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quinta-feira, 15 de março de 2012

Na Gazeta do Povo, o jornalista Roberto Muggiati, ex-diretor da revista Manchete, escreve sobre seus 58 anos de carreira. Com direito a uma galeria de fotos pessoais e vídeo de slide show.

por Roberto Muggiati (para a Gazeta do Povo)
Na noite de 15 de março de 1954, uma segunda-feira, subi as escadas do casarão da Praça Carlos Gomes para meu primeiro dia de trabalho na Gazeta do Povo. Não tinha, como o imperador Júlio César, um vidente a me alertar “Cuidado com os idos de março!” Só depois vim a saber que “os idos de março” eram precisamente o dia 15. César não deu ouvidos ao adivinho e morreu apunhalado naquele dia exato, em 44 a.C. – 1.998 anos antes de eu atravessar o umbral daquele sobrado que me abriria as portas da profissão e da vida. Não sofreria punhaladas fatais, co­­mo as de César: mais sutis e traiçoeiras, elas exerceriam um efeito moral e emocional que, ab­­­­sorvido ao longo destes 58 anos, me ensinou a conviver melhor com a besta humana.
Toda manhã, como o leite e o pão, nosso jornal era entregue nas casas dos cidadãos e nas bancas. Em termos de tecnologia, estávamos mais próximos da prensa de Gutemberg, de 500 anos antes, do que da mídia globalizada de McLuhan, apenas dez anos à nossa frente. Ainda não tínhamos teletipo e as notícias caíam literalmente do céu: um velho senhor entalado num cubículo, a cabeça curvada por enormes fones de ouvido, recebia os últimos despachos em código Morse e os decodificava, teclando numa velha Remington. Por coincidência, o telegrafista Vergès era um kardecista convicto e tudo aquilo me parecia uma operação espírita. O tipo de texto que me chegava às mãos: “DEPUTADO DIX-HUIT ROSADO AVIONOU DF APRESENTAR PROJETO PELÁCIO TIRADENTES.” Eu tinha de colocar a notícia num português legível e era mais rápido colar o despacho do Vergès numa lauda (na verdade, uma apara de bobina, áspera como lixa e porosa como mata-borrão) e corrigir à caneta-tinteiro. Tesoura, pincel e goma arábica ainda eram ferramentas preciosas do nosso ofício. Quem tinha de decifrar todas essas charadas era um pobre revisor: com a clássica pala verde na testa, ocupava um mezanino, espécie de purgatório entre a redação (no primeiro andar) e a oficina (no térreo). Num pequeno galpão no térreo, as fotos eram transformadas em clichês por um ex-soldado russo, Konstantin Tcher­­­­no­­valoff, que lutara contra os comunistas no exército branco e parecia um cossaco diabólico em meio aos clarões do seu arco voltaico. Os clichês seguiam para a oficina, que envolvia com seus vapores de chumbo a bateria de linotipistas disposta perto das páginas – parafusadas em molduras de ferro, como nos pasquins do Velho Oeste – e da prensa plana obsoleta que imprimia nossas verdades absolutas de todo dia. Que tipo de notícias oferecia o mundo em 1954? A Guerra Fria, a Bomba H, a caça às bruxas e a segregação racial nos EUA, a derrota militar da França na Indochina, as lutas de independência anticoloniais na África – se levássemos a sério as manchetes viveríamos à beira do Apocalipse. No Brasil, 1954 foi um ano trágico. A crise política, depois do atentado da Rua Tonelero contra Carlos Lacerda, culminou com o suicídio do presidente Vargas, em 24 de agosto, no Palácio do Catete. Naquele dia, fui recebido no Colégio Estadual do Paraná pelos gritos dos colegas: “O Getúlio morreu!” Um instinto animal me fez correr para a redação da Gazeta, onde colheria os louros da minha primeira edição extra. Em contrapartida, descobri que o jornalista é es­­cravo da notícia, um ser atrelado à vida e à morte dos outros. (Anos depois, editor da Manchete, quando morreu JK, eu passei 27 horas seguidas na redação, com raros intervalos para ir ao banheiro, – os sanduíches eram mordiscados entre a definição das pautas e o fechamento dos leiautes.)

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