Mostrando postagens com marcador fatos & fotos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador fatos & fotos. Mostrar todas as postagens

domingo, 15 de outubro de 2023

João Américo Barros (1931-2023): algumas linhas e imagens para a última página

João Américo Barros.
Paraty, 3 de setembro de 2023.
Foto: Arquivo Pessoal

por José Esmeraldo Gonçalves 

Esta última foto do João Américo Barros nos remete a um instante de profunda paz. Ele esteve em Paraty, no primeiro fim de semana de setembro, com a filha, Lúcia, e o genro Fernando e, de lá, enviou uma mensagem no whatsapp contando suas impressões da cidade. Barros gostava muito de História e a "capital" colonial do Ciclo do Ouro inspirou seu comentário. No domingo, dia 3, qundo voltava de Paraty enviou o que seria a derradeira mensagem. Queria saber do resultado do GP de Monza. A Fórmula 1 era outro dos seus interesses além do Flamengo que, naquele domingo, lhe deu a alegria de derrotar o Botafogo. "Em tempo: ganhamos do Bota", assim ele encerrou o papo virtual. Apenas dois dias depois foi atendido em emergência e, em seguida, levado à UTI com sintomas de uma pneumonia que resultou em infecção generalizada. Não foi embora sem luta. Aos 92 anos, resistiu por mais de um mês. 

O faixa preta Barros foi homenageado pelos colegas do aikido. Maio de 2023.
Foto: Arquivo Pessoal

A segunda foto foi feita em maio desse ano. Registra uma homenagem que a turma de aikido fez ao atleta que era faixa preta desde 2011, quando completou 80 anos. A imagem também é simbólica do seu jeito de ser. Barros não se isolou no outono da vida. Mantinha-se ativo no Facebook, voltou a pintar, era bem informado, conversava sobre política, sempre civilizado e ora com esperança ora com decepção. 

Em um dos seus artigos, ele abordou o ataque
à democracia em 8 de janeiro.

Lamentava não ter tempo para ver o Brasil que sonhamos, socialmente justo e desenvolvido, virar enfim uma realidade. Publicou neste blog reflexões políticas, profissionais e pessoais.

Bem no começo dos anos 1980, o então chefe de Arte da Fatos & Fotos, Ezio Speranza, deixou a Bloch. Barros, que entrou na editora como diagramador da revista Tendência e, em seguida, tornou-se diretor de Arte da Manchete Esportiva, foi indicado para o posto. Era o nome certo. Carregava no currículo nada menos do que O Cruzeiro, a mais importante revista ilustrada do Brasil até meados do anos 1960. Após uma temporada na FF, até 1986, ele foi transferido para a principal publicação da Bloch, a Manchete. Brincávamos que se tornara tríplice coroado como chefe de Arte por ter passado pelo O Cruzeiro, Fatos&Fotos e, finalmente, Manchete, as três revistas mais conhecidas no segmento ilustrado de atualidades e variedades. Trabalhei com o Barros por mais de 15 anos. Certamente enfrentamos bons e maus momentos naquelas revistas semanais intensas e desafiadoras. Este blog, para o qual ele criou o logotipo costuma recontar memórias das redações. Vou citar dois momentos que, tenho certeza, foram marcantes nas nossas trajetórias profissionais. Um de frustração e outro de realização. Em 1984, a Fatos & Fotos agonizava em praça pública travada por pouco investimento e baixa circulação em uma época em que a Bloch priorizava a decolagem da Rede Manchete. Carlos Heitor Cony, o diretor, Barros, o diretor de Arte e eu, editor-executivo, não aguentávamos mais carregar aquele fardo. Conversávamos os três sobre o que poderíamos propor à direção da empresa. 

João Américo Barros, José Esmeraldo e Carlos Heitor Cony.
Foto: Jussara Razzé
 

Cony pensou no assunto e, um dia, nos convidou para uma reunião fora da sede da Bloch. A ditadura também agonizava naquele época, talvez até mais do que a FF, embora ainda exibisse força.  Os milicos conseguiram barrar as Diretas-Já e manobravam para eleger Paulo Maluf no famigerado Colégio Eleitoral quando o nome de Tancredo Neves se impôs como uma alternativa. Cony havia sido convidado por Tancredo para dar  consultoria sobre a campanha. Foi várias vezes a Belo Horizonte. A ideia era - apesar de se tratar de uma eleição fechada em um Colégio eleitoral espúrio, criado pela ditadura, tentar falar com a população, procurar captar parte da força que o país demonstrara na épica jornada das Diretas-Já. 

Barros no Hotel Novo Mundo em 2005: almoço comemorativo
dos 20 anos do lançamento da revista Fatos: o melhor fracasso das nossas vidas.
Foto: Jussara Razzé  

E foi essa possibilidade de mudança no Brasil que Cony usou como argumento para levar a Adolpho Bloch a sugestão de fechar a Fatos & Fotos e lançar a Fatos, uma revista semanal de informação, análise, cultura, economia, política, reportagens investigativas e um time de colunistas, redatores e repórteres de referência. Em uma segunda reunião, fizemos um projeto detalhado para a Fatos. Barros criou o visual da nova revista. Foi feito um número zero, que Adolpho aprovou apesar da resistência de outros diretores. A primeira edição foi lançada em março de 1985. O que não sabíamos era que aquela resistência logo se transformaria em forte campanha interna liderada por pelo menos um jornalista que havia sido informante da ditadura e que mobilizou outros editores da Bloch em uma espécie de brigada contra a Fatos. Após um ano e quatro meses, a "jihad" formada pelo dedo-duro se transformou em sanção financeira. A empresa passou a atrasar sistematicamente o pagamento dos colaboradores, a maioria freelance. As reclamações da equipe, justas e insuportáveis, levaram Cony a virar literalmente a última página da Fatos, um projeto pelo qual lutamos até onde foi possível. Mais uma vez tivemos uma conversa a três e concluímos que não havia mais condição de tentar por em pé uma revista proscrita na própria editora. E, assim, as luzes da redação foram apagadas e eu e o Barros fomos incorporados à Manchete. Cony manobrou junto à direção da Bloch e parte da equipe foi acomodada em outras publicações da casa. 

Ficou o gosto amargo das noites insones de fechamento, do esforço perdido. A realização só viria cerca de 20 anos depois. A Bloch não existia mais em 2005 quando um grupo remanescente da antiga equipe da Fatos organizou um almoço no Hotel Novo Mundo para marcar os 20 anos do lançamento daquela revista, se viva ainda fosse. Foi durante esse encontro que nasceu a ideia de uma coletânea com as memórias dos bastidores das redações da Bloch. Depois de três anos de trabalho, com base em um projeto gráfico idealizado por J.A.Barros, foi lançado o livro "Aconteceu na Manchete - as histórias que ninguém contou" (Desiderata). Cony chamou a coletânea de "nossa pequena vingança" - e escreveu isso na página de rosto de um exemplar que autografou para mim. A história da Fatos e da "jihad" contra a revista estava lá, exposta e revelada. Naquele dia 3 de novembro de 2008, há 15 anos, com a Livraria da Travessa, no Leblon, lotada de amigos, a frustração foi curada. 

No capítulo que escreveu para a coletânea - "Quarenta e seis anos paginando os fatos e as fotos" - Barros contou sua longa e brilhante trajetória no jornalismo. Em meio às recordações, ele comentou o processo de informatização da Bloch Editores na segunda metade dos anos 1980. Designer formado no lápis, Barros assimilou com rapidez e naturalidade as novas tecnologias. Os analistas de computação mais jovens costumavam duvidar da capacidade das gerações mais rodadas dominarem hard e software. Ele desmoralizou o preconceito. Em poucas semanas tornou-se amigo de infância do Macintosh. Esse era o Barros. Vá bem, irmão.                                          

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Arqueologia em centro de tortura: não vão encontrar o meu esqueleto nos porões do DOI-Codi, mas faltou pouco... • Por Roberto Muggiati


Vladimir Herzog em foto na redação na TV Cultura. O jornalista cfoi assassinado por torturadores da ditadura militar no DOI-Codi, em São Paulo, no dia 25 de outubro de 1975.
Foto Reprodução TV Cultura

A coordenadora do projeto, Déborah Neves (à esquerda): pesquisas tentam identificar
indícios de vítimas ditadura militar torturadaas e assassinadas no DOI-Codi paulista.
Foto de Felipe Bezerra/Jornal das Unicamp 

Durante quinze anos – de 1969 a 1983, funcionou nos fundos da 36ª Delegacia
Policial de São Paulo, na Rua Tutoia, o DOI-Codi (Destacamento de Operações de
Informação – Centro de Operações de Defesa Interna) – um complexo criado pela
ditadura militar para torturar e exterminar opositores do regime. De 1969 a 1983,
mais de sete mil pessoas passaram por lá e algumas não saíram, como Vladimir
Herzog, que não resistiu aos castigos corporais e teve sua morte dissimulada por um
grotesco “suicídio” nas grades da cela. Os prisioneiros chegavam encapuzados e
ficavam presos em celas diminutas, incomunicáveis e sem direito a defesa, à espera
das torturas.

Cinco universidades públicas, entre elas a USP e a Unicamp, iniciaram um
projeto de escavação no local onde ficava o DOI-Codi para fazer um levantamento
completo da extensão dos atos de violência ali praticados. Diz Andres Zarankin
professor de antropologia e arqueologia da UFMG, que também participa da
empreitada: “Dente, brinco, cabelo. Anel? Exato. Elementos pequenos que caíram e
vão nos permitir reconstruir essa história, a partir desses fragmentos. Existe toda uma
narrativa por trás desses pequenos objetos e a mesma coisa dentro do prédio”.

Segundo o Jornal da Unicampo, os arqueólogos vão examinar as paredes das celas, para verificar se encontram mensagens escritas nas camadas mais antigas de pintura. E uma investigação inédita
no país vai tentar encontrar vestígios de sangue invisíveis a olho nu, usando luzes
especiais.

O DOI-Codi paulista foi chefiado pelo major Carlos Alberto Brilhante Ustra e
atuou inicialmente de forma clandestina como sede da Operação Bandeirante (Oban),
a partir de 2 de julho de 1969. Cerca de 70 pessoas teriam morrido sob tortura no
local.

Adriano Diogo, militante do movimento estudantil, foi daqueles que chegaram
embuçados ao DOI-Codi. O major que lhe retirou o capuz perguntou:
– Você sabe onde está?
– Não faço a mínima ideia...
– Você está na antessala do Inferno.

Ironicamente, a Rua Tutoia fica no bairro do Paraíso.

Até o final de setembro de 1969 eu morava em São Paulo e fazia parte da
equipe de jornalistas pioneira da revista Veja. Em 9 de dezembro de 1968, numa
badalada noite de autógrafos, lancei o livro Mao e a China; na sexta-feira 13 foi
decretado o AI-5. Verdadeira declaração de amor ao comunismo chinês, último livro
lido por Carlos Lamarca antes de morrer metralhado no sertão baiano, Mao e a China
saiu das estantes das livrarias para exibição em mostras de “material subversivo”
apreendido pelo exército. Eu tinha tudo a ver com Vladimir Herzog: éramos da mesma
idade e ele ocupou minha vaga quando deixei o Serviço Brasileiro da BBC em Londres.
Vários colegas meus da Veja e da Realidade – para a qual eu também colaborava –
foram levados encapuzados para o DOI-Codi.

Minha sorte foi ter trocado a Veja em São Paulo pela chefia de redação da
Fatos&Fotos, no Rio de Janeiro. A volta ao “balneário da República”

Para mais informações sobre as escavações arqueológicas no Doi-Codi de São Paulo, visite o Jornal da Unicamp AQUI

sábado, 6 de agosto de 2022

Jô Soares (1938-2022): tango na redação da Manchete e aniversário da Fatos & Fotos


Jô (Dr. Sardinha) apresenta a Delfim Netto uma cesta de frutas e legumes,
com destaque para o abacaxi. Dizia-se, na ocasião, que Delfim, nomeado ministro da
Agricultura, não distinguia jaca de uva.
   

 

por José Esmeraldo Gonçalves

O celular deveria existir para registrar em vídeo um hábito nunca explicado de Jô Soares ao adentrar a redação da Manchete. O Gordo, sem dizer palavra, enlaçava Adolpho Bloch e saía dançando um tango com ele. A cena era rápida e a chegada do Jô - que tinha muitos amigos na Bloch e de vez em quando ia ao Russell - era inesperada. Se fosse um encontro marcado, algum fotógrafo da casa teria registrado a dança que era silenciosa para a pequena plateia de jornalistas, mas, talvez, sonora na cabeça dos dois: quem sabe, tocava um "Los Mareados", de Hugo Baralis durante a inusitada performance.  

Jô na capa comemorativa da Fatos & Fotos Nº 1000

Jô fez muitas capas para a Manchete. Não há registro de negativa ao pedido de um repórter desesperado para marcar um matéria com o humorista, apresentador e escritor. Na Fatos & Fotos isso aconteceu pelos menos duas vezes. Em 1980, a apenas quatro dias do fechamento, alguém descobriu que chegaria às bancas a edição número 1000 da revista. Nessas ocasiões, a Manchete, o carro-chefe da Bloch, fazia grande números especiais com grande investimento: Manchete 30 anos, 40, 45, Manchete Nº 2000 etc. Para a F&F, que vivia em crise, essas comemorações passavam geralmente em branco. Foi feito um caderno especial de 32 páginas com uma retrospectiva de matérias publicadas pela revista. E a capa? Quem toparia posar em jogo rápido antes do fechamento que se aproximava? Jô. 

O Gordo estava em cartaz com espetáculo em um teatro em São Paulo. A sucursal correu para montar a foto das mil semanas, que aí aparece, com bolo e tudo, feita por Mituo Shiguihara, com produção de Denise Orensztejn. 

Em outra ocasião, Jô posou como cartomante, sem produção, para a F&F. A bola de cristal era um globo de luminária que a reporter Heloísa Marra levou de casa. O turbante, ela comprou em Copacabana. O improviso era para uma matéria sobre previsões para 1981.

Em 1979, a ditadura nomeou o economista Delfim Netto para o ministério da Agricultura. O czar da Economia durante o governo de Garrastazu Médici virou piada. Dizia-se que se fosse a uma feira livre poderia confundir jaca com uva tal era seu conhecimento sobre o setor agrícola. Foi o que bastou para o "Planeta dos Homens" criar o "Doutor Sardinha" para ironizar Delfim. Claro que a Manchete se mobilizou para fazer uma capa com os dois Gordos nacionais. Jô topou na hora, Delfim pode até ter hesitado, mas não perdeu a chance de aparecer ao lado de uma figura tão popular. 

* Jô Soares morreu na madrugada de sexta-feira, 5/8, em São Paulos, aos 84 anos. 


quinta-feira, 11 de março de 2021

Lucia Leme: o adeus da jornalista

 

Com Bethânia e Caetano. Em reportagem de 1985, Lucia Leme juntou os irmãos para a Manchete. A foto é de Antonio Ribeiro/Reprodução Manchete


Reprodução JC&Cia

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Augusto Valentin: o fotógrafo das Certinhas do Lalau era especialista em curvas

 

Valentim em ação. Foto Fatos & Fotos

Vera Viana e Sonia Dutra na F&F

O calendário da Certinhas na Fatos e Fotos

As dez mais Certinhas na Última Hora

Norma Marinho, uma das Certinhas de Valentim no O Cruzeiro, em 1967, 
ano da última edição da lista.

por Ed Sá

O Globo noticia hoje a morte de Augusto Valentin na Flórida, onde morava. O fotógrafo ganhou fama por retratar "As Certinhas do Lalau", uma lista de belas garotas, a maioria estrelas do teatro de revista e da TV,  que agitavam o Rio nas anos 1950/1960. Lalau era o colunista Stanislaw Ponte Preta, o Sérgio Porto. As eleitas estamparam em épocas diferentes a Última Hora, Fatos & Fotos e O Cruzeiro. 

Antes de se especializar nas curvas das mulheres mais sensuais que o Rio já viu, Valentin frequentou outras editorias. Cobriu para o Globo as Olimpíadas de 1948. Foi da equipe de fotógrafos da Manchete a partir de 1952, quando a revista foi lançada. É dessa época uma reportagem que fez sobre o jogo do bicho. Ao lado do repórter Hélio Fernandes, Valentin flagrou a jogatina e os chefões de então em vários pontos da cidade, especialmente na região no Mangue, que era uma espécie de tosca "Las Vegas" carioca. 

Para as estrelas consagradas e em ascensão, posar para Valentin era currículo. Em dupla com Stanislaw, o fotógrafo lançou sex symbols que depois brilharam no cinema e na TV. Rossana Ghessa, Marivalda, Célia Azevedo,  Esmeraldo Barros, Norma Bengell e Elizabeth Gasper são alguns nomes de um longa dinastia que posaram para Valentin. As Certinhas faziam tanto sucesso que a Fatos & Fotos passou a lançar um calendário que estampava a maioria das borracharias cariocas. Nas várias fases das dez mais sensuais, Stanislaw e Valentin nunca abriram mão de um dogma: anoréxicas - a palavra nem era usada, referiam-se a magrelas mesmo -  não entravam. As esquálidas ou as "musas fitness" tortas de músculos que circulam nas redes sociais se aparecessem no estúdio seriam convidadas a se retirarem. 

Valentin tinha um filtro natural contra linhas retas. As objetivas gêmeas da sua Rolleiflex gostavam de registrar curvas. 

domingo, 11 de outubro de 2020

Leila Cravo (1953-2020): o mistério que se foi...



Em 12 de novembro de 1975, há quase 45 anos, a atriz, modelo e apresentadora Leila Cravo foi ao Motel Vip's, no Rio, um programa comum a muitos cariocas. Naquela madrugada, ela foi encontrada nua, gravemente ferida, largada no asfalto da Avenida Niemeyer. Em apuração apressada, jornais e revistas embarcaram nas primeiras versões levantadas pela polícia: aos 24 anos, ela havia tentado o suicídio, depois de um fim de namoro, ou, simplesmente, caíra da sacada de uma das suítes. Quase uma no depois, a investigação não chegou a conclusiva provada. O namorado que acompanhou Leila ao Vip's, um empresário, afirmou que pagou a conta, saiu e a deixou no motel. O casal havia terminado o namoro. Funcionários confirmaram que o namorada de fato tinha se retirado mais cedo.  


Com base no relato de uma pessoa que teria testemunhado Leila Cravo se jogar do Vip's Motel, Manchete chegou a endossar a tese da suposta tentativa de suicídio demonstrada em gráfico, mas ao final do inquérito, nem a polícia não conseguiu evidências dessa versão.

Pouco depois da publicação das primeiras reportagens sobre o caso, alguns indícios começaram a escapar. A ditadura militar que encobria o Brasil não era um bloco coeso, como se sabe. Havia dissidências e um desses grupos, provavelmente para expor um antagonista, teria feito chegar a alguns jornalistas a suspeita de que duas figuras do alto escalão do governo teriam estuprado e espancado a atriz e em seguida refeito a cena do crime para fundamentar versões que não os incriminasse. 

Leila, que na época figurava nas capas das revistas Amiga, Fatos & Fotos, Manchete, O Cruzeiro e Status, dizia que não lembrava do que aconteceu, jamais sustentou qualquer versão, e o caso tornou-se um mistério que aos poucos foi esquecido. 

Leila Cravo, que morava na Urca, morreu de infecção generalizada no dia 5 de agosto, aos 66 anos, no Miguel Couto, o mesmo hospital para onde foi levada naquela madrugada de 1975, e onde a mídia fez plantão dias seguidos. Dessa vez, Leila não foi notícia imediata: sua morte só chegou à imprensa em  2 de outubro, quase dois meses depois.

A única matéria mais completa sobre a morte de Leila foi publicada no UOL pelo jornalista Paulo Sampaio, neste 9 de outubro. O mesmo profissional havia entrevistado a atriz para a revisa JP, em 2015. Dessa vez, ele conversou com Thatiana Cravo, 42, filha de Leila, que traçou um amplo retrato da vida e dos desencontros da mãe e apontou a versão que correu na época sobre os "altos funcionários" envolvidos no caso.

Aparentemente, Leila Cravo levou seu maior mistério.

LEIA A MATÉRIA DE PAULO SAMPAIO AQUI

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Dos arquivos de Guina Ramos - Erasmo Carlos nas esquinas de Ipanema em 1978...


Erasmo Carlos, Ipanema, 1978. Foto de Guina Araújo Ramos.

Reprodução da matéria da Fatos & Fotos. Erasmo lançava a música "Pelas esquinas de Ipanema". 

O blog Bonecos da História, editado pelo fotojornalista e escritor Guina Araújo Ramos, publica hoje antigas fotos de Erasmo Carlos. Em uma delas, o cantor posa na Visconde de Pirajá, em Ipanema.

Seguindo os passos da canção "Pelas Esquinas de Ipanema", com trechos que relatam uma caminhada pelo bairro (Caminhar… caminhar… caminhar/Pelas esquinas/Caminhar… caminhar… caminhar/Pipi-dogs, lanchonetes/Jet-sets e ressacas/ Best sellers, discothéques/Bus-stop e pivetes/Copertone e blue jeans/ Big shots e Jobins etc) Guina retratou o Tremendão para uma matéria da Fatos & Fotos, em 1978, ano de lançamento daquele LP.

Bonecos da História revisitou seus arquivos motivado pela presença de Erasmo Carlos na mídia, hoje, 40 anos depois. O cantor, que comemora 77 anos no dia 6 de junho, está lançando um novo álbum - "Amor é isso". E também está nos cinemas: estreou ontem o filme "Paraíso Perdido", dirigido por Monique Gardenberg, com Marjorie Estiano, Seu Jorge, Humberto Carrão, Hermila Guedes e Júlio Andrade, onde Erasmo faz o papel do dono da boate Paraíso Perdido.

Veja a matéria completa no Bonecos da História, clique AQUI 

sábado, 26 de maio de 2018

Fotomemória da redação - Em 1968, Fatos & Fotos registra brutal agressão ao repórter-fotográfico Alberto Jacob



Reprodução/Fatos & Fotos, abril de 1968

No dia 4 de abril de 1968, Alberto Jacob, um dos mais respeitados repórteres-fotográficos do Brasil, cobria para o Jornal do Brasil a missa em homenagem ao estudante Edson Luís, assassinado dias antes pela Polícia Militar do Estado da Guanabara. Apesar de se identificar como jornalista, Jacob foi brutalmente atacado nas imediações da Igreja da Candelária. Levou ponta-pés, sofreu um golpe de espada na cabeça, teve a câmera apreendida e foi hospitalizado.

A Fatos & Fotos documentou toda a cena. Infelizmente, o crédito da reportagem publicada na edição 376 é coletivo, o que impossibilita identificar o autor da sequência.

Alberto Jacob, que faleceu em setembro de 2017, aos 84 anos, ganhou entre outros prêmios o Esso de 1971 com a célebre foto "A mão de Deus" para o Jornal do Brasil.

Foto "A mão de Deus"/Alberto Jacob/Jornal do Brasil/ Prêmio Esso 1971



terça-feira, 22 de maio de 2018

Alberto Dines: o jornalista que fez diferença

Alberto Dines/ Foto: Reprodução EBC/TV Brasil

O Observatório da Imprensa está preparando uma edição especial sobre Alberto Dines.

Sua vida e legado jornalístico não caberiam nas poucas linhas da nota em que o instituto anunciou a morte do jornalista nesta manhã, aos 86 anos, no hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Dines deixa marcas profundas no jornalismo brasileiro. Seu nome está ligado à evolução e ao aperfeiçoamento da mídia, à ética, à liberdade de imprensa e às referências de várias gerações de profissionais da imprensa. Nas últimas décadas, foi o teórico, sem nunca se afastar da prática, que questionou os rumos do jornalismo.

A prometida edição especial do Observatório da Imprensa certamente contará aos jovens jornalistas que enfrentam atualmente os desafios dos novos modelos e plataformas a trajetória de Dines e suas valiosas lições.




Aqui, registramos dois momentos que ficaram na memória dos tempos difíceis, quando a censura nada virtual era a "ferramenta" que atormentava editores e repórteres. Tentar um drible nos coronéis que ficavam de sentinela nas redações era uma obrigação. Esse jogo gerou pelo menos duas inesquecíveis primeiras páginas do Jornal do Brasil editadas por Alberto Dines.  Uma, quando a  ditadura lançou o AI-5, em 1968, e o recado possível foi dado no quadradinho da previsão do tempo no alto da página. Outra, ao noticiar a queda e morte de Salvador Allende, em 1973. O JB recebera ordem expressa para não publicar foto do sangrento golpe no Chile. E a opção por dar a capa sem foto, com texto em destaque, sem título, obteve maior impacto dramático, exatamente o que os coronéis queriam evitar. Os censores saíram da história pela porta dos fundo, aquela primeira página ficou".

DINES NA MANCHETE E NA FATOS & FOTOS

Alberto Dines chegou à Manchete em 1957 como subeditor e secretário de redação. Não demorou muito foi para o Última Hora, mas já em fins de 1960 voltou à Bloch para dirigir a nova revista semanal da editora de Adolpho Bloch, a Fatos & Fotos.

No livro Maysa, o escritor Lira Neto dedica algumas linhas a uma capa da Manchete editada por Dines.



Em maio de 1957, pela primeira vez Maysa era capa de revista. O então assistente de redação da Manchete, Alberto Dines, encantou-se com os olhos da cantora, captado pelas lentes do fotógrafo Gervásio Batista. Dines não teve dúvidas: rompeu com a tradição dos planos americanos das capas da publicação e estampou um close de Maysa. Resultado: levou um sabão do dono da editora, Adolfo Bloch, que achou um exagero dar tamanho destaque a uma cantora em início de carreira. Mas a capa revelou-se profética. Dali a menos de um ano, Maysa já seria uma das cantoras mais famosas - e mais controvertidas - do país".

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Fotomemória da redação: em 1968, a Fatos & Fotos registrou a lua-de-mel de Rita Pavone no Rio. 50 anos depois a cantora volta à cidade



Fotos de Zulema Rida - Reprodução Fatos & Fotos N° 376
Em 1968, a Itália, como muitos outros países, estava em chamas. Na região central de Roma, estudantes e polícia entravam em choque.

Embora já não fosse o símbolo da rebeldia que em 1962 o sucesso Datemi un martello sugeria, Rita ainda provocava polêmica.

A cantora havia acabado de se casar com Teddy Reno, 41, também cantor, que tinha o dobro da sua idade e era recém-separado. A Itália não aprovara ainda o divórcio e o casamento foi realizado na Suíça. Em meio a críticas e forte julgamento moral por parte da imprensa italiana, Rita e Reno vieram passar a lua-de-mel no Rio. Em em junho de 1968, a cidade também explodia em contestação e violência, mas as passeatas agitavam o Centro e não chegavam até o Copacabana Palace onde a repórter Helena Beltrão e a fotógrafa Zulema Rida, da Fatos & Fotos, foram encontrar o casal.

Eles continuam casados. Teddy com 91 anos e ela com 72.

Cinquenta anos depois da cena acima, na varanda do Copa, Rita Pavone volta ao Brasil. A cantora faz turnê em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo e, no dia 19, se apresenta no Vivo Rio.
 

domingo, 24 de setembro de 2017

A minha Fatos & Fotos: outubro 1969 - setembro 1970



Rua do Russell, 804, 7° andar, 23 de fevereiro de 1970, uma segunda-feira. Eu, por trás da
mesa em L, o Evaldo Vasconcelos atrás, dando suporte telefônico. Ao centro, os três redatores, Paulo Perdigão,
Argemiro Ferreira e Sérgio Augusto. Na foto abaixo, aparecem Ézio Speranza e uma assistente (o Oswaldo
Carneiro está oculto), à direita, o Cândido, o segundo diagramador. E a tela de Brennand -  até os cinzeiros da
Bloch eram assinados pelo artista pernambucano. Foto de Antonio Trindade/Acervo R.M. 

Redação da Fatos & Fotos, 1970. Foto de Antonio Trindade/Acervo R.M

Por Roberto Muggiati

Depois de dois anos marcantes como repórter especial da Manchete, fui convidado no início de 1968 pelo Mino Carta para fazer parte da equipe que prepararia em São Paulo o lançamento da Veja, um ambicioso projeto do Victor Civita de criar uma versão brasileira da Time.

Abri o jogo aos Bloch e disse que, se cobrissem a oferta da Abril, eu continuaria com eles. Foram evasivos e vieram com promessas vãs. Instalaram-me numa mesa grande com um contínuo num grande vazio no terceiro andar da Frei Caneca. Aquilo seria a redação da futura Pais & Filhos, a ser lançada no fim do ano, da qual eu seria o diretor. “Sim, tudo bem, mas e o salário?” O Oscar me respondeu que o salário de diretor seria pago depois que a revista fosse às bancas e se tornasse um sucesso de vendas. Era uma perspectiva muito remota para o meu gosto e, do ponto de vista jornalístico, uma pobre escolha comparada à Veja – ainda mais eu, que filho já fora, mas nunca pensara em ser pai... Depois de um breve bate-boca pedi demissão. O diplomático Paulo Pellicano diretor do Departamento do Pessoal, ainda perguntou ao Oscar se eu me demitira ou fora demitido.

Saí da Bloch com um livro a ser lançado pela editora, Mao e China, cujos cinco mil exemplares ficaram empilhados na gráfica de Parada de Lucas à espera da distribuição para as livrarias. Meses depois, já na Veja, sou procurado em São Paulo pelo Alcídio Mafra, que cuidava dos livros da Bloch, e informado de que o Adolpho não iria mais lançar o livro, em represália à minha ida para a Abril.

Para não ter prejuízo com todo aquele papel já impresso, Adolpho acabou passando Mao e a China para outra editora. Vendo-me como traidor da pátria, dei por encerrados meus dias na Bloch. Mas o exílio em São Paulo não estava me fazendo bem. Passava o dia afundado no trabalho insano na Marginal do Tietê, a Veja não ia nada bem (dos 800 mil exemplares do lançamento em setembro de 1968, a circulação nacional tinha caído para 30 mil em janeiro de 1969) e minha mulher passava o dia inteiro isolada num casarão do Pacaembu com pensamentos suicidas. Foi no auge dessa crise que recebo um telefonema insólito e ouço a voz maviosa do nosso Salomão Schvartzman, o vice-rei da Bloch em São Paulo. Perguntava se eu não gostaria de conversar com o titio no Rio, tinha já uma passagem reservada na Ponte Aérea para mim.

Meu reencontro com o Adolpho se deu numa segunda-feira complicada em que a Manchete fechava a edição com a libertação – na tarde de domingo diante de um Maracanã lotado – do embaixador americano sequestrado. Mas a conversa foi breve e conclusiva: Adolpho me convidava para ser chefe de redação da Fatos & Fotos, cargo vago com a saída do José Augusto Ribeiro, meu companheiro das primeiras lides jornalísticas no jornal do Colégio Estadual do Paraná de Curitiba, em 1952.

Só depois de voltar ao Rio descobri o logro em que caíra. Na redação de Fatos & Fotos peguei os últimos dias do diretor de redação Cláudio de Mello e Souza – queridinho da Lucy Bloch, que foi se empossar do importante cargo de chefe do escritório da Bloch Editores em Portugal e Algarves, em Lisboa. Assim, com um salário de chefe de redação, tiver de fazer em Fatos & Fotos o trabalho de chefe de redação e de diretor da revista.

Fatos & Fotos foi criada no ano da fundação de Brasília por sugestão de Alberto Dines com uma proposta muito bem definida, inspirada na semanal francesa Noir & Blanc: uma revista dinâmica de fotos com textos pequenos. Acontece que o aquecimento do mercado publicitário na segunda metade dos anos 60 – em função da expansão das indústrias automobilística, de eletrodomésticos, de moda, cigarros e bebidas – foi um verdadeiro maná para as revistas ilustradas (bem mais do que para os jornais e para a televisão, que não tinham cor). Criaram-se cadernos em cor na Fatos & Fotos, só para os anúncios, mas acabaram sendo usados também para matérias jornalísticas e a F&F se tornou uma concorrente direta da Manchete. Em 1968, uma equipe de redatores jovens eclipsava os “dinos” da Manchete. Nomes como Lucas Mendes, Nilo Martins, Paulo Henrique Amorim, Ronald de Carvalho, Hedyl Valle Jr, Luiz Lobo – para sorte da Bloch saíram todos na grande diáspora para as revistas da Abril.

Quando passei a dirigir a Fatos&Fotos no final de 1969, a equipe era mínima e o talento local, com destaque para Sérgio Augusto, Paulo Perdigão e Argemiro Ferreira. Vieram depois o Cícero Sandroni, o Juarez Barroso – bom romancista que morreu cedo – o Ely Azeredo, que não resistiu ao ar condicionado e saiu uma semana depois. A gestão da revista era totalmente esquizofrênica: seu padrinho, Alberto Dines, era a essa altura o todo-poderoso editor do Jornal do Brasil. Mas passava toda manhã em F&F para acertar a pauta com a redação. O que o Dines fazia de manhã era desfeito à tarde pelo Oscar e Jaquito, que vinham queimar sua adrenalina na F&F, já que Adolpho os proibia de ciscarem na Manchete, que era terreiro exclusivo dele.

Foi assim que protagonizei a ruptura final de Dines com os Bloch (havia a agravante de que ele era casado com a sobrinha do Adolpho, a Rosaly.) Dines na manhã da quarta-feira, dia de fechamento da revista, que ia às bancas às sextas, definiu a capa: seria João Saldanha, que tinha acabado de se demitir como técnico da seleção brasileira, em reação à tentativa do presidente ditador Emilio Garrastazu Médici, colorado roxo, de escalar por força o Dario Peito de Aço (Dadá Maravilha) no “escrete canarinho”. Mas, naquele dia foram anunciados os vencedores do Festival de Cinema de Punta del Este e o Brasil ganhou o prêmio maior com Macunaíma. Os Bloch, apoiados na filosofia sólida de que “homem na capa não vende” e na exaltação de “mais uma vitória para nossas cores”,  optaram por botar na capa uma bela foto de Dina Sfat e Paulo José, do filme premiado.

Eu tinha de manter Dines sempre informado das andanças na F&F e passei um telex para ele no JB dizendo da escolha de capa dos Bloch. Em resposta, ele mandou um telex nestes termos: “Muggiati, comunique aos Bloch que, se eles não se mostram dispostos a levar em conta o meu tirocínio jornalístico, então estou dando uma de João Saldanha e tirando o time de campo.” E nunca mais Alberto Dines pisou nas dependências de Bloch Editores ou da família Bloch.

Durei menos de um ano na chefia de mais alta rotatividade da empresa. Mas foi um tempo vibrante. Ainda em 1969, fechei as capas com a morte de Carlos Marighela em São Paulo e do Gol Mil do Pelé no Maracanã. Na Copa do México, coube a F&F o malote do primeiro jogo do Brasil. Pincei daquela montanha de fotos o clique imortal do Orlando Abrunhosa, Pelé comemorando seu primeiro gol na Copa com um soco no ar, escudado por Jairzinho e Tostão, batíamos a foto de Os Três Mosqueteiros.

À medida que o Brasil ia seguindo em frente, vendemos muita revista – Manchete e F&F – encartando bandeirinhas e outros suvenires da pátria em chuteiras. Escondido do Adolpho – Hélio Bloch era meu apoio logístico na Fatos&Fotos – imprimimos cadernos inteiros de uma edição especial do tricampeonato. Depois da exuberante final Brasil 4 x 1 Itália, saí correndo de casa do Leme – atravessando multidões que comemoravam a vitória nas ruas, trombei até com o Clovis Bornay – e fui à redação do Russel para fechar as últimas páginas. Fatos&Fotos foi a primeira revista comemorativa do Tri, nas bancas de manhã cedo na terça-feira.

Isso não impediu que eu fosse detonado da chefia da revista – para imenso alívio meu – em setembro, sucedido por Raul Giudicelli, com a proposta de fazer uma revista “menos séria, mais descontraída”.
Costumo encontrar aquele jovem diagramador de nome (e temperamento) Cândido nas ruas de Botafogo. Hoje mesmo, domingo, cruzei com ele na Real Grandeza e perguntei: “E aí, Cândido, saudades da Fatos & Fotos?” E ele respondeu com firmeza: “Muitas saudades, Muggiati, muitas...”

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Memórias da redação: o dia em que Alberto Jacob foi cobrir para Fatos & Fotos a guerra que não aconteceu...


Trechos de um capítulo do livro "Memórias de um repórter", de Fernando Pinto. Junto com o
fotógrafo Alberto Jacob, ele cobriu a "Guerra da Lagosta" para Fatos & Fotos. 

O contratorpedeiro francês Tartu. O primeiro flagrante de um dos navios de guerra que invadiram os mares
do Nordeste durante a chamada "Guerra da Lagosta". A foto de Alberto Jacob, feita a bordo de um helicóptero militar,  foi publicada na Fatos & Fotos, cedida à Marinha do Brasil e reproduzida em jornais brasileiros e franceses. 
Entre 1961 e 1963, barcos franceses capturavam ilegalmente, no litoral do Nordeste, toneladas de lagostas. Pescadores, pequenas empresas e jangadeiros denunciaram a pirataria. As gestões diplomáticas com a França, então governada por De Gaulle, não avançaram e a Marinha brasileira enviou para a região a corveta Ipiranga, que apreendeu o pesqueiro francês Cassiopée.

A França enviou uma força-tarefa de peso, até com o porta-aviões Clemenceau, para as proximidades da área onde agiam os piratas franceses. O governo brasileiro mobilizou mais navios de guerra, a FAB e o 4° Exército sediado em Recife.



O relato reproduzido acima é um trecho do livro "Memórias de um repórter" de Fernando Pinto (Editora Thesaurus). Ele formou com o fotojornalista Alberto Jacob a dupla enviada al mare pela Fatos & Fotos para cobrir a "guerra" que acabou não acontecendo. No campo diplomático, posteriormente, o Brasil teve reconhecidas suas razões no episódio.

Com a foto "A Mão de Deus", Alberto Jacob
ganhou o Prêmio Esso  de 1971,
quando trabalhava no Jornal do Brasil. 
Alberto Jacob morreu na última terça-feira, no Rio, aos 84 anos.
O carioca começou sua carreira na Revista do Rádio, foi contratado pela Sétimo Céu, da Bloch, e integrou as equipes da Fatos & Fotos e Manchete que acompanharam a construção de Brasília, a citada "Guerra da Lagosta", a queda de João Goulart e as passeatas de protesto contra a ditadura.

Transferiu-se para o JB, onde ganhou um Prêmio Esso, em 1971, com a famosa foto da freira quase atropelada por um ônibus. "A mão de Deus" foi o nome com que ele batizou a imagem premiada.

Alberto Abraão Jacob foi um dos grandes mestres do fotojornalismo brasileiro.



segunda-feira, 26 de junho de 2017

Memórias da redação: no tempo em que "trolar" era "tirar sarro"...

(do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", edição on line)

Trolar é uma gíria da internet para zoar, tirar sarro, gozação. O termo é novo mas a prática é antiga.

Na Manchete, duas figuras eram mestres na arte de criar situações fazendo uso de falsos memorandos ou falsas cartas: Alberto Carvalho e Carlos Heitor Cony. A dupla tinha o requinte de guardar papeis timbrados que chegavam à redação e recortar logotipos e cabeçalhos para "oficializar " memorandos ou comunicados. Os textos recriados em tom oficial eram montados na xerox, onde ganhavam uma certa autenticidade. Forjavam assim cartas de cobrança de dívidas, de convite para viagens internacionais e até de intimação policial.

"Uma Noite no Mar Cáspio" enlouquece marqueteiro 

Houve uma época, lá pelo comecinho dos anos 1970, em que foi contratado um executivo cuja função era introduzir na revista modernas técnicas de marketing. Dizem que o sujeito era uma usina de ideias, mas nada do que ele apresentava nas reuniões ia pra frente. O próprio Adolpho Bloch não botava fé nas estratégias do especialista. Para o patrão, o marketing mais importante era a capa da revista que se resumia em duas categorias: "vendeu" ou "encalhou".

Apesar disso, os "projetos" não paravam de jorrar nas reuniões de pauta. Um dia, Cony resolveu sacanear o marqueteiro. Mandou um memorando endereçado para ele próprio, para os setores engenharia, de segurança, de bufê etc e para o expert em marketing, convocando uma grande reunião para discutir um evento chamado "Uma Noite no Mar Cáspio".

Segundo o comunicado, a festa aconteceria ao redor da piscina, no terceiro andar do prédio do Russell e celebraria as origens russas de Adolpho Bloch, ao mesmo tempo em que associava sua trajetória de sucesso à importância da marca Manchete. Seria um evento lítero-musical, como pedia o memorando "da presidência".  A reunião preparatória efetivamente ocorreu. Cony se engajou na própria farsa, compareceu ao local marcado e ouviu, a sério, as várias ideias que foram postas à mesa, enquanto o marqueteiro e coordenador do evento anotava tudo e discutia os comes e bebes, a contratação de um solista de violino, uma projeção de fotos, a lista de convidados etc. Antes de fazer uma saída triunfal da reunião, Cony embaralhou os trabalhos e enlouqueceu o "comitê organizador" ao despejar suas próprias sugestões, que iam de espetáculo pirotécnico à apresentação de um coral de funcionários. Só ao voltar à sua sala, o perplexo executivo, novo na casa, descobriu que "Uma Noite do Mar Cáspio" era tão autêntica quanto "Uma Noite nos Mares do Sul", o famoso baile de carnaval que a Manchete cobria todo ano.

Editor em crise de depressão  

Outra trolagem: Em 1970, o jornalista Raul Giudicelli assumiu a direção da Fatos & Fotos. Talvez para sair do trivial e deixar sua marca na revista partiu pro delírio total: vestiu uma fantasia do Fantasma e convenceu Chico Anysio a fazer uma entrevista com o personagem. A matéria surreal foi publicada na revista.  Cony desencavou nos Serviços Editoriais (o setor da Bloch que recebia material de agências e revistas estrangeiras) um papel timbrado da todo-poderosa King Features Syndicate, detentora dos direitos do Fantasma. Recortou a matéria da Fatos & Fotos e anexou uma carta dirigida ao "Editorial Director Mr. Raul Giudicelli" informando que os advogados da empresa entrariam com um processo por uso indevido de imagem do Fantasma. A causa, dizia o "documento", estava estipulada em 100 mil dólares. Cony só assumiu a brincadeira quando soube que o pobre do Raul Giudicelli estava em crise de depressão e não comparecia ao trabalho havia dois dias, sem saber como dar a Adolpho Bloch a notícia de que a empresa ia entubar um processo milionário.

Jornalista é convocado a comparecer ao Crematório Municipal

Essa foi do Alberto. Um colega redator que já havia ultrapassado a barreira dos 60 anos e era particularmente hipocondríaco (embora gozasse de saúde perfeita) recebeu um dia uma "carta" da Secretaria de Administração Civil do Rio de Janeiro, cujo teor era o seguinte:
DCP/RJ 19/09/
Controle de População
Lei 32.694 de 02/06/1946
Prezado senhor:
Conforme registro do nosso cadastro de controle, verificamos que V. Sª atingiu o limite de idade previsto por lei. Nossos estudos estatísticos indicam que a sua idade não oferece mais nenhuma vantagem para a sociedade. Muito pelo contrário, acarreta uma carga complementar às entidades assistenciais de sua comunidade, bem como o desagrado daqueles que o rodeiam.
Por este motivo, V. Sª deverá apresentar-se ao Crematório Municipal até 8 (oito) dias após o recebimento desta, a partir das 9h00 da manhã, diante do Forno Nº 5, Ala Norte, para que possamos proceder vossa incineração.
Na oportunidade, V. Sª deverá apresentar-se munido dos seguintes documentos e acessórios:
1. Carteira de identidade (original);
2. Protocolo do atestado de óbito em andamento;
3. Comprovante de pagamento da taxa de cremação (autenticada);
4. Comprovante de pagamento do IR dos últimos 5 (cinco) anos;
5. 1 (um) saco plástico (sem propaganda de supermercado) para as cinzas;
6. 2 (dois) metros cúbicos de lenha seca, ou dez litros de gasolina de alta octanagem.
Para evitar qualquer contratempo ou perigo de explosão, fica estipulado que até 48 (quarenta e oito) horas antes V.Sª não deverá ingerir qualquer bebida alcoólica ou mesmo comer batata doce ou repolho, pois provocam reações incontroláveis de alta periculosidade ao ecossistema.
Antecipadamente agradecemos vossa valiosa colaboração e.... ADEUS!!!
Atenciosamente (assinatura)
Subchefe Adjunto Substituto do Assessor do DCP- Departamento de Controle da População.

A redação inteira da Manchete ficou observando o hipocondríaco ler a carta, circunspecto. Ele coçou a cabeça antes de levantar a vista da carta sinistra, ouvir a explosão de gargalhadas na sala e tomar mais um Lexotan.  



domingo, 13 de março de 2016

Memórias da redação: Fatos & Fotos faz bullying com anunciante, que se queixa a Adolpho Bloch, e Cony (90 anos, amanhã) evita demissões

por José Esmeraldo Gonçalves (*)

Entre numerosas funções na Bloch, Carlos Heitor Cony foi diretor da Fatos & Fotos. Acho que nenhum outro editor nos deu tanta liberdade para escrever. Foi no começo dos anos 1980. A ditadura já dava sinais de que não se segurava nos coturnos. Depois da campanha pela anistia, o movimento pelas Diretas-Já apontava no horizonte.

A F&F não estava bem. Circulação caindo, poucos anúncios, parcos recursos. As atenções e os investimentos da Bloch já se voltavam para a TV Manchete. Cony criou uma seção chamada Sete Dias e deu espaço para que Nei Bianchi e eu escrevéssemos, em revezamento, os artigos que abriam a revista e abordavam os principais acontecimentos da semana.

Beleza. Gostamos da ideia e, nas edições seguintes, falamos bem de uns poucos, mal de muitos e incomodamos outros tantos “amigos” da Bloch.

Com Carlos Heitor Cony, na Livraria da Travessa, em 2008: lançamento
do livro 'Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou".
Foto Alex Ferro
Os artigos eram, em geral, irônicos.Toda semana alguém reclamava. Cony matava no peito e não dava bola para o adversário. Até que um dia Adolpho entra na sala com uma carta na mão.

E não era um coringa.

Senta-se à frente da mesa do Cony, me chama - eu era, então, chefe de redação -, e vai logo disparando o seu bordão: “E como é que o senhor faz isso comigo”.

Era curioso esse bordão que o Adolpho usava com frequência. Era um misto de bronca e lamento, de reclamação e de decepção.

Ele me pediu que lesse a carta em voz alta. Não podíamos rir, jamais desrespeitaríamos o Adolpho que falava sério, mas que dava vontade de rir, dava.

A carta intentava ressaltar um "drama", mas as entrelinhas passavam involuntariamente um humor quase irresistível, puro Irmãos Marx. Um empresário do setor de materiais de construção queixava-se de que a F&F o ridicularizara perante sua família e os funcionários da sua fábrica.

Logo entendi a razão da reclamação.

Com Ney Bianchi, na redação, anos 80.
O Rio, na época, em função da cotação do dólar muito favorável ao turista americano, estava cheio de gringos. E gringo remediado. Com relativamente pouco dinheiro, um americano de classe média baixa podia se dar ao luxo de adquirir um pacote turístico, passar uma semana no Rio, hospedar-se em um hotel cinco estrelas e tirar uma onda de rico em férias nos trópicos. Copacabana estava cheia desses tipos. E naquela semana, o artigo da seção Sete Dias era exatamente sobre o tal fenômeno. Sob o título "Gari em NY, Rei no Rio", a crônica  - um texto do sempre brilhante Ney Bianchi - ironizava um sujeito fictício que atrasava o pagamento da hipoteca e dava um tempo no duro ofício de recolher o lixo do Bronx em troca de uma temporada nas terras cariocas, com direito a mulatas, caipirinha, sol e samba. Até aí, tudo bem.

O problema aconteceu na hora de ilustrar a página.

Ao editar a matéria, ao lado do chefe de Arte J.A. Barros, pedi ao saudoso e querido amigo Evaldo Vasconcelos, o boa-praça secretário de redação da F&F, que buscasse no arquivo fotos de turistas típicos. Havia centenas de cartelas de plástico com cromos 6x6 que mostravam visitantes em várias épocas. A maioria, claro, não identificada.

Escolhi uma foto de um sujeito que mais turista típico não podia ser. Um cidadão cinquentão, rosto vermelho, de tênis, bermuda estampada, meias branquíssimas no meio das canelas idem, boné, sentado, solitário, em um dos bancos de cimento da orla. Só faltava estar escrito na camiseta: “Mim ser de Long Island”. Botei lá, no meio da página, com destaque, a foto que simbolizava o “gari” que reinava no Rio e comia mulatas adoidado.

Foi mal: o “gari” era um rico empresário, judeu como o Adolpho, amigo da família Bloch e ainda por cima anunciante em algumas publicações da casa. “Isso não se faz”, repetia Adolpho, enquanto que eu continuava a ler carta.

Cony, como hábil mediador, procurava controlar a situação, antes que o Adolpho pedisse cabeças ou cabeça.

O empresário, a vítima do Sete Dias, pegava pesado na reclamação. Apelava para suas origens, o sofrimento do seu povo, colocava-se como alvo de preconceito. Relatava que ao chegar à sua fábrica tivera o desprazer de ver colada a página da revista em uma parede. Sentira-se ridicularizado, humilhado, mas apesar disso não pedia retratação.

Na carta pessoal dirigida a Adolpho dizia-se tão somente decepcionado com o tratamento que a revista lhe dera.

Assumi o erro, disse-lhe que, obviamente, não havia a intenção de ridicularizar o reclamante. Para nós, o "turista" era um genérico, entre tantos outros assim arquivados.

Adolpho pegou o telefone, ligou para o arquivo e disse que, a partir daquele dia, todas as fotos, inclusive as antigas, tinham que ser identificadas. Tarefa àquela altura impossível, eram milhões de imagens.

Ninguém foi demitido.

Com o tempo, a gafe caiu no esquecimento.

(*) Texto originalmente escrito para o livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou"

domingo, 21 de setembro de 2014

Mais um acervo preservado. Fotos do jornal Última Hora carioca estão disponíveis para pesquisa no Arquivo Público de São Paulo.

por BQVManchete
Memória garantida. Foi finalizada mais uma etapa do processo de digitalização do Fundo Última Hora – sob guarda do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Aproximadamente 800 mil fotografias que pertenceram ao Departamento de Arquivo Fotográfico do jornal Última Hora foram organizadas, digitalizadas e tratadas, além de disponibilizadas para pesquisas. Trata-se de material acumulado pelo jornal Última Hora do Rio de Janeiro entre os anos de 951 e 1971, em negativo flexível e em papel de gelatina e prata. O trabalho de recuperação das fotos teve início em 2006 no Centro de Acervo Iconográfico e Cartográfico (CAIC). Concluída a atual fase, a restauração prossegue até a disponibilização integral do Fundo Última Hora.
CONHEÇA O PROJETO DO ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. CLIQUE AQUI
Para a história do jornalismo brasileiro, o projeto do CAIC é um marco. E uma indicação de que talvez muitas coleções ainda em risco possam ser salvas. Para isso, bastaria que outras instituições como o Ministério da Cultura, Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, Associação Brasileira de Imprensa se interessassem pelas coleções que ou permanecem sumidas ou fora do alcance de pesquisadores, escritores e estudantes. Para citar alguns exemplos cariocas: com exceção do arquivo do O Cruzeiro e do O Jornal, ambos dos Diários Associados e hoje sob guarda do jornal Estado de Minas, das fotos que pertenceram ao Correio da Manhã, agora em poder do Arquivo Nacional, do material do Jornal do Brasil digitalizado e preservado pela empresa sucessora, sabe-se pouco dos rumos dos acervos de veículos extintos como a revista Senhor, do Diário de Notícias, Pasquim, da Editora Vecchi, Diário Carioca, Revista da Semana. Desconhece-se também a situação do arquivo da Tribuna da Imprensa. Uma caso grave, já emblemático, é o sumiço do arquivo que pertenceu à falida Bloch Editores, que editava Manchete, Fatos & Fotos. Amiga, Desfile, Mulher de Hoje, Pais & Filhos, Geográfica, EleEla, Jóia, Domingo Ilustrado, Tendência, e dezenas de outros títulos.