos levados pelo Dr. Ebert Fernandes Telles, que idealizou e tomou à frente a missão de dotar o Crato do seu primeiro e moderno clube campestre. Eu via apenas o mato, a ribanceira, a pequena levada e a vista deslumbrante do vale. Meu pai, à medida em que o Dr. Ebert descrevia o projeto, “via” a piscina, as instalações e já antecipava os bons momentos que passaria ali, como tantas vezes de fato passou, ao lado da família e dos amigos. Apenas um pequeno exemplo de como viveu, amou e se integrou ao nosso querido Crato. Tanto no lazer e no prazer - como nos memoráveis carnavais do Crato Tênis Club, nas animadas quermesses e leilões da festa de Nossa Senhora da Penha, ao largo da Catedral, nas nossas divertidas incursões ao carrossel e roda-gigante do Parque Maia, que ocupava a Praça da Sé durante esse período festivo ou nas sucessivas temporadas do Circo Nerino - quanto nas iniciativas comunitárias acima citadas.

Há muito sei que, quando meu pai me conduzia naquela moto, rumo à Bebida Nova, não era apenas o caminho do Lameiro que ele me mostrava. Na verdade, estava me indicando como trilhar uma estrada muito maior: a da vida.

Foi um privilégio tê-lo como pai e amigo.

Nós, a família do “seu” Unias, agradecemos aqui as homenagens que a cidade lhe presta nessa data. Ele, com certeza, ficaria feliz, assim como nossa saudosa mãe, La Salette.

Estamos orgulhosos por ele e somos eternamente gratos, de coração, ao Crato e a todos que conviveram com o nosso querido pai.”

( José Esmeraldo Gonçalves, em nome da família de Unias Gonçalves de Norões. Na reprodução, Unias em desenho em naquim de ZéMaria, 1928)