Tom Jobim na Rua Codajás, Leblon. Foto Instituto Tom Jobim |
Jornalismo, mídia social, TV, streaming, opinião, humor, variedades, publicidade, fotografia, cultura e memórias da imprensa. ANO XVI. E, desde junho de 2009, um espaço coletivo para opiniões diversas e expansão on line do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", com casos e fotos dos bastidores das redações. Opiniões veiculadas e assinadas são de responsabilidade dos seus autores
Redação da Manchete, 1972: Ruy Castro e Narceu de Almeida, repórteres da revista, Foto Acervo Pessoal. |
Mais um das nossas cores vai integrar os quadros da ABL. Com o ingresso de Ruy Castro na Academia Brasileira de Letras, a revista Manchete amplia a lista de seus redatores eleitos para a casa de Machado de Assis. Citando à vol d’oiseau, foram o romancista Josué Montello (1954), o teatrólogo e ensaísta R. Magalhães Jr (1956), o jornalista e educador Arnaldo Niskier (1984), o jornalista e poeta Ledo Ivo (1986), o jornalista e escritor Murilo Melo Filho (1999), o historiador e ensaísta Afonso Arinos Filho (1999), o jornalista e romancista Carlos Heitor Cony (2000), o jornalista e escritor Cícero Sandroni (2004).
Paulo Coelho inova: fardão com espada de samurai. |
Pouca gente sabe, mas Paulo foi correspondente da revista em Londres no final dos anos 70. Editor da revista na época, lembro de poucas pautas suas: uma matéria sobre o Museu Sherlock Holmes na Baker Street, outra, tipo relatório oficial, sobre a despoluição do rio Tâmisa. Talvez já estivesse tramando as alquimias que fariam dele o autor da obra mais traduzida do mundo, segundo o Livro Guinness dos Recordes.
Tem também uma vinheta histórica envolvendo o radialista da Manchete Roberto Canazio. Funcionário da Academia Brasileira de Letras, ele aparece numa foto segurando a urna em que foram incinerados os votos por carta da polêmica eleição de 1975 em que o ex-presidente JK foi derrotado pelo obscuro escritor goiano Bernardo Elis.
Como saideira, gostaria de lembrar o envolvimento de Ruy Castro, repórter iniciante de Manchete, em 1967, com a posse de Guimarães Rosa na Academia Brasileira de Letras. A memória foi escrita por Ruy 50 anos depois para a Folha de S. Paulo e reproduzida no Panis. Leia a seguir.
SEXTA-FEIRA, 17 DE NOVEMBRO DE 2017
A entrevista que não houve
por Ruy Castro (para a Folha de São Paulo)
RIO DE JANEIRO - Por esses dias de novembro de 1967, há inacreditáveis 50 anos, eu estava telefonando para Guimarães Rosa em nome da revista "Manchete", pedindo uma entrevista.
Naquela semana, Rosa finalmente tomaria posse de sua cadeira na Academia Brasileira de Letras, para a qual fora eleito por unanimidade em 1963. Ainda não a assumira porque, médico e cardíaco, temia não sobreviver à cerimônia. Mas agora era a hora.
Nunca entendi por que Justino Martins, diretor da "Manchete", me confiou a tarefa. A revista estava cheia de repórteres experientes —dois deles os poetas Lêdo Ivo e Homero Homem, certamente amigos de Rosa. Eu tinha, se tanto, seis meses de profissão e acabara de chegar à "Manchete". Mas foi assim. Justino convocou-me à sua mesa, deu-me o número do telefone de Rosa e só me recomendou que chamasse o homem de embaixador —o que Rosa também era.
Naquele mesmo dia, telefonei. O próprio Rosa atendeu e, muito amável, se desculpou, alegando que estava escrevendo seu discurso de posse e não podia parar para dar entrevistas, mesmo que fosse para "Manchete". Eu insisti, "Mas, embaixador...". E ele, firme. Talvez tocado pela evidente juventude do repórter, sugeriu que eu telefonasse no dia seguinte —quem sabe já teria terminado o discurso. Fiz isto, mas, não, ele não havia terminado. Como consolação, disse que, se eu fosse à cerimônia, me daria uma cópia do texto.
Rosa tomou posse na quinta-feira, 16. Ao fim do discurso e sob a chuva de aplausos, saiu pelo salão apertando mãos, como se levitasse. Parecia encantado, não via ninguém –só a mim cumprimentou duas vezes, sem saber quem eu era. E o coração resistiu bem, não o traiu.
Deixou para traí-lo três dias depois, na noite de domingo, 19, no seu apartamento, em Copacabana.
E eu me esquecera de pedir-lhe o discurso.
Reprodução Estadão. Clique 2x na imagem para ampliar |
Reprodução Folha de São Paulo |
por José Esmeraldo Gonçalves
Abobrinhas eram os muitos bytes de informações que eram guardados na memória dos jornalistas cinéfilos. Se eram úteis? Vá saber. Mas rendiam horas de bom papo. Na redação da Manchete e da Fatos & Fotos as abobrinhas eram chamadas de trívias. No caso, a palavra indicava uma espécie de jogo: o da arte de responder questões aleatórias pouco ou nada conhecidas sobre atores, atrizes e filmes. Na Manchete raros tinham a chave do portal que levava àquela dimensão oculta de Hollywood. O próprio Ruy Castro, Roberto Muggiati, George Gurjan, José Guilherme Corrêa e Valério de Andrade. Estes formavam o conselho supremo da trívia no tempo em que o Google não estava lá para revelar que Humphrey Bogart era careca ou que Marylin Monroe tinha QI maior do que o de Isaac Newton, entre outras deliciosas digressões.
Um dos diagramadores da Manchete, J.A. Barros, também cinéfilo, costumava aplicar um desafio aos críticos de cinema que adentravam a redação. Era o Teste Guilaroff. De repente, como se sacasse um revólver Peacemaker na Main Street de Tombstone, Barros disparava a pergunta; "Você sabe quem é Sydney Guilaroff?" Nove em dez vezes o crítico rateava. Era a deixa que o Barros esperava para fazer uma bio do personagem hollywoodiano que ele identificara nos minúsculos créditos antes do the end de muitos filmes. E Guilaroff era figura importante como se vê no link abaixo em post de Roberto Muggiati sobre o teste que, para o seu criador, o Barros, separava os cinéfilos de raiz do resto da humanidade.
https://paniscumovum.blogspot.com/2021/02/o-teste-guilaroff-de-cinefilia-por.html
Foi ouvindo jazz numa tarde de domingo na Boate do Hotel Plaza que conheci Silvinha Maconha. Voltava para Curitiba de uma daquelas viagens boca-livre da época, o Congresso Nacional dos Jornalistas em Fortaleza. Oportunidade também de fazer turismo. Em Fortaleza, fiz um empolgante passeio de jangada e, no aristocrático Clube Náutico, dancei com a filha do governador Parsifal Barroso. No Recife, conheci a Praia da Boa Viagem e provei o sarapatel famoso do Buraco da Otília. Em Salvador fui à Lagoa do Abaeté e depois comi um peixe frito inesquecível numa birosca de sapê na praia de Itapoã. O Rio ficou para o fim de semana, antes de pegar o batente segunda à noite na Gazeta do Povo. Era setembro de 1959, havia algo no ar além dos aviões de carreira: a corrida espacial URSS vs EUA. No dia 14, a sonda Luna 2 tornava-se o primeiro objeto da Terra a atingir a Lua. O foguete foi esterilizado para não contaminar o querido satélite com bactérias terrestres – vejam só como nós, terráqueos éramos atenciosos, até os comunistas... No dia 20, domingo, fim de tarde, eu e dois amigos jornalistas da minha idade ocupávamos uma mesa estratégica no Bar do Hotel Plaza, em Copacabana. Aconteciam ali jam sessions que ficaram famosas, jovens músicos como os irmãos Castro Neves começavam a fazer o seu nome. O jazz era a trilha sonora da nossa geração, que pautava seu estilo de vida naquele dos beats.
Ainda não se falava em revolução sexual, mas ela nos aguardava ali na esquina. Eu já me via totalmente fora do esquema ancestral noiva virgem + diploma = casamento. Sonhava com uma paixão existencialista, amor e sexo no mesmo pacote. E foi assim que surgiu do nada, no bar do Plaza, a garota da hora, sacudindo a cabeça ao suingue do bebop. Estava a poucas mesas de distância, eu a vi, ela me viu, nossos olhares não se desgrudaram mais. Como eram longos aqueles improvisos de jazz... No primeiro intervalo, fui até ela e a convidei à nossa mesa. Ofereci do nosso uísque, éramos aqueles rapazes curitibanos de terno e gravata que bebiam com o litro de Scotch na mesa. A música nos impedia de conversar, era tudo o que queríamos. Saímos para tomar um ar, a tarde caía na Prado Júnior, a rua lavada por uma pancada prenunciando a primavera.
– Para onde vamos? – tateei.
– Hotel Cardoso. Chame aquele táxi ali.
O táxi pegou a Avenida Atlântica rumo ao Vidigal. Ainda em Copacabana, minha companheira de viagem abre intempestivamente a janela do táxi e saúda a Princesinha do Mar com um generoso jato de vômito. Bebendo a tarde toda de barriga vazia, o upgrade da cerveja para o uísque foi fatal. O Cardoso, vovô dos motéis cariocas, ficava no começo da Niemeyer, perto do local onde plantariam o Sheraton nos anos 70. Um hotelzinho modesto, três andares, sem elevador, muito distante da futura arquitetura de motel de ostentação brega que assolaria o Rio. Minha amiga encontrou no banheiro um pequeno tubo amarelinho de Kolynos e o esgotou escovando os dentes com os dedos. Existencialistas com toda razão, fizemos o que mandava o nosso coração.
“A própria Silvinha ‘Maconha’ (n. 1934) tinha esse nome não por fumar maconha (pelo menos na época, ninguém a via usar o produto), mas por parecer ainda mais ‘marginal’ que a média das moças do Arpoador. Era morena, usava óculos escuros de Marlon Brando em O selvagem e tinha uma cicatriz no queixo (caíra da garupa de uma moto.) O que a tornava diferente das outras era o fato de ser bem liberal a respeito de com quem ia para o banco do jipe ou do Chevrolet – um dos privilegiados, Jomico Azulay, sete anos mais moço do que ela, definiria sua noite com Silvinha como ‘o mundo antes e depois de Copérnico’. Mas era também querida e respeitada: escrevia contos, recitava Jacques Prévert (‘Rappelle-toi, Barbara/ Il pleuvait sans cesse sur Brest ce jour-là...’) e era assídua às jam sessions do Beco das Garrafas. As amigas a viam como ‘mais livre’, só isso.”
Que pena, não vi o mundo antes e depois de Copérnico com Silvinha, mas guardo do episódio – talvez justamente por causa dos seus desacertos – uma bela lembrança.
Outro dia me veio à cabeça: “A Silvinha, com 87 anos, seguramente já tomou a segunda dose da vacina”. Onde anda você, Silvinha Maconha? Você bem que podia me aparecer para trocarmos figurinhas sobre aquela tarde de setembro que nem sei mais ao certo se aconteceu...
Mais um templo da boemia carioca cerrou suas portas por causa da pandemia e outras mazelas nossas: o Vilarino, o sacrossanto local do encontro de Antônio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes. Mas nem tudo está perdido: a Spaghettilândia segue aberta. O leitor poderá interpelar: e que diferença faz,? Qual a contribuição da Spaghettilândia (!) para o patrimônio sociocultural brasileiro? Enorme, imensa, digo eu – e tomo a liberdade de transcrever uma crônica do confrade-in-Panis Ruy Castro endossando minha opinião:
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São Paulo, sábado, 13 de agosto de 2011 |
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RUY CASTRO O
mistério da Spaghettilândia
RIO DE JANEIRO - Dois grandes poetas, Augusto de Campos e Ferreira Gullar, estão brigando pela Folha a respeito de Oswald de Andrade. Começou quando Gullar, na Ilustrada, mencionou um almoço com Augusto na Spaghettilândia, no Rio, em 1955, em que, segundo Gullar, Augusto teria se referido a Oswald como "irresponsável", alguém a não se levar muito a sério numa possível revolução da poesia brasileira. Em réplica, Augusto negou que tivesse havido tal encontro na Spaghettilândia. Na tréplica, Gullar confirmou o almoço e deu a localização do restaurante. Disse que era perto do jornal onde trabalhava. Ora, como os jornais do Rio ficavam no centro, só pode ser a Spaghettilândia da rua Álvaro Alvim, na Cinelândia - não a de Copacabana ou a do Largo do Machado, que eram suas filiais. Talvez isto jogue alguma luz na refrega. Gullar reforçaria seu argumento se dissesse o que comeram -se é que comeram -, mas ainda não fez isto. Como ex-cliente da Spaghettilândia, posso arriscar alguns palpites. O forte do cardápio, vide o nome, era o espaguete, ao sugo ou à bolonhesa, sempre cozido demais, ou uma lasanha cujas lâminas de massa, presunto e mozarela também não eram de deixar saudade. Augusto, como bom paulistano e desconfiado das massas cariocas, não se passaria por essas sugestões, donde esnobaria o nhoque e a goela de pato da Spaghettilândia. Se o almoço de fato aconteceu, é mais provável que ele tenha optado pelo frango a passarinho ou por um infalível strogonoff, com pudim de Leite Moça na sobremesa. E, como nenhum dos dois era de beber, devem ter regado tudo com Caxambu. Acho comovente que a humilde Spaghettilândia, de pé até hoje e no mesmo lugar, fosse cenário de um almoço tão importante para os destinos da poesia nacional. Almoço esse de repente sub judice, com o garfo a meio caminho. PS (RM)• Para
encerrar: jornalista curitibano, na minha primeira incursão ao Rio de
Janeiro, em março de 1955, hospedado no apartamento de uma tia, eu costumava
comer na Spaghettilândia de Copacabana. Como o Ruy descreve, a comida da
Spaghettilândia não era de deixar saudade – mas seus preços eram imbatíveis e
a ambiência da Capital Federal persiste em minha memória até hoje. Copacabana
era um bairro elegante, suas ruas e calçadas impecavelmente limpas, as
pessoas bem vestidas. Sua Spaghettilândia, a maior de todas, vivia cheia de
gente que ainda sabia o que era ter um emprego: lojistas, balconistas,
bancários, jornalistas, estudantes e professores, funcionários públicos (os
chamados “barnabés”). Tive uma ideia: já que a pandemia impede o presencial, acho que vou providenciar uma delivery de sabor proustiano da Spaghettilândia para o Ruy Castro no seu apê do Leblon. O que vai ser, Ruy? Spaghetti ou lasanha? Será que ainda servem a famosa goela de pato? Recortes do Vilarino na Manchete (1952, 1953 e 1975
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Domingo, cinco de julho de 1964: Muggiati, Sabino e Narceu na Catedral de Rouen, voltando para Londres de uma visita a Vinícius de Moraes em Paris. Foto: Arquivo Pessoal |
Sábado de Aleluia, 17 de abril de 1965, em Cambridge. Narceu entre Lina Muggiati e Celina Luz. Foto; Arquivo Pessoal |
Honor Blackman no Baile das Celebridades, em 1965, no Rio. A atriz participava do festival internacional de cinema que homenageou o 4° Centenário da Cidade Maravilhosa. Foto Manchete/Reprodução |
E no filme Goldfinger contracenando com Sean Connery. Foto: Divulgação |
Narceu de Almeida teve um caso com Honor Blackman. Ele entrevistou a atriz para a Manchete. No texto uma revelação: a bondgirl adiou a volta a Londres por três semanas para "conhecer melhor o Rio". |
O quadro de Harry Elsas no restaurante da Frei Caneca: dramaticidade expressionista inibia apetites. |
Terça-feira, 17 de dezembro de 1972: na redação da Manchete, Narceu, 39 anos, com o jovem Ruy Castro, 24 anos. Foto: Arquivo Pessoal |
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Eremita, Cony e Tia Zeffa. |
Festa de meus 40 anos com Moët-Chandon: Layrton Cabral (Lalá), Antonio Rudge, o Eremita, Justino, Wilson Cunha, ao fundo Murilinho. |
No Santa Genoveva, com direito a escultura de Krajcberg, 1997. |
eresópolis, 8-10-1977, sábado, aniversário do Adolpho: Machadinho,
Wilson Cunha, Heloneida Studart, o Eremita, Flávio de Aquino,
Ceres Feijó, Célio Lyra. |
Ruy Castro (Ed Sá) e Narceu de Almeida (Capelinha) em 19-12-72. |
A Santa Ceia em cor: Alberto, Ivan, Cunha, Flávio, ao fundo Sammy Davis Jr, Eremita, Heloneida, Magalhães, Passos, Argemiro, Pedrão, Ney, Cony, Irineu. |
Almoço para Lula no Russell na véspera da votação do 2º turno, sábado 16-12-89. Teria sido na Manchete que Brizola pela primeira vez chamou Lula de "sapo barbudo". |