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domingo, 6 de junho de 2021

Na semana em que faria 90 anos, João Gilberto revive em inéditas

Vinicius e João Gilberto, com Tom Jobim nos teclados, no Au Bon Gourmet, Rio, 1962. Foto de Hélio Santos/Manchete

Em 10 de junho, próxima quinta-feira, ele faria 90 anos. Lenda da bossa nova, morreu há dois anos mas está presente. E não apenas através da sua obra imortal conhecida. João Gilberto revive em inéditas. 

A Rádio Batuta, do Instituto Moreira Salles, acaba de por no ar gravações até hoje não conhecidas do genial baiano de Juazeiro. São três fitas gravadas em Salvador, entre 1959 e 1961. Uma registra um show de João Gilberto e Vinícius de Moraes na Associação Atlética da Bahia. Os outros dois áudios foram gravados pelo jornalista, jurista e  músico Carlos Coqueijo em sua própria casa. O material contém dezenas de músicas, das quais 20 inéditas, em parcerias memoráveis com Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Vinicius e Dorival Caymmi. 

A pesquisadora Edinha Diniz recebeu as gravações de Aydil Coqueijo, que as preservou ao longo do tempo. A viúva de Coqueijo cuidou de transformar os rolos de fitas em cassetes e, por fim, providenciou a digitalização de todo o material guardado pelo marido, falecido em 1988. Em um trecho ouve-se João cantando "Sem Você", nunca gravada em disco, composta por Vinicius de Moraes e Tom Jobim. Pura história musical. 

João Gilberto e Tom Jobim em Montreux, 1985. "Uma confrontação", segundo Roberto Muggiati que cobriu o festival para a Manchete, com fotos de Lena Muggiati 

Por falar em Tom, histórica também foi a performance de João Gilberto com o carioca no Montreux Jazz Festival, em 1985. Muitos críticos apontam aquela hora como a melhor de João Gilberto. O então diretor da Manchete, Roberto Muggiati, que cobriu com a fotógrafa Lena Muggiati aquela edição do festival, definiu o encontro como "uma dramática queda-de-braço entre João e Tom Jobim, uma confrontação terrível entre as duas figuras maiores de bossa nova". 

* Você pode ver e ler a matéria completa da Manchete neste link 

http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=004120&pasta=ano%20198&pesq=Montreux&pagfis=233338

* Já os registros das gravações históricas que Carlos Coqueijo fez de João Gilberto estão na Rádio Batuta 

https://radiobatuta.com.br/especiais/joao-gilberto-em-casa-de-carlos-coqueijo-28-11-1960/

domingo, 7 de fevereiro de 2021

Nara Leão e Elis Regina: rivais em alta tensão no estúdio da Manchete

 

Nara Leão, mão no queixo, à direita, ouve João Gilberto no Arpoador, em 1959,
em foto de uma sequência que Carlos Kerr fez para a Manchete, edição 398. Reprodução.

por José Esmeraldo Gonçalves

A Manchete tem sido uma boa fonte de pesquisa para escritores, documentaristas e autores de teses universitárias. Faz todo o  sentido. Sem abrir mão do jornalismo ilustrado, e até por isso, a revista cobria uma larga variedade temas. Movimentos como MPB, Tropicalismo, Cinema Novo e Bossa Nova, por exemplo, tiveram suas trajetórias amplamente registradas em centenas de entrevistas e fotos. 

A foto da capa é de
Frederico Mendes.
Um exemplo mais recente da revista como repositório da memória cultural é o livro "Ninguém Pode com Nara Leão", biografia escrita por Tom Cardoso para a editora Planeta. Em obras anteriores - "O Marechal da Vitória", sobre Paulo Machado de Carvalho, "75KG de músculos e fúria", biografia de Tarso de Castro), "Se Não Fosse o Cabral", sobre Sérgio Cabral, e Sócrates, sobre o craque do futebol - ele provou que é um pesquisador incansável e atento. 

De Nara Leão pode-se dizer que era famosa, mas não verdadeiramente conhecida. Era até hoje uma personagem a ser desvendada. Em dezenas de depoimentos, Tom Cardoso levanta os véus que a própria cantora interpôs entre suas vidas privada e pública. 

Da Manchete, o autor recuperou  trechos de entrevistas, bastidores de reportagens e pelo menos uma foto marcante. O livro conta um explosivo encontro de Nara e Elis, que não acabou bem, para uma seção da revista chamada "As Grandes Rivalidades", criada por Justino Martins. A intenção do repórter Carlos Marques era entrevistar para a rubrica as duas juntas, lado a lado. 


A matéria as Grandes Rivalidades, por Carlos Marques

Elis e Nara se desentenderam no estúdio da Manchete.  
A foto, de 1967,  e que saiu sem crédito, é aparentemente uma montagem.. 

Ambas até toparam. Antes, estava marcada uma sessão de fotos no estúdio, quando o entrevistador aproveitou para começar a fazer perguntas e colocar lenha na fogueira, como pedira Justino. Marques não contou com um fio desencapado na relação das duas.  Mal começou, foi Elis quem jogou gasolina no fogo. Resolveu que não devia estar ali. "Vou embora", disse. "Não gosto da Nara. Ela canta mal e fala bem", completou. "Agressividade pueril", rebateu Nara na matéria. Marques conseguiu, depois, convencer as duas a darem entrevistas separadas. 

Em outros trechos do livro, há breves extratos de matérias de Carlinhos de Oliveira, para a Manchete, e de Ronaldo Bôscoli, para a Fatos & Fotos. O livro vem com um álbum de fotos pessoais de Nara Leão e um raro e exclusivo registro fotográfico da cantora com João Gilberto na Praia do Diabo, no Arpoador. A foto é 1959, de Carlos Kerr para a Manchete. 

Publicá-la é, de certa forma, recuperar documentos fotográficos que faziam parte do acervo das revistas da Bloch, hoje desaparecido.

Quanto ao livro do Tom Cardoso, é uma excelente pedida. 

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Memórias da redação - Canecão, 1979 - João Gilberto fotografado no exato momento em que reclama do som e cancela o show. Por Guina Araújo Ramos

João Gilberto no Canecão, em 1979, reclama do som e cancela o show.
Foto de Guina Araújo Ramos.


por Guina Araújo Ramos

Nunca mais, nunca mais…

Sempre fui um ouvinte casual de música (e não da estrangeira, necessitava entender o que era dito). Ouvia a música que tocasse no rádio, não questionava muito. Música, para mim, era mesmo um fundo musical, sempre fui meio analfabeto no assunto. Quando digo que o único instrumento que toco é campainha de porta estou sendo sincero.

Conseguia diferenciar, sim, a bossa nova dos outros ritmos, mas mal distinguia cantores de cantoras, todos cantavam baixinho… A exceção era Dorival Caymmi, mas pode ser uma certa identificação com aquela coisa baiana, aquele relax existencial… Lembro de um programa da TV Tupi, lá pelos meus oito anos, altas horas da noite, minha mãe me mandando dormir, o baiano deitado na rede com seu violão, entre redes de pescar e coqueiros de papelão. Alguma mágica devia haver na música, mas achava que gostava das historinhas, os pescadores que saíram pro mar na quarta-feira santa, os clarins da banda militar, a morena que se pintou… Já esse outro baiano, João Gilberto, com suas histórias impessoais, deixara apenas um vago registro, como se suas músicas, hoje clássicos, fizessem parte do inconsciente coletivo. Logo viriam outros baianos e depois novos baianos, mas, aí, já não era mais aquela infância…

Então, em 1979, bastante adulto, estava eu, com a máquina fotográfica em punho a serviço da revista Amiga, diante de João Gilberto em pessoa. O agora mito João Gilberto, em uma de suas raras aparições neste ensandecido Brasil que trocara por New York, ensaiando para um show no Canecão.

Estava bem ali no meio do palco, dentro de um círculo de luz, sentado no banquinho, o violão na mão, vestindo seu paletozinho, penteadinho… Uma concessão, sem dúvida. Um privilégio.
Nós fotografávamos do próprio palco, mas de fora do círculo, da escuridão que tomava conta de tudo.

Cristina Zappa, minha professora de inglês no curso da ABI, então fotógrafa estagiária de O Globo, mais neófita do que eu, se mostrava nervosa. Podia ser apenas síndrome de fã, ela nunca me confessou nem uma coisa nem outra… Eu também tinha vivido alguns momentos de nervosismo, de tremer mesmo, no meu início na Manchete. Tinha vencido tais barreiras justamente para estar ali, naquele momento, à frente de João Gilberto. Enquanto ele ajeitava as cordas do violão na ilha de luz do palco, eu colocava uma 135mm e media a luz. Lúcia Leme, repórter consagrada, minha parceria na empreitada (ou melhor, eu dela…) conversava, entre as mesas, com a produção e outros jornalistas. Era apenas um ensaio, mas dava para sentir uma emoção no ar. E talvez, também, alguma aflição…

João Gilberto parecia tranquilo. Dedilhou o violão, cantarolou dim-dim-dom-dom (ou qualquer outra de suas genialidades musicais) e falou qualquer coisa a alguém. Este alguém, num gesto, conseguiu silêncio total e João Gilberto começou a cantar. Cantava qualquer coisa, um barquinho, um cantinho, um violão (é impressionante o que não se ouve quando se está fotografando, e o pior é que geralmente são as melhores músicas…), tocava qualquer coisa, dim-dim-dom-dom, eu estava gostando, ele tocava… Até que simplesmente parou.

Parou. O silêncio continuava. Todos atentos, reverentes. Balançou a cabeça, olhou para a escuridão do fundo do salão, baixou a cabeça e voltou a tocar, dim-dim-dom-dom, cantou mais um barquinho, um cantinho… Até que parou outra vez e falou. O fato é que João Gilberto falava muito pouco. Quando falava, e era pouco, falava baixinho. Quando falava alto, aí, era um acontecimento!…

Pois João Gilberto parou de tocar e falou alto. Falou para a escuridão lá do fundo:

– Olha, não está bom não!

Uma voz nas trevas respondeu qualquer coisa e João Gilberto falou outra vez:

– Eu sei. Mas não está bom não.

Dava para perceber que a voz nas trevas se esforçava para explicar qualquer coisa. João Gilberto propôs:

– Faz o seguinte: baixa um pouco.

Ou “sobe” ou “aumenta” ou “diminui”, uma ordem cifrada dessas. Só sei que “esquece” ele não falou… João Gilberto tentou resolver o problema, sou testemunha, posso jurar. A voz ao fundo, um pouco sumida, disse OK e João Gilberto voltou a se concentrar no violão. Dim-dim-dom-dom, um banquinho, um violão, nosso amor, uma canção, dessa vez eu acho que ouvi..

"Nunca mais, nunca mais..."

Ou talvez não… Mas, que importa, estava eu lá interessado na música?… Não, não estava. Estava interessado nas reações de João Gilberto. Notei que começava a se contorcer. No princípio, só um pouco, o tronco, os ombros, mas, aos poucos, passou a mexer as pernas abaixo dos joelhos, girando o pé na ponta do sapato enquanto tocava e cantava. E o rosto… Percebi uma cara feia qualquer, ainda que fugaz.

Parou de novo. Baixou a cabeça sobre o violão, notei que suspirou. Voltou a falar, de novo em voz alta, lá para o fundo negro de onde vinha o jato de luz:

– Olha, não ficou bom, não. Ficou pior… Faz o seguinte: volta como estava.

Pronto, pensei, o problema estava resolvido. Não ia ser o ideal, o máximo do som, como João Gilberto queria, mas seria o bom, o aceitável, o público iria gostar… Para mim, por exemplo, podia ficar de qualquer jeito, alto ou baixo, mais ou menos, estava bom o tempo todo. Mas, se ele fazia questão, tudo bem, era só voltar ao que estava antes: ele tinha razão!…

A voz lá do fundo disse OK. Silêncio. Cumpre-se o ritual e João Gilberto recomeça a tocar, acho até que voltou a cantar um barquinho vai, a tardinha… Ah, parou!…

Parou e caiu em silêncio, ensimesmado. Ficou ali emborcado sobre o violão algum tempo. Não dá para saber quanto porque estava tudo parado… Respirou fundo e falou lá para o fundo:

– Não, não… Não era assim que estava. Agora, ficou mais alto.

Ou “baixo”, ou “maior” ou “menor”, um problema desses… João Gilberto não parecia contente. Ficou olhando fixamente o foco de luz (ou a escuridão?…) por um tempo, até que a voz cavernosa garantisse que, agora sim!, estava no ponto. Ou nem tanto, que apenas voltaria ao que estava antes.

João Gilberto pareceu aceitar, uma tristeza no olhar…

Tudo de novo, o ritual. Eu, com meu dedo colado no disparador. João Gilberto começou a tocar, dim-dim-dom-dom. Eu senti que havia uma aflição saindo daquelas cordas. Ameaçou cantar um barquinho, o mar, a onda… A tardinha caía, seu rosto se desfigurava, eu batia fotos, sentíamos todos uma dor…

João Gilberto parou de tocar. João Gilberto baixou a cabeça. Acho que tinha uma lágrima nos olhos. Ou eu, eu não conseguia ver bem… Ficou ali, no centro da luz. O silêncio dominava a escuridão. Até que começou a balançar a cabeça, de lado a lado, por sobre o violão. E se ouviu a ladainha:

– Nunca mais, nunca mais!…

Parecia que ia chorar… Balançava a cabeça de lado a lado, desalentado: nada… De repente, insistiu em tocar, apertou as cordas com mais raiva do que fé: nada… A cada acorde, um esgar, uma careta: nada… Tudo aparentemente certo, um banquinho, um violão, mas o som…

– Nunca mais, nunca mais!…

A voz lá no fundo prometeu qualquer coisa, disse que agora sim, qualquer coisa, mas João Gilberto, catatônico, continuava:

– Nunca mais, nunca mais!…

E eu ali me sentindo o pato… Não era muito mais do que isso o que sabia de João Gilberto: bossa-nova, o tal banquinho, o violão, um barquinho, o pato… Agora, estava ele ali, na minha frente, sob a minha mira fotográfica, e era um mito arrasado, um baiano triste, um banquinho manco, um violão rachado, um som quebrado…

Para mim, estava bastante bom, estavam bastante boas as fotos. Até a música estava boa. Mas, que o sentimento era forte, que o momento era cruel, até eu, analfabeto musical, podia sentir. Vi logo que ia dar uma página dupla na Amiga, uma foto ou outra na Manchete. Que essa história ia ser contada em prosa e verso, transformada em filme, lembrada para todo o sempre enquanto existisse um banquinho, um violão, um amor, uma canção…

Não houve mais o show. João Gilberto cancelou, mais abatido que indignado. Houve celeuma, fãs protestaram, jornais criticaram, uma parte parece que processou a outra, parece que vice-versa, sei lá, dizem mesmo que a ditadura teria acabado mais cedo por causa disso…

Virou até literatura: Sérgio Sant’Anna, desencantado mas sarcástico, contou a história no conto (e livro) “O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro”. Depois de um certo voo de imaginação, decretou: o não-show de João Gilberto no Canecão teria sido, afinal, o show de João Gilberto que o Rio de Janeiro merecia. Pode ser… Mas, hoje eu sei: eu mesmo não merecia.

Para se ver quão traumatizantes foram os fatos. Deu para sentir, eu estava lá…

sábado, 6 de julho de 2019

História que a bossa nova não contou: na gravação de "Chega de Saudade", a genialidade e o gênio de João Gilberto. Por Roberto Muggiati

“Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim,” rezava a letra, mas o clima no estúdio era de “brigas sempre mais" que marcava a relação yin/yang entre João Gilberto e Tom Jobim.

A data: 10 de julho de 1958, uma quarta-feira.


O local: o antigo estúdio da Odeon no quarto andar do edifício São Borja, à Avenida Rio Branco, 277, na Cinelândia.

A ocasião: a gravação do take definitivo do disco de 78 rpm Chega de Saudade/Bim-Bom, que entraria para a história como o marco inicial da bossa nova. Foram várias tentativas tumultuadas para se chegar à bolacha final.

Ruy Castro descreveu o clima no seu livro-reportagem Chega de saudade: “Gravando direto com a orquestra, ao vivo no estúdio, sem playback, ele [João Gilberto] interrompia take após take, ouvindo erros dos músicos que escapavam aos outros, e obrigando a orquestra inteira a tocar de novo. Em certos momentos, era como se todo mundo no estúdio fosse surdo, menos ele.”

Um dos focos da discórdia foi a exigência de João Gilberto de ter quatro homens na percussão: Milton Banana à bateria, Rubens Bassini nos bongôs, Juquinha no triângulo e Guarany na caixeta. Tudo isso para uma canção que durava nada além de dois minutos.

O percussionista Guarany Nogueira,
que participou da gravação do LP "Chega de Saudade".  

A inclusão de Guarany Nogueira (1928-1980) na gravação seminal da bossa nova revela a grandeza do seu talento. Principalmente se levarmos em conta o fato de que o curitibano, vítima de poliomielite, usava aparelho ortopédico e só tinha movimento numa perna, um handicap terrível para um baterista.

Em Curitiba, Guarany tocou muito tempo no Ludus Tertius, trio completado por Norton Morozowicz, ao baixo, e Gebran Sabbag ao piano. Em sua temporada carioca, além de brilhar nos círculos da bossa nova, Guarany frequentou o circuito clássico: o maestro Eleazar de Carvalho queria prepará-lo para timpanista da Orquestra Sinfônica Brasileira.

Hélcio Milito, baterista do Tamba Trio, afirmou: “O Guarany era um grande percussionista, talvez um dos melhores do Brasil. Se assim não fosse, João Gilberto não teria exigido sua presença para gravar varias faixas do seu primeiro LP.” 

João Gilberto, um perfil (do livro "Improvisando Soluções", de Roberto Muggiati)




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João Gilberto (1931-2019): bate calado um coração...

O cantor e compositor João Gilberto morreu hoje, aos 88 anos, no Rio de Janeiro. Ao longo de mais de 40 anos, Manchete acompanhou a trajetória do pai da bossa nova. Em 1959, ano em que lançou o antológico Chega de Saudade, João foi capa pela primeira vez. Veja abaixo alguns dos momentos registrados pela revista.

Em 1959, com a então musa do Arpoador, Ira Etz. Foto Carlos Kerr/Manchete

N Au Bon Gourmet em show com Tom e Vinicius, 1962. Foto de Gil Pinheiro/Manchete. 

Foto Manchete

Roda de violão em Ipanema, 1959. Reprodução Manchete

Em Montreux, 1985.  Foto de Lena Muggiati/Manchete


sábado, 29 de dezembro de 2018

Minha noite com Miucha, há 62 anos, na Pauliceia desvairada • Por Roberto Muggiati

Miucha com o então marido João Gilberto e o irmão Chico Buarque


por Roberto Muggiati 

Foi naqueles meses malucos de 1962, entre os dois anos em Paris e os três anos em Londres, que eu batizei de Seis meses num DKW. Eu ia muito a São Paulo nesta época e me enturmei com um pessoal muito doido. Tinha o Nelson Coelho, que chefiava a sucursal do JB em São Paulo, mas preferia ser contista, poeta e mestre zen. O Benjamin Steiner, um judeu argentino, publicitário campeão de faturamento que depois largou tudo e virou antiquário; o Pachequinho – que irreverência nossa chama-lo assim, o grande maestro Diogo Pacheco –  e respectivas consortes e sem-sortes. Cada noite era uma aventura e naquela noite de meados de 1962 o pessoal inventou de ir jantar numa cantina do Brás que, naquela época nada gentrificada, era mesmo um bairro bem proletário – e a cantina um bom freje.


Alguém lembrou de tirar do bom caminho a amiga Heloisa Maria Buarque de Holanda, a Miúcha, dois meses mais moça que eu – tínhamos então 24 aninhos. Ela ainda não sonhava em ser cantora, nem em casar com o João Gilberto e parir a Bebel Gilberto. A operação de retirar Miúcha do vetusto casarão do lendário Sérgio Buarque de Holanda, plantado numa encosta atrás do estádio do Pacaembu – Chico Buarque, dezoito anos, não era Chico ainda e dormia como um anjo – aquela operação envolvia, mais do que tudo, rigoroso silêncio. Ninguém tinha celular e, não sei como, à hora aprazada, a menina escapuliu pela janela e pulou o muro. E lá fomos todos nós, felizes da vida, para o Brás.

Um corte rápido, de apenas cinquenta anos, meio século. Reencontro Miúcha no Rio em 2012 na estreia para a imprensa de A música segundo Tom Jobim, que ela roteirizou com o diretor do filme, Nelson Pereira dos Santos. Numa brecha, ataco: “Miúcha, lembra de mim, aquela noite no Brás?” Embora na ocasião mítica tivéssemos sentado lado a lado, nenhum dos dois lembrava nada de cada um ou de tudo mais. Mas ela recordou o nome do restaurante: “Era a Cantina do Marinheiro, não?” Cantina do Marinheiro só mesmo naquela Pauliceia pós-desvairada – mais desvairada ainda – dos anos 1960. Valeu, Miúcha, foi breve e fugaz o nosso tête-à-tête, mas foi eterno enquanto durou.  Saudades...

domingo, 19 de agosto de 2018

Bossa Nova, 60 anos: o Globo resgata foto histórica da Manchete


O Segundo Caderno do Globo publica hoje boas matérias especiais sobre os 60 anos da Bossa Nova. Um dos textos, o de Joaquim Ferreira dos Santos, é ilustrado com uma foto da Manchete, devida e justamente creditada. Nara Leão e outras jovens ouvem o violão de João Gilberto nas areias de Ipanema.

Reprodução Revista Manchete, 1959.

Uma "roda de violão" histórica vista em uma série de fotos de Carlos Kerr. Naquele dia, o repórter Aloísio Flores fez um dos primeiros registros da Bossa Nova em revista. A partir de 1958, a Manchete, principalmente sob a direção de Justino Martins, cobriu com regularidade o nascimento do novo gênero musical. Os arquivos sumidos da extinta Bloch guardam ou guardavam centenas de fotos dos primeiros acordes da revolução musical que embalou Ipanema e seduziu o mundo. Memória que, ainda bem, rompe o esquecimento em reprodução digital como essa que O Globo resgata.

domingo, 8 de julho de 2018

60 anos de bossa nova: A protofonia do Guarany • Por Roberto Muggiati

O trio Ludus Tertius, de Gebran Sabbag (piano), Norton Morozowicz (contrabaixo) e Guarany Nogueira (bateria) no programa de tevê A Grande Chance, de Flávio Cavalcanti, em 1969. Divulgação/TV Tupi


Guarany em foto mais "outonal". Acervo Pessoal

João Gilberto fazendo beicinho na capa do LP "Chega de saudade". A foto é de Chico Pereira

por Roberto Muggiati


Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim,” rezava a letra, mas o clima no estúdio era de “brigas sempre mais" que marcava a relação yin/yang entre João Gilberto e Tom Jobim.

A data: 10 de julho de 1958, uma quarta-feira. 

        O local: o antigo estúdio da Odeon no quarto andar do edifício São Borja, à Avenida Rio Branco, 277, na Cinelândia.

            A ocasião: a gravação do take definitivo do disco de 78 rpm Chega de Saudade/Bim-Bom, que entraria para a história como o marco inicial da bossa nova Foram várias tentativas tumultuadas para se chegar à bolacha final.

           Ruy Castro descreveu o clima no seu livro-reportagem Chega de saudade: “Gravando direto com a orquestra, ao vivo no estúdio, sem playback, ele [João Gilberto] interrompia take após take, ouvindo erros dos músicos que escapavam aos outros, e obrigando a orquestra inteira a tocar de novo. Em certos momentos, era como se todo mundo no estúdio fosse surdo, menos ele.”

           Um dos focos da discórdia foi a exigência de João Gilberto de ter quatro homens na percussão: Milton Banana à bateria, Rubens Bassini nos bongôs, Juquinha no triângulo e Guarany na caixeta. Tudo isso para uma canção que durava nada além de dois minutos. A inclusão de Guarany Nogueira (1928-1980) na gravação seminal da bossa nova revela a grandeza do seu talento. Principalmente se levarmos em conta o fato de que o curitibano, vítima de poliomielite, usava aparelho ortopédico e só tinha movimento numa perna, um handicap terrível para um baterista.

      Em Curitiba, Guarany tocou muito tempo no Ludus Tertius, trio completado por Norton Morozowicz, ao baixo, e Gebran Sabbag ao piano. Gebran foi um daqueles jovens curitibanos que descobriram o jazz nos LPs de Art Tatum, Erroll Garner e Oscar Peterson, fazendo uma amálgama destas três escolas de piano totalmente diversas. No réveillon de 1955, horas depois de Gebran tocar no baile do Sírio e Libanês, o clube pegou fogo. Um piadista de plantão decretou: “Este sim é que é o verdadeiro jazz hot!” O Ludus Tertius se notabilizou além das fronteiras da noite curitibana e, em 1969, foi destaque no programa de televisão A Grande Chance, do apresentador Flávio Cavalcanti.

          Em sua temporada carioca, além de brilhar nos círculos da bossa nova, Guarany frequentou o circuito clássico: o maestro Eleazar de Carvalho queria prepará-lo para timpanista da Orquestra Sinfônica Brasileira. Hélcio Milito, baterista do Tamba Trio, afirmou: “O Guarany era um grande percussionista, talvez um dos melhores do Brasil. Se assim não fosse, João Gilberto não teria exigido sua presença para gravar varias faixas do seu primeiro LP.” A pesquisadora musical Marilia Giller, em seu trabalho de 2007, O jazz curitibano dos anos 1950, cita o pianista Gebran Sabbag, com quem Guarany tocou por muitos anos: “O Guarany merece muita consideração. Apesar de não poder dispor do pé esquerdo, ele tocava a melhor bateria de jazz de todos os tempos em Curitiba, e até fora dela, com muito suingue e um balanço excepcional.”

Bossa Nova - Há 60 anos, Carlos Kerr, da Manchete, fotografou Astrud e João Gilberto nas areias do Arpoador...


O Globo de hoje publica a foto acima a propósito dos 60 anos da Bossa Nova.

Um pequeno e  importante reparo. A foto não creditada faz parte de uma série de imagens feitas por  Carlos Kerr e publicadas na Manchete na primeira matéria de capa da revista (N° 398) sobre o gênero musical que conquistou o Brasil e o mundo.

Mostra Astrud e João Gilberto no Arpoador.

Curiosamente, o casal não ilustra a capa daquela edição. Justino Martins, então diretor da Manchete, que escalou Carlos Kerr e o repórter Aloisio Flores para a matéria, preferiu uma montagem que considerava de maior apelo em bancas. Os baianos João Gilberto e Astrud eram então desconhecidos do grande público. A solução foi turbinar o foto do autor de "Chega de Saudade" com uma carioca de extrema beleza: Ira Etz, 22 anos, a musa e modelo que reinava nas areias do Arpoador.  Veja, abaixo, a reprodução daquela histórica edição da Manchete. 

A reportagem de Aloísio Flores e do fotógrafo Carlos Kerr, da MANCHETE, chamava a Bossa Nova, que revolucionava a música brasileira no fim da década de 1950, de "Novocaína do Samba" e mostrava imagens hoje raras de João Gilberto em uma "roda de violão" nas areias do Arpoador. São fotos históricas que faziam
parte do Arquivo Fotográfico da Manchete, atualmente em local e condições de preservação desconhecidos..

Astrud e João Gilberto no Arpoador. Foto de Carlos Kerr/MANCHETE
Na primeira capa da MANCHETE sobre a Bossa Nova, a então musa do Arpoador, Ira Etz
reforçava a imagem do quase desconhecido João Gilberto. Na legenda, a revista lançava a pergunta "Que é o samba Bossa Nova?'. E completava: "João Gilberto explica seu 'estado de espírito' ao manequim Iracema". 

sábado, 16 de dezembro de 2017

Montreux, 1985 - A noite mágica de João Gilberto, segundo Roberto Muggiati

João Gilberto está na Veja dessa semana. Não há música nem poesia nessa matéria de capa. Aos 86 anos, o cantor e compositor, uma lenda da bossa nova, vive um drama pessoal. Há muitos momentos marcantes na brilhante trajetória do genial baiano de Juazeiro desde o seu disco de estreia, o Chega de Saudade, que entrou para a história. Mas sua performance no Montreux Jazz Festival, em 1985, é apontada como a melhor hora de João Gilberto. Foi também uma dramática queda-de-braço entre ele e Tom Jobim, uma confrontação terrível entre as duas figuras maiores de bossa nova. O editor Roberto Muggiati e a fotógrafa Lena Muggiati estavam lá. Aconteceu (na Suíça), virou Manchete...




sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

O drama de João Gilberto e o barquinho de Gilmar Mendes em águas agitadas

Aos 86 anos, João Gilberto vive uma crise familiar e financeira. É a capa da Veja.
Mas o que vai dar o que falar é aquela chamadinha lá em cima: "o juiz e o empresário".
O barquinho de Gilmar Mendes está navegando rumo a um iceberg...

domingo, 5 de junho de 2011

João Gilberto, de pijama, por Dario Zalis

A coluna Gente Boa, Globo de hoje, de Joaquim Ferreira dos Santos e equipe, excelente edição, por sinal, é sobre os 80 anos de João Gilberto, que nasceu em 10 de junho de 1931. No destaque, um fato curioso que envolve um fotógrafo que atuou na Manchete: Dario Zalis. Há pouco mais de dez anos, João voltava a se apresentar em Nova York. Dario, que ja havia conquistado a confiança do compositor quando o fotografou anos antes nos estúdios da Polygram, viu aí uma possibilidade de matéria. Na época, conversou sobre isso com os editores da Caras, que toparam o risco de enviar o fotógrafo para Nova York, mesmo sabendo da baixa probabilidade de sucesso. Hospedado no mesmo hotel, Dario chegou a falar por telefone com JG. Passaram-se dois, três dias, e nada. Até que o secretário do compositor chamou o fotógrafo ao apartamento do João Gilberto. E deu-se a matéria exclusiva que a revista Caras publicou na época. Uma das fotos, o Gente Boa reproduz hoje, mas foi feita uma sequência inteira que mostra o compositor... de pijama, à vontade, sorrindo em quase todas as imagens. Provavelmente, foram as últimas fotos posadas de JG, que hoje vive recluso no Leblon, publicadas pela imprensa.