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domingo, 8 de junho de 2014

Livro de Nélio Rodrigues resgata histórias do rock nativo nos agitados anos 1960

Thre Brazilian Monkes na marquise da loja Ponto Frio, em Copacabana, em 1967. Reprodução

por Roberto Muggiati (Especial para a Gazeta do Povo)
Só podia acontecer naquela década e no bairro de Ipanema. Dois padres “prafrentex” da Igreja de Nossa Senhora da Paz (e Amor), querendo ampliar o seu rebanho, abrem o sacrossanto templo para a música do demônio: o rock. O dia escolhido para aquela ousada missa – 11 de julho de 1966, uma segunda feira – e a hora, 14h30, rompiam com todos os padrões da liturgia católica. Cabeludos, como era de rigor, os Brazilian Bitles instalam sua parafernália em pleno altar, a bateria parece um monstro profano em meio às flores e às imagens. Embora toquem a “Ave Maria” de Gounod, o clima é de histeria. Três mil pessoas ficam do lado de fora e criam um verdadeiro tumulto nas ruas do bairro em pleno horário comercial.
O episódio é contado no livro Histórias Secretas do Rock Brasileiro (Grupo W5), recém-lançado por Nelio Rodrigues, um ex-professor de biologia que virou pesquisador de rock, autor do livro Os Rolling Stones no Brasil (2000). Como salienta o jornalista Guerra no prefácio, Nelio “coloca no lugar as peças de um quebra-cabeças que, até hoje, ninguém tinha se interessado em montar.” Ele trata de uma época esquecida: da primeira metade dos 60 ao início dos 70. E, como salienta Leo Jaime no posfácio: “Vivíamos um período rico em vertentes e experiências, ainda que a ditadura deixasse tudo meio 
Na verdade, estes roqueiros, embora expostos à mídia, aparecendo até na tevê, foram massacrados pela concorrência de “cachorros grandes” como a bossa nova, a jovem guarda, a nova MPB, a era dos festivais, a Tropicália e os próprios ídolos que procuravam imitar: Beatles, Stones & cia. Como agravante, sofriam com a má qualidade dos instrumentos e a falta de logística para os shows. Eram apoiados apenas por uma pequena corte de fieis, que os acompanhava até o inferno, pelas namoradas e – nem sempre – pelas famílias. Remando contra a corrente, acabaram evoluindo dos bailinhos em clubes para concertos em teatros ou ginásios. Rejeitados pela esquerda como colonizados culturais, apavoravam a direita com sua imagem de cabeludos sujos e rebeldes.
Mas alguns capitalistas mais espertos enxergavam o seu potencial marqueteiro. Os Selvagens e The Brazilian Monkes (sic) foram contratados para tocar na marquise da loja Ponto Frio em Copacabana, numa promoção para aquecer as vendas de inverno em julho de 1967 – outro episódio que promoveu, principalmente, o caos urbano.
The Brazilian Bitles na capa do Cruzeiro, em 1967
Ousadia
Dos roquinhos banais a cena foi transmigrando para a psicodelia e o progressivo. O Módulo 1000, por exemplo, teve um álbum rejeitado pela gravadora que se tornou cult no estrangeiro. Nelio Rodrigues conta: “Apesar dos problemas, a banda se sentiu orgulhosa. Não Fale com Paredes era ousado, diferente de tudo que as gravadoras despejavam no mercado. Vinha em uma embalagem luxuosa, cuja capa se abria em três partes, expondo na parte interna uma pintura psicodélica dos rapazes. Zezinho, o dono da Top Tape, não gostou de nada. Julgou a capa dispendiosa e exagerada. O que saía dos sulcos do disco o deixou bufando de raiva. Furioso, reuniu os músicos e vociferou em alto e bom som: ‘Este disco é uma merda e não dá para explicar uma merda dessas!’”
Os nomes das bandas são bizarros: Analfabitles, A Bolha (ex-The Bubbles), Os Abutres, Os Selvagens, Equipe Mercado, Soma. A maioria se concentra no Rio de Janeiro. Mas, do outro lado da baía, o rock também se agita. Em Niterói, Os Lobos arranjam para o Festival Internacional da Canção de 1971 uma música de um tal de Raulzito, “Eu Sou Eu, Nicuri É o Diabo”. A música os classifica para a fase final. E Raulzito, líder do grupo Os Panteras, também se classifica, cantando “Let Me Sing, Let Me Sing”. “... o novo Raulzito, ou melhor, Raul Seixas. O rocker baiano surgiu no palco do Maracanãzinho vestido a caráter, com calça e jaqueta de couro (...) e exibia, como complemento da estampa, um enorme topete imerso em gumex.” O pior é que, no registro histórico, críticos e jornalistas se confundem e atribuem a interpretação de Nicuri no FIC a Raul Seixas, e não a Os Lobos.
Além de se infiltrarem nos grandes festivais, algumas destas bandas malditas também deixaram sua passagem marcada no celuloide. Os Bubbles aparecem com destaque no filme Salário Mínimo (1970), dirigido pelo veterano Adhemar Gonzaga; e, como A Bolha, em 2005, comparecem na trilha do filme de Ana Maria Bahiana e José Emílio Rondeau, 1972, uma celebração daqueles tempos. Já os Brazilian Bitles pontificam em 1966 na comédia de Watson Macedo Rio, Verão & Amor.
Sementes
São Paulo também dá a sua contribuição. Como os Beatles na zona do meretrício de Hamburgo, o Som Beat toca até as cinco da matina em Santos num inferninho da marujada, o Sweden Bar. Daí ganha um fabuloso upgrade “no epicentro da badalação paulistana, a rua Augusta,” com direito a shows na tevê, à gravação de um compacto pela RCA e a ter entre seus fãs ninguém menos do que Roberto Carlos.
Outra história curiosa é a de O Terço, um grupo que marcou aquela época. “O ano de 1969 estava bem adiantado. O que se iniciava era uma longa aventura rodoviária, que partia do Rio com destino a Corumbá (MS). Amontoados na Kombi de Sérgio Hinds, com este ao volante, Vinícius Cantuária, Jorge Amiden, João e Robertinho dividiam o espaço limitado do veículo com guitarra, baixo, violões, bateria e amplificadores. Eles se autoproclamavam Os Libertos, não como um acinte ao governo militar. A intenção era outra, mais ingênua. Mesmo assim acabaram presos em Bauru (SP). Naqueles tempos, cabeludos não eram bem vistos pelas autoridades policiais, ainda mais em uma cidade do interior. Se não eram drogados, talvez fossem subversivos. Ou as duas coisas ao mesmo tempo.”
Quem escreveu o epitáfio daqueles anos heroicos – agora ressuscitados pelo livro de Nelio Rodrigues, foi Diana Dasha, cantora da Equipe Mercado, que só gravou um compacto duplo e teve uma canção inserida em uma antologia: “Éramos universitários, vivendo a utopia em meio aos Anos de Chumbo. Nossa transgressão era uma resposta a todo aquele ambiente repressor. Frustra um pouco não termos deixado registros melhores, mas acho que nossa semente, de alguma forma, vingou.”
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