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terça-feira, 6 de março de 2012

69 na F&F

A coisa toda era tão maluca que o título acima pode até ser entendido no sentido literal.

por Roberto Muggiati
Comecei os Anos de Chumbo no ventre da besta. Uma semana antes do AI-5, lancei em São Paulo Mao e a China, uma declaração de amor ao comunismo radical que era o livro de cabeceira do capitão Lamarca quando morreu fuzilado na caatinga baiana em 1971. Eu era um dos editores da Veja, lançada em 1968 e, por tratar de temas políticos, considerada uma revista de esquerda. Em maio de 1969 assinei o artigo de capa sobre Glauber Rocha, premiado em Cannes como melhor diretor. Em setembro, Adolpho Bloch me convidou para dirigir a Fatos&Fotos. Nosso acordo foi fechado no prédio do Russell numa segunda-feira nervosa em que a Manchete fechava a edição sobre o seqüestro do embaixador americano Burke Elbrick. A partir de outubro, de volta ao Rio, trabalhei com uma equipe brilhante na F&F, que incluía feras como Sérgio Augusto, Paulo Perdigão, Cícero Sandroni, Juarez Barroso, Argemiro Ferreira e Ney Bianchi na chefia da reportagem. Fatos&Fotos era a Gata Borralheira da Bloch. Quando uma edição era pouco menos do que perfeita, ia ao pelourinho. Quando era perfeita demais, ia também ao pelourinho, por ameaçar o carro-chefe, a Manchete. Era difícil trabalhar nestas condições esquizofrênicas.
Pelo menos 50 profissionais que passaram pela Bloch podem lembrar seu tempo de chefia na Fatos&Fotos, revista de alta rotatividade onde os diretores costumavam não durar mais de um ano no posto. Manchete fechava a edição na segunda-feira e ia às bancas na quarta; F&F fechava na quarta e ia às bancas na sexta. Coube a mim fechar a revista com a reportagem sobre a morte de Carlos Marighella, numa emboscada em São Paulo, na noite de 4 de novembro. Publicamos a foto do líder guerrilheiro crivado de balas no banco traseiro de um fusca (a história foi outra, como levantou agora o fotógrafo que cobriu o fato para nós, Sérgio Jorge). Duas semanas depois, em 19 de novembro, — encerrando uma atmosfera de suspense que se arrastava por semanas — Pelé fez o Gol Mil numa cobrança de pênalti no Maracanã e as fotos também foram para a reportagem de capa da Fatos&Fotos. Futebol e política caminhavam de mãos dadas nos Anos de Chumbo. Quando o presidente Médici quis interferir na escalação do selecionado para a Copa de 70, o técnico João Saldanha renunciou. Esse foi também o momento de uma das crises folclóricas de Fatos&Fotos.
A rotina da revista, já mencionei, era totalmente esquizóide. De manhã, Alberto Dines, “padrinho” de F&F e marido de Rosaly, sobrinha do Adolpho, fazia uma reunião com a redação e definia a pauta. Seguia depois para o Jornal do Brasil, onde era o editor todo-poderoso (é bom lembrar que, na época, o JB tinha muito mais prestígio do que O Globo.) À tarde, os sobrinhos ociosos que o Adolpho não deixava pastarem na Manchete iam brincar no quintal da Fatos&Fotos. E derrubavam toda a pauta do Dines. Imaginem a dificuldade do editor, obrigado a fazer uma revista por semana, para conciliar todos estes egos em choque. A crise culminou quando Dines decidiu que a capa daquela semana seria João Saldanha, que deixara o cargo de técnico da seleção. No momento de escolher a capa — com Dines na Avenida Brasil, enfrentando a guerra diária do JB — os caciques da Bloch preferiram publicar na capa de Fatos&Fotos uma foto de Paulo José e Dina Sfat, registrando a vitória do filme Macunaíma no Festival de Cinema de Mar del Plata. Comuniquei imediatamente a Dines por telex a decisão dos Karamablochs. Dines, que já estava em rota de colisão jornalística e conjugal com a família, detonou curto e grosso em outra mensagem de telex: “Já que não aceitam minha opinião editorial, vou fazer como o nosso bom Saldanha e tirar meu time de campo.” Foi assim que Alberto Dines nunca mais voltou a pisar no sacrossanto território da Praia do Russell.
Como disse, futebol e política corriam juntos. Em junho de 1970, enquanto se desenrolavam no Rio os capítulos do audacioso seqüestro do embaixador alemão, Ehrenfried Anton Theodor Ludwig von Holleben, nos campos do México a seleção brasileira iniciava a campanha do Tri. O primeiro jogo, contra a Tchecoslováquia, no dia 3, me deu uma grande alegria: escolher para a capa da F&F a foto histórica de Orlando Abrunhosa, com Pelé socando o ar, ladeado por Tostão e Jairzinho. A foto chegou na noite seguinte — 4 de junho, uma quarta-feira — por malote especial, num pacote cheio de rolos ainda a serem revelados. (Uma semana depois, a foto de Orlandinho, que virou até selo dos correios, era capa da Paris-Match em versão colorizada. Na F&F nós a batizamos de “Os Três Mosqueteiros”). De vitória em vitória, Fatos&Fotos foi esgotando edições, com brindes como bandeiras e adesivos, até o domingo da conquista da Copa, com a vitória sobre a Azzurra italiana. Corremos à redação do Russell para fechar com radiofotos o último caderno de uma edição forrada de anúncios e já 80% impressa. Foi uma aposta arrojada e um faturamento recorde para Fatos&Fotos, a primeira revista brasileira a chegar às bancas, na manhã de terça-feira. Se o Brasil perdesse, toneladas de papel sujo iriam para o lixo...
Toda essa bravura não bastou para me segurar na chefia de Fatos&Fotos. Em setembro de 1970, passei o bastão para o Raul Giudiccelli — incumbido de fazer uma revista “menos séria” — e fui deslocado para a chefia de redação da revista mensal EleEla, dirigida por Carlos Heitor Cony, para mim um verdadeiro prêmio, depois das loucuras e sofrimentos na F&F. Foram tempos difíceis, mas, parodiando o grande Vinicius, posso dizer que meu caso de amor com a Fatos&Fotos foi eterno enquanto durou. . .